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Desobediência civil agrava mortalidade da Covid: o que leva o indivíduo a não se proteger?

Os jornais só mostram os números, mas como calcular o drama humano em cada lar dos excluídos, dos desempregados, dos desalentados?
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Faço essas reflexões em busca de entender por que o povo não respeita os protocolos de proteção à contaminação e a disciplina, qualquer que seja.

Abriram os bares no Rio de Janeiro, que ficaram lotados sem que fossem tomados os os cuidados necessários. Acontece em toda parte e vai ocorrer assim que relaxarem o controle do isolamento. 

Por que acontece isso?

Analfabetismo funcional, certamente, contribui para o fato. O sujeito não entende, vai facilmente com os outros, ainda mais se o outro é a autoridade máxima do país. Tem muito a ver com deseducação. 

Os jornais só mostram os números, mas como calcular o drama humano em cada lar dos excluídos, dos desempregados, dos desalentados?

Reprodução: Pixabay
O distanciamento social é uma das maiores armas para frear a curva de contaminação do coronavírus

A sociedade de consumo, o pensamento único neoliberal, a Lei de Gerson, a exacerbação do individualismo, a perda do sentido do homo socialis, tudo o que leva a ignorar os outros.

Os outros não importam. O que importa sou eu. A desobediência civil é normal. Furar a fila, ultrapassar o outro, olhar pra trás e xingar, jogar gasolina e pôr fogo em indígenas ou moradores de rua, matar o outro por gosto ou por dinheiro.

O sujeito que vai lá na fronteira agrícola e queima a floresta, é porque só está pensando nele. Ele sabe que é proibido, mas não lhe importa um pito que o clima do mundo possa muda. Ele não acredita. A ciência é coisa de comunista. Percebem?

Estamos diante de uma crise civilizatória! Temos que recuperar a humanidade perdida, a sociabilidade perdida pelo individualismo que serve ao capitalismo dos poucos ricos.

Saiu nos jornais que a mulher do governador João Doria, senhora Bia Doria, disse estar errado dar marmita aos moradores de rua porque eles se acostumariam. Deu a entender que eles gostam de estar nessa situação de vulnerabilidade.

O que diz a bíblia?

Tal mentalidade é fundada no individualismo egoísta e tem amparo no Velho Testamento. O Deus de Moisés mandava matar aqueles que se antepunham ao seu veredicto. 

Cristo veio para pôr ordem na casa. Cristo é a antítese de Moisés. Veio pregar um Deus misericordioso, que perdoa.

Ouvi no domingo uma interessante exortação do Papa Francisco, lembrando Mateus, quem de fato soube traduzir o que foi o Sermão da Montanha, em que Cristo define de quem é o reino dos céus: dos pobres, dos excluídos, perseguidos, injustiçados de todas as épocas. 

Cristo, em suma, prega uma humanidade cimentada no amor.

Não se pode chamar de democracia onde uma classe vive da exploração dos demais. Tampouco pode-se chamar de cristão quem não considera o outro como o seu igual, com os mesmos direitos e deveres na sociedade. 

A exclusão social, do ponto de vista cristão, é o maior dos pecados, pois gera outros pecados em cadeia. Capitalismo, portanto, é pecado. Capitalismo mata.

Violência e mais violência

 O histórico de exploração e violência é tão trágico como grande. Quando aparece alguém batendo naquele que sempre nos bateram, a reação natural é aplaudir. “É um salvador”, pensa o povo com sua simplicidade, satisfazendo o desejo reprimido de dar o troco, fazer vingança. 

 Forma-se o caldo de cultivo perfeito para o autoritarismo salvacionista.

 Muitos padres e bispos da Igreja de Roma já perceberam o que está acontecendo com o seu rebanho e identificam o governo como uma súcia de bandidos, mas continuam cometendo o erro de pensar que tirando um ministro ou mesmo o presidente a coisa melhora.  

Só melhora para quem se esforça pela continuidade.

 A cada dia, surgem dados novos sobre as sequelas da tríplice crise que assola o país. 

 Interessante que no mundo dos ricos e remediados parece que não passa nada.

No mundo pobre, as pessoas atiradas ao desemprego e desalento fazem dobrar as despesas dos mais pobres. 

Desemprego e desalento

O familiar que tem emprego acolhe o desempregado. Filhos voltam a viver com seus pais, que têm que repartir suas parcas aposentadorias. 

Os jornais só mostram os números, mas como calcular o drama humano em cada lar dos excluídos, dos desempregados, dos desalentados?

E quem não tem família a quem recorrer? Muitos estão voltando para suas cidades de origem, mas para isso também é preciso ter recurso. Basta olhar para ver por todos os lados os moradores de rua se multiplicando. 

De acordo com Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Sem Teto, já são mais de 25 mil moradores de rua na capital de São Paulo. Quantos serão na Grande São Paulo? Quantos serão em todo o Brasil? Hoje já não há cidade neste país que não tenha um número expressivo de marginalizados.

De março a maio, oito milhões perderam o emprego e foram extintas dois milhões de vagas de emprego formal (com carteira assinada). No trimestre, seis milhões engrossaram as filas dos informais. 

Também são enormes as filas nas agências da Caixa para receber o benefício de R$ 600, que em uma cidade como São Paulo não dá pra nada e ainda deverá ser reduzido para R$ 500 e depois para R$ 300.

Haverá futuro?

Como avaliar o drama do jovem que tem que abandonar um curso universitário em faculdades privadas porque, devido à crise e ao desemprego, não tem condições de continuar pagando? 

Entre abril e maio, 235 mil estudantes desistiram ou tiveram que abandonar a faculdade por falta de condição. Em junho e julho, quantos mais terão desistido? É o futuro do país que está em jogo. O que vai ser desses jovens? 

Educação é um direito humano consagrado e é dever do Estado dar uma boa educação para todos, dar uma boa assistência à saúde para todos.

Enquanto isso, a Junta Militar que ocupa o governo promove, em benefício próprio, aumento salarial de 73%. Aproveitar de um cargo público para benefício próprio é crime de peculato. Mas não é só isso! 

Além do regime especial de previdência, 345 militares ocupam cargos nos conselhos das estatais recebem jetons (a parlamentares, nos níveis municipal, estadual e federal por sessões extraordinárias) que custam nada menos que R$ 18 milhões por ano. Lembremos que, durante a campanha, os militares diziam que iriam moralizar a administração pública. O que fizeram foi uma ocupação de cargos e salários.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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