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Bombardeio do Palácio de La Moneda, em 1973 (Imagem: Wikimedia Commons)

Anatomia de um golpe II: A história do 11 de setembro no Chile, por Paulo Cannabrava Filho

Durante o governo de Allende, o Chile, juntamente com Cuba, Peru e Panamá, conformaram uma frente de luta democrática e anti-imperialista
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

O governo da Unidade Popular, presidido por Salvador Allende, conseguiu em pouco tempo, tais transformações que colocaram em xeque a sobrevivência da sociedade de consumo com base na total dependência das economias hegemônicas.

Allende teve tempo para desmontar o aparato golpista que estava montado desde 1964, quando disputou com Frei a eleição, e que depois tentou por todos os meios impedir sua posse na eleição vitoriosa de 1970. Não o fez porque confiava nos militares, particularmente nos comandantes do exército.

Já no início de 1972 o estado controlava as riquezas naturais e as indústrias básicas do país, fundamentalmente o cobre. O latifúndio havia sido praticamente eliminado. O estado controlava 30% do crédito, 85% das exportações e 45% das importações. Se havia reduzido o desemprego e aumentado o nível de consumo das famílias de menor ingresso.  Programa de saúde havia reduzido a mortalidade infantil, através de várias campanhas sanitárias e de nutrição, como a distribuição de ½ litro de leite diário a cada criança até 14 anos. Em 1971 o PIB havia crescido 8% contra uma média de 2.7% entre 1969 e 1970.

Os organismos internacionais reconheceram que Chile tinha apresentado o maior índice de crescimento nos últimos anos na América Latina, o que comprovava que a escassez de produtos de consumo era provocada artificialmente. Por um lado recrutavam quadros nas Forças Armadas, em continuação ao que haviam iniciado a 4 de novembro de 1970, conforme as instruções da ITT-CIA. Por outro lado, tratavam de desprestigiar ante a opinião pública os dirigentes políticos de esquerda.

Educação – No Chile, tal como no Brasil, o sistema de ensino foi transformado em negócio, negócio lucrativo, claro.

Durante o governo de Allende, Chile juntamente com Cuba, Peru e Panamá conformou uma frente de luta democrática e anti-imperialista
Bombardeio do Palácio de La Moneda, em 1973 (Imagem: Wikimedia Commons)

O Acordo de Cartagena (Pacto Andino), subscrito em 1969 por Colômbia, Equador, Peru, Chile e Bolívia, por inspiração da Cepal, conhecido como Grupo Andino, em dezembro de 1970 aprovou um regime comum para o capital estrangeiro e outro para a remessa de lucro. Os investimentos teriam de ter 51% de participação Nacional e os lucros a serem remetidos no limite de 14%.

Durante o governo de Allende, Chile juntamente com Cuba, Peru e Panamá conformou uma frente de luta democrática e anti-imperialista nos foros internacionais, com destacada atuação no Movimento dos Países não Alinhados. Lutava-se por um maior equilíbrio e justiça no intercâmbio comercial mundial.

A amizade chileno cubana foi evidenciada em 1971 durante visita de Fidel Castro ao Chile. De 10 de novembro a 4 de dezembro Fidel percorreu praticamente todo o território chileno, pronunciou mais de um discurso por dia além de entrevistas e coletivas com jornalistas.  Horrorizadas com o júbilo popular manifestado a direita organizou em Santiago o primeiro “panelazo”.

Os defensores do capitalismo selvagem, desesperados diante do desenvolvimento do programa da UP decidiram empreender o máximo esforço para conseguir o retorno ao controle dos centros de decisão. Para isso conformaram uma grande frente de direita integrada pela Democracia Cristã, o Partido Nacional, a Sociedade de Fomento Fabril (Sofofa), a Cia de Estudos Sociais Econômicos e Culturais (Codesec), a CIA, os agentes do capital estrangeiro e os grupos paramilitares fascistas. Tudo isso sob a coordenação do Instituto Privado de Investigaciones Económica y Sociales – IPIES – entidade congênere do IPES brasileiro. Recebiam recursos dos partidos Democrata Cristão da Alemanha e da Itália. Tal como fizeram no Brasil, organizaram as mulheres, promoveram marchas, os barulhentos “panelazos”.

Toda a ação da reação se desenvolveu, curiosamente, coincidente com os planos de subversão da ITT-CIA, denunciados pelo jornalista Jack Anderson, do Washington Post. O plano consistia em:

  1. Provocar a deterioração da situação econômica.

  2. Ação psicológica através dos meios de comunicação;

  3. Trabalho divisionista nas Forças Armadas.

  4. Preparação de grupos paramilitares.

O plano foi seguido a risca. Paralisou-se o investimento privado, desviando capitais para a especulação e o mercado negro. Foi sabotada a produção e se criou um desabastecimento artificial, mas real, para reforçar o “fantasma da fome por culpa dos comunistas”.

Agências de publicidade dos EUA e do Brasil, coordenadas pelo Council, tiveram papel importante para as ações psicossociais de desestabilização da sociedade chilena, preparando e distribuindo materiais e recursos, justificados como anúncios das grandes empresas. Destaca-se nesse mister a Mccann Erickson e sua subsidiária Marplan.

O conteúdo centrava na desqualificação do Estado como gestor da propriedade e exaltava a propriedade privada. Dinheiro da CIA financiava a veiculação de programas na Rádio Liberación, que era distribuído para as emissoras do interior. A USIA coadjuvava esse trabalho distribuindo material para os jornais, especialmente para o Canal 13, televisão da Universidade Católica.

A Sociedade Interamericana de Imprensa – SIP – interagia com os grandes jornais do continente garantindo cobertura “fiel” aos fatos. Durante a campanha de Allende, o presidente da SIP era nada menos que Agustin Edward, o chefe do clã dono do Mercúrio e, a partir de 1973, assumiu a direção outro chileno, Raul Silva Espejo, diretor do Mercúrio.

Leia também | Anatomia de um golpe I: A história do 11 de setembro no Chile, por Paulo Cannabrava Filho

Articulação golpista

O grupo fascista Patria y Libertad, foi formado já em 1970 tendo como uma das tarefas fundamentais recrutar oficiais das Forças Armadas e entre os Carabineros. Nessa tarefa teve grande importância o Centro de ex-cadetes, organizado pelo coronel Labbé, protagonista da rebelião de 1972 e o jornalista Federico Willoughby McDonald, assalariado da CIA. Esse Centro treinou, em 1972, 400 pessoas para ações terroristas urbanas. Willoughby, como prêmio, em 1973 ganhou o posto de assessor de imprensa de Pinochet. Patria y Libertad tinha um plano terrorista elaborado e financiado pela CIA através de Keith Wheelock, que ocupará o posto de secretário da Embaixada dos EUA em Santiago. Wheelock aparece como artífice de outros golpes de estado na página 540 do livro “Who’s Who em CIA”.

O chefe da Cia para o hemisfério ocidental era J.C. King e o diretor John Mccone. A Casa Branca autorizou a Cia a financiar a campanha na qual foram gastos 2.6 milhões e outros três milhões na campanha anti-Allende. Entre 1970 e 1973 a CIA recebeu em torno de 8 milhões de dólares. Muito dinheiro quando se lembra que no desvalorizado Chile isso valia uns 40 milhões de pesos. Com três mil dólares se comprava uma casa ou apartamento.

O envolvimento da embaixada e do pessoal estadunidense era ostensivo. Não eram poucos e estavam bem equipados para o que viesse. Segundo o New York Times, em 1973 eram 1100 homens. Até agosto de 1973, o embaixador era Edward Kerry que então foi substituído por Nathaniel Davis, com mais prática de ações desestabilizadoras, havia participado dos golpes na Guatemala. Faziam-lhe companhia na embaixada experientes agitadores com passado marcante: John W Iseminger, do serviço secreto do exército, com passagens por Bolívia e Guatemala, encarregado de informações; Daniel Arzal, também do serviço secreto do exército, com serviços prestados em Bogotá, Montevidéu e Phnom Penh, conselheiro político; Raymond Warren, da USAF e do Departamento de Estado, com serviços prestados em Caracas e Bogotá, como primeiro secretário; Frederick Latrash, do serviço secreto da Marinha, serviu no Departamento de Estado, com serviços prestados em Calcutá, Nova Deli, Amman, Cairo e Caracas, como primeiro secretário; John Tipton, do Departamento de Estado, com serviços prestados no México, Guatemala e La Paz, como segundo secretário.

O envolvimento dos EUA se dava também através dos contatos diretos entre os oficiais das forças armadas dos dois países. O general Prats admitiu que o golpe foi coordenado através da Missão Naval estadunidense em Valparaíso, e que a Marinha e a Aeronáutica chilenos operavam com os sistemas de comunicação dos EUA.

Em 1972 as associações de empresários já haviam consolidado a ofensiva contra o governo. A articulação se dava através do IPEI  que desempenhava no Chile as mesmas funções que o IPES no Brasil, integrado com o CRF e o Council.

A greve indefinida do transporte de carga com apoio escalonado do comércio e das associações profissionais. León Villarín, líder dos caminhoneiros em greve, apontado como agente da Cia, era filiado ao Iadesil – Instituto Americano para o Desenvolvimento do Sindicalismo Livre, com sede nos EUA. E ficou provado que a Cia financiou os caminhoneiros em greve. Mais de 100 sindicalistas foram enviados pela AIFL à Virgínia para fazerem cursos e receber treinamento e regressando ao Chile se engajavam como profissionais nas organizações dos trabalhadores.

O Iadesil se dedica a formar dirigentes sindicais em toda a América Latina para se oporem “a ameaça de infiltração castrista”. Na época o Iadesil recebia recursos do Fundo Kaplan, intermediário financeiro da Cia, da Usaid e das grandes empresas transnacionais, entre elas a ITT, Grace, Rockefeller, Shell, Standard Oil, United Fruit y Kennecott. Esta era proprietária das mais importantes minas de cobre no Chile. Depois de ser nacionalizada não cessou de criar problemas para o governo. Chegou a embargar um carregamento de cobre na Europa e bens do estado chileno nos EUA, causando sérios prejuízos. O cobre constituía 50% dos ingressos de divisas.

Ao mesmo tempo em que os partidos políticos de direita desenvolviam intenso proselitismo e obstruíam as iniciativas do governo, os jornais realizavam uma bem orquestrada campanha contra a “legitimidade” do governo. El Mercurio, dos mais tradicionais do Chile, chegou a afirmar que “o golpe inicial ocorreu antes: esta atitude violenta não seria mais que o contra golpe”. Através de editoriais o jornal dava instruções para os golpistas. O El Mercúrio, segundo os documento da ITT recebia orientação da Usis, o serviço de informações da embaixada dos EUA. Posteriormente, com a desclassificação dos documentos da Cia, em 1998, comprovou-se que o jornal recebia grandes quantidades de dólares e que o USIS “ajudava” nos editoriais e outros artigos de opinião.

No dia 11 de setembro ocorre o golpe. O Palácio de La Moneda foi bombardeado, o presidente Allende morre combatendo e se desata em Chile a mais brutal repressão de que se tem notícia em nossa América. Havia nessa época uns cinco mil brasileiros asilados no Chile e outros tantos Argentinos, Uruguaios, Bolivianos. Lotaram o Estádio Nacional de prisioneiros políticos. Oficiais brasileiros, acompanhados de agentes da CIA e da Dina, o serviço de inteligência chileno, participavam de interrogatórios e torturas a  brasileiros presos. O cantor e compositor chileno Victor Jara foi um dos barbaramente torturados e fuzilados no Estádio Nacional, assim como o tenente Vânio de Matos, combatente da VPR brasileira.

Ao citar a violenta repressão no Chile, não se pode deixar de mencionar o movimento de solidariedade desencadeado por todas as partes, particularmente no Peru de Velasco Alvarado e no Panamá de Omar Torrijos.

Na semana de 20 de setembro, a revista Time publica entrevista com o general Pinochet que anuncia que Chile restituirá a seus proprietários estadunidenses certas minas e indústrias expropriadas pelo governo de Allende. Uma semana mais tarde, o ministro de Relações Exteriores reiterou essa intenção anunciando a “possibilidade esta aberta” para renovar negociações sobre as compensações às companhias cupríferas dos EUA por suas minas nacionalizadas. Das palavras aos fatos. Todo o complexo da indústria petroquímica foi devolvida à Dow Chemical ao mesmo tempo que se devolviam mais de uma centena de indústrias do setor de propriedade social, fundamentalmente têxteis, eletrodomésticos, farmacêuticos, cerâmica, etc. Em novembro o governo começa a devolução aos antigos proprietários das fazendas inferiores a 40 hectares, devolvendo mais de 500 no primeiro mês.

Leia também | “Guerra contra o terror”: até onde o poder estadunidense atua para vingar 11 de setembro

The brazilian connection

Que a direita estava pronta para desencadear uma guerra civil nunca foi segredo no Chile. O próprio presidente Allende, bem como muitos jornais denunciavam isso diariamente. Não obstante, viu-se que só com denúncias não se detém uma guerra, uma invasão, uma agressão imperialista.

Roberto Thieme, secretário-geral de Patria y Libertad, depois de estar asilado na Argentina e no Paraguai, reapareceu em Santiago em julho de 1973 para anunciar que seu movimento passava à clandestinidade. Reafirmou a liderança do advogado Pablo Rodriguez, que havia formado a organização com dinheiro da Cia, e anunciou o início imediato das ações. Ações terroristas, evidentemente. Para isso deu ordens aos quadros para obedecerem estritamente o manual de clandestinidade. Os fatos comprovam que eles souberam preservar suas forças e que eram muitos.

Na Argentina, Thieme organizou um comando terrorista com fascistas chilenos contando com o apoio da organização fascista argentina Tacuara. Os fascistas chilenos também criaram na Argentina um Fundo da Liberdade, e atuaram associados ao movimento Nueva Fuerza, dirigido por Alvaro Alsogaray, ex-ministro de Juan Carlos Ongania, presidente de 1966 a 1970. Desse fundo também participaram o ex-presidente da Sociedad Nacional de Agricultura, Benjamín Matte e o ex-presidente da Sociedad de Fomento Fabril – Sofofa -, Orlando Sáenz, ambos chilenos de Patria y Libertad.

No México, o diário El Dia e a revista Siempre revelaram que a reação chilena dedicou muita atenção à organização de uma rede de apoio fora do país, integrada por grupos paramilitares. Coube papel importante nessa tática os grupos do Equador, para onde haviam emigrados uns 100 mil chilenos insatisfeitos. Seguem em ordem de importância os grupos fascistas criados na Argentina, Bolívia e também no Brasil.

Washington, jan. 7 (AP) – O matutino “The Washington Post” assevera que grupos privados brasileiros prepararam e deram apoio financeiro ao movimento de resistência civil que precipitou o golpe militar contra o regime do presidente chileno Salvador Allende. … Em nota intitulada “The Brazilian Connection”, diz que o engenheiro Glycon de Paiva, vinculado a um instituto dedicado a luta anticomunista, e Aristóteles Drummond, identificado como credor de um grupo paramilitar, “são dois dos brasileiros que admitem que ajudaram aos inimigos de Allende. Outros grupos privados e econômicos forneceram armas, dinheiro e assessoria política”…

A cronista Marlise Simmons diz que Glycon de Paiva manifestou que “depois que Allende chegou ao poder alguns empresários chilenos vieram pedir assessoria. Expliquei como deviam atuar os civis para preparar as condições para o golpe militar. A receita existe e se pode assar a torta quando se queira. Foi feito no Brasil e de novo no Chile.

O grupo foi identificado como sendo o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais IPES, “fundado em 1961 por Gilberto Hubes, um rico empresário brasileiro, junto com outros poderosos aliados, como centro de planificação da derrubada do governo brasileiro infiltrado pelos comunistas”. Isso é uma alusão aos regimes dos presidentes Jânio Quadros e João Goulart.

O “Post” diz que “de 1961 a 1964 o IPES organizou, financiou, coordenou e serviu de ponte entre empresários e as Forças Armadas brasileiras antes do golpe. Seu secretário executivo era o general Golbery do Couto e Silva. Outro de seus fundadores e figuras-chave foi Paiva que também assessora várias empresas estadunidenses e transnacionais” (de um telegrama da AP de 7 de janeiro de 1974).

Na entrevista, “Paiva reconhece ter recebido em seu escritório a dois chilenos aos quais descreveu as minúcias da conspiração brasileira. Com a frieza de um técnico, informou que “existe uma receita para isso. Basta misturar a massa, admitindo imediatamente que os ingredientes são muito caros, sendo necessário muito dinheiro. Com relação a esse ponto, a jornalista cita declarações de um fogoso emedebista carioca, conhecido pela multiplicidade de suas relações, Aristóteles Drummond, que teria servido de pombo-correio levando dinheiro para ações políticas.

“Com a elegância e a seriedade que o fizeram conhecido nos meios técnicos e políticos brasileiros, Glycon de Paiva reconheceu, em declarações a Maurício Dias, de Veja, a autenticidade da reportagem do “Post”, um dos mais respeitáveis e bem informados órgãos de imprensa do mundo”. …

“A singular indiscrição que ronda a Brazilian Connection alcança pontos ainda mais surpreendentes. O testemunho secreto dado pelo diretor da CIA, William Colby e seu principal assessor, Frederick Dixon Davis,  à Câmara de Representantes dos EUA, a 11 de outubro de 1974. Bombardeado por perguntas sobre a participação de indústrias brasileiras, ligadas a companhias multinacionais no golpe contra Allende, depois de algumas respostas evasivas, respondendo a uma pergunta do deputado Dante Fascel, Davis foi mais claro: há evidências de cooperação entre grupos de empresários do Brasil e de Chile. Não obstante, isso constitui apenas uma pequena proporção da ajuda financeira. A maior parte desse apoio financeiro foi conseguido internamente, no Chile”.

A conexão brasileira desempenhou importante papel na captação de recursos e na organização dos golpistas, e, claro, no “saber fazer”. Glycon de Paiva se gabava: “Vimos como ela funcionou no Brasil e agora novamente no Chile”.  Glycon de Paiva tinha como sócio em seus negócios o chileno Luiz Fuenzalida. Jack Wyant, dirigente do Council no Brasil, garantiu a contribuição dos associados brasileiros, estadunidenses e transnacionais sediados no Brasil. Os grupos paramilitares, apoiados pelo IPES, como o MAC de Faustino Porto e o GAP de Aristóteles Drummond, forneceram dinheiro, armas e treinamento para Patria y Libertad de Pablo Rodríguez.

Participação da CIA

O jornalista Tad Szulc, do New York Times, denunciou que um testemunho anterior a um subcomitê do Senado, o ex-diretor da Cia, Richard Helms, revelou que “a CIA tinha destinado 400 mil dólares para apoiar órgãos jornalísticos opositores a Allende”.

A Nacla – National Congress of Latin America – organismo especializado na investigação sobre ingerência dos EUA na América Latina, publicou artigo a 3 de outubro de 1974, em Nova York, em que revela a existência de “uma equipe de golpe de estado” da CIA no Chile, e cita os seguintes agentes:

O embaixador estadunidense em Santiago, Nathaniel Davis, integrou o Burô de Serviços Estratégicos (OSS), antecessor da Cia, ganhou prestígio como especialista anticomunista quando chefiou o Burô para Assuntos Soviéticos do Departamento de Estado no período álgido da guerra fria. Também desempenhou funções de direção nos Corpos de Paz, no