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Racismo, machismo e invisibilidade: o que Babu, Manu e Prior dizem sobre Brasil de 2020?

Polêmica em torno do BBB vai além da polarização e revela problemas estruturais do Brasil
George Ricardo Guariento
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Durante a quarentena, o Big Brother Brasil não só tomou o lugar das novelas e entretenimento da TV, como ocupou o vácuo deixado pelo futebol, que conta com público predominantemente masculino. O programa, para o qual muita gente torceu o nariz nos últimos 20 anos, capitaneou a polarização da sociedade e tem mobilizado paixões à direita e à esquerda.

Na última terça-feira (31), o reality show da Rede Globo bateu recorde de votação, com mais de 1,5 bilhão de votos, em um país de 210 milhões de pessoas. O paredão (dia de eliminação) polarizado foi, para muita gente, uma espécie de terceiro turno da eleição.

De um lado, a cantora e ídolo teen dos anos 2000 Manu Gavassi, amiga de celebridades e integrante da turma de famosos selecionados para o programa. Do outro, o arquiteto Felipe Prior, último remanescente da turma que no começo do programa criou um plano que envolvia seduzir as mulheres comprometidas para “queimá-las” com o público. O ato foi lido como uma ação machista e fortemente rejeitado pelo público.

Polêmica em torno do BBB vai além da polarização e revela problemas estruturais do Brasil

Montagem Diálogos do Sul
Felipe Prior, Babu Santana e Manu Gavasi

Prior foi um sobrevivente dentro da casa. Ele foi escapando do julgamento do povo e fez amizade com o ator Babu Santana, que é um dos mais populares fora da programa. A popularidade do ator atraiu a torcida de jogadores como Neymar, Gabigol, entre outros. 

Fora do programa, Prior está sendo acusado por duas mulheres de estupro, e uma terceira o acusa de tentativa de estupro, ocorrida anos atrás, quando ele ainda era aluno do curso de arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

Racismo

Assim como nas últimas eleições, todo paredão no BBB tem provocado uma verdadeira guerra nas redes sociais, em especial no Twitter, que é onde se reúnem os fã clubes dos famosos e robôs replicadores de mensagens de ódio. 

Durante os dias que antecederam a eliminação, Manu Gavassi, que no começo era chamada de “fada sensata”, passou a ser acusada duramente de racismo por uma fala sua dentro da casa. “Para mim, casal que a cor combina, a cor das pessoas mesmo, é muito forte. É sério. Esteticamente falando vocês são extremamente agradáveis. Parabéns”, disse a cantora para o casal Marcela e Daniel. 

A fala foi apontada como racismo estrutural, que é o quando a própria pessoa não se dá conta do racismo em suas falas ou atitudes. Segundo o escritor americano Carl E. James, “a sociedade é estruturada de maneira a excluir um número substancial de minorias da participação em instituições sociais”. 

A fala controversa fez parte da militância negra encampar uma campanha contra a cantora pop, pois o casal alvo da fala de Manu era branco, de cabelo loiro e olhos claros: o padrão. O raciocínio de quem não gostou da fala foi que ela só acharia casais brancos ou da mesma cor agradáveis esteticamente. 

Antes dela, a médica Marcela McGowan, que também foi elevada à categoria de fada, já havia se envolvido em uma polêmica envolvendo racismo. Isso porque Babu comentou com outros participantes que não gostava da forma como a ginecologista olhava para ele: 

“A Marcela, eu vou te falar uma coisa, é um ranço abstrato, é o jeito de olhar, eu já recebi muito aqueles olhares. A Marcela me olha igual a minha patroa que um dia eu pedi para ela sair e ela me falou um monte de merda. Ela me olha igual.”

Em outra ocasião, em uma conversa entre as “sisters” Marcela, Ivy e Thelma, as duas primeiras declararam ter medo dele. “Ninguém fala com ele, a gente fica com medo“, disse a médica.

Machismo

Se Manu teve falas racistas, o que não faltou para Prior foram atitudes machistas e misóginas dentro do confinamento.

