O governo Bolsonaro-Mourão não é um governo “normal”, como todos os anteriores que passaram pelo país após o término da ditadura em 1985. Ele é resultado e desdobramento direto do golpe perpetrado em 2016, que tirou Dilma Rousseff da Presidência da República, e também do uso de práticas bandidas durante as eleições.
O processo eleitoral que levou Bolsonaro à Presidência foi eivado de vícios e fraudes, com enorme contribuição da ação política ilegal da Lava Jato, com seus procuradores articulados o tempo todo com o então juiz Sérgio Moro. A chapa Bolsonaro-Mourão foi eleita disseminando agressões e mentiras nas redes sociais, difamando, caluniando e linchando adversários, especialmente através do WhatsApp e do uso de “robôs” – prática financiada por empresários por fora dos mecanismos legais de campanha, caracterizando a prática de “caixa 2”. Além disso, as relações da família Bolsonaro com o crime organizado do Rio de Janeiro (as “milícias”) são evidentes.
Por outro lado, não se trata apenas de um governo neoliberal a serviço do capital financeiro. Bolsonaro e o seu governo expressam uma tensa convergência política entre um projeto ultraliberal – de destruição do Estado brasileiro e dos direitos de trabalhadores e dos segmentos mais pobres da população – e um projeto neofascista de destruição da democracia e de controle e vigilância de todas as esferas da vida social.
A sua obra de destruição no âmbito econômico-social, dando prosseguimento ao governo Temer, é ampla, geral e irrestrita. Agora com a pandemia do coronavírus, a desestruturação do Estado e dos serviços públicos, comandada por Paulo Guedes, assim como o comportamento irresponsável, errático e alucinado de Bolsonaro, adentrando o campo da insanidade mental, colocam em risco a vida de milhares de brasileiros. Na esfera político-cultural as ações autoritárias ou neofascistas do governo Bolsonaro, desrespeitando abertamente a Constituição e as leis do país, são reiteradas cotidianamente. A recente convocação de Bolsonaro dos atos do dia 15 de março, atacando os outros dois poderes da República, ultrapassou todos os limites.
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Bolsonaro coloca em risco a vida de milhares de brasileiros e a própria democracia
Por isso, já existem no país dois consensos em todos os segmentos da sociedade civil e em todas as forças políticas, com exceção da extrema-direita, dos neofascistas e do bolsonarismo: 1- A estratégia política, e objetivo maior, de Bolsonaro e de suas hordas neofascistas é o de destruir a democracia e introduzir uma ditadura no país, colocando todos os partidos na ilegalidade, fechando o Congresso Nacional e submetendo o Poder Judiciário a seus interesses. 2- Todos os juristas, com exceção dos neofascistas e bolsonaristas, não têm dúvida de que Bolsonaro já cometeu inúmeros crimes de responsabilidade e falta de decoro, justificativa suficiente para retirá-lo da Presidência da República.
Mas, apesar disso tudo, o governo Bolsonaro ainda não caiu. Os “donos do poder real”, isto é, o grande capital (o “mercado”) e seus prepostos (na mídia, no Poder Judiciário, no Ministério Público Federal, na Polícia Federal, na cúpula das Forças Armadas, no Congresso Nacional) estão contentes com as iniciativas de Paulo Guedes na esfera econômico-social – destruindo direitos trabalhistas e previdenciários, com transferência brutal de renda para o capital financeiro. Também acreditam que podem controlar Bolsonaro, utilizando-o seletiva e cirurgicamente para atingir os seus interesses corporativos de classe. Para isso, separam, de modo esquizofrênico, a obra econômico-social ultraliberal de Paulo Guedes da obra neofacista de Bolsonaro – como se fossem dois governos. Além disso, temem que a incerteza e a instabilidade política decorrentes da deposição do governo Bolsonaro abram espaço para ação política dos setores populares.
Por sua vez, parte significativa da oposição democrática ainda acha que o “Fora Bolsonaro” não é uma boa saída, por três motivos:
(i) A saída de Bolsonaro não solucionaria nada, porque entraria em seu lugar o general Mourão, que também apoia a obra econômica neoliberal e é de extrema-direita, apesar de não se identificar com o alucinado modus operandi neofascista da família Bolsonaro e suas milícias digitais. Além disso, Mourão significaria, perigosamente, a volta dos militares ao poder.
(ii) A proposta de impeachment não tem o apoio político da maioria dos deputados e senadores, necessária para tirar Bolsonaro da Presidência.
(iii) Não se deve aceitar as provocações de Bolsonaro, que atua criando, estimulando e insuflando conflitos propositalmente, para se colocar na condição de vítima do “sistema”, fortalecendo-se politicamente junto a seus seguidores. Aceitá-las é correr o risco de instabilizar a ordem democrática e enfraquecer suas instituições.
Esses três argumentos têm um denominador político comum equivocado: na prática, considera e trata o governo Bolsonaro como um governo normal, um governo como outro qualquer e que, dada a sua obra antipopular, será retirado pelas urnas em 2022. Involuntariamente, normaliza as ações e agressões permanentes contra a ordem democrática, pois estas são rechaçadas e condenadas apenas com discursos e declarações. A instabilidade política torna-se regra, normaliza-se, colocando em questão a própria eleição de 2022.
Na verdade, a queda de Bolsonaro, por si só, será uma derrota colossal do neofascismo no Brasil, independentemente de quem venha assumir em seu lugar. E mais, o processo que levará a isso implicará uma mudança radical da conjuntura política, com a retomada da iniciativa das forças democráticas e populares. Implicará também mais dificuldades para a continuação da obra de destruição econômico-social do país. As campanhas para a destituição de Collor e Dilma também não contavam, no seu início, com o apoio da maioria dos parlamentares. O processo de crescimento do movimento “Fora Bolsonaro”, na sociedade civil e nas ruas, a exemplo dos recentes “panelaços” ocorridos nas principais cidades brasileiras, influenciará decisivamente a correlação de forças fora e dentro do Congresso Nacional.
Por fim, é fato que Bolsonaro e sua tropa neofascista apostam no confronto; mas essa forma de ação política é uma tática, usada pelo fascismo nos anos 1920/1930 na Itália e na Alemanha, que tem por objetivo testar a capacidade de reação e o comprometimento das instituições e da sociedade civil na defesa da democracia e do estado de direito. O comportamento, aparentemente errático de Bolsonaro – de mentir e desmentir, agredir e negar a agressão, “morder e assoprar” – faz parte dessa tática. Quando sente que as reações não são suficientemente fortes avança mais um pouco, dá mais uma “volta no parafuso”, como num processo de tentativa e erro.
O país não pode esperar até 2022; está sendo dirigido e destruído por um desgoverno de celerados. O “Fora Bolsonaro” tem a capacidade de unir todas as iniciativas políticas parciais de resistência já existentes, que confrontam o governo Bolsonaro-Mourão. Agora, com a pandemia do coronavírus, o “Fora Bolsonaro”, para além da defesa da democracia, passou também a representar a defesa e proteção da saúde pública no Brasil e da vida dos brasileiros. Jair Bolsonaro passou a ser também uma praga sanitária!
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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