A visão de muitos espectadores era de que Prior “apimentava” o jogo com suas provocações ao expor as incoerências do grupo de mulheres feministas, que em vários momentos do jogo têm pecado por não levar o discurso pela igualdade para fora da bolha do feminismo branco

A amizade com Babu trouxe parte do movimento negro para essa briga. Porém, destacou-se na torcida por Prior um movimento de homens conservadores e cristãos que passaram a destilar ódio contra as feministas e a classificá-las como “esquerdistas”. 

Ficou claro que enquanto a esquerda se dividia entre feminismo e movimento negro, a direita apoiava Felipe Prior e aproveitava para semear o ódio de um grupo contra o outro, assim como fizeram durante as eleições. 

Não à toa, Eduardo Bolsonaro que, aliás, vive se gabando por boicotar a Globo, mas aparentemente assina até o globo play, mobilizou seus seguidores na campanha #FicaPrior. 

“Tem uma militante de esquerda concorrendo com um cara que é politicamente incorreto e ganhou apoio de quem odeia mimimi, muitos jogadores de futebol, por exemplo. Então, boa sorte Prior.” 

O favorito da família bolsonaro foi eliminado do programa com mais de 800 milhões de votos, 56% de todos os votos, o que representou o repúdio a essa postura e foi entendido como um recado político.

A política no BBB

Sou morador da periferia de Taboão da Serra, por aqui você não vai ouvir muitas panelas batendo, como tem acontecido em bairros de classe média de muitas cidades brasileiras. Uma vizinha sempre diz que a fome aqui bate antes. 

Mas quando o apresentador Tiago Leifert anunciou que Prior havia sido eliminado, era possível ouvir gritos de “fora, Bolsonaro”  e “nós vencemos” vindos das mesmas janelas onde as panelas nunca bateram. Os que diziam defender Prior por ser parceiro de Babu sumiram e, por um instante, parecia que o Brasil tinha tido sua segunda chance.

O feminismo venceu, como uma reedição do movimento #EleNão, que antecedeu a eleição de Bolsonaro. Isso significa que Babu não merece ganhar? Sim, claro que pode! Porém, ele fez uma escolha no jogo, é um homem adulto, de 40 anos, que, em determinado momento, escolheu se alinhar com homens machistas e agressivos (Guilherme Napolitano). Essa escolha se deu por vários motivos, mas foi uma escolha. 

Agora existem nove mulheres e um homem dentro da casa, sete brancos e três negros. O feminismo já venceu dentro da bolha do entretenimento e fora dela, ao superar o fúria do Twitter e mostrar para os “gabinetes do ódio” o peso do voto feminista e negro. Será?

Invisibilidade

Dentro do programa tivemos diversos tipos de preconceitos e até alguns possíveis “crimes”, fruto de falas problemáticas envolvendo: racismo, assédio, machismo, zoofilia, estupro, homofobia e misoginia. 

Dentro de toda essa equação, a jornalista da Marie Claire Stephanie Ribeiro perguntou, em seu Twitter: “por que estão todos agindo como se Babu fosse o único negro de verdade no programa?”. 

A participante Thelma Assis, mulher, negra, feminista e médica está no jogo, não cometeu nem um terço dos erros cometidos pelo ator e, mesmo assim, é invisibilizada. 

A participante Flayslane Raiane, a Flay, também negra, desde o começo fala sobre a situação financeira que não a permite sequer comprar um pacote de fralda para o seu filho, mas só o ator premiado é tido como “pobre”. 

Além do fato de que homens só conseguem torcer por outros homens e chamam de exclusão quando mulheres fazem o mesmo, o BBB escancara a invisibilidade da mulher negra e a solidão na qual a maior parte delas vive. 

O BBB é uma metáfora da sociedade, então, assim como no programa, parem de invisibilizar mulheres negras por elas serem mais fortes do que vocês gostariam e parem infantilizar homens negros para esconder o seu machismo classista achando que isso te faz menos racista!

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
George Ricardo Guariento Graduado em jornalismo com especialização em locução radiofônica e experiência na gestão de redes sociais para a revista Diálogos do Sul. Apresentador do Podcast Conexão Geek, apaixonado por contar histórias e conectar com o público através do mundo da cultura pop e tecnologia.

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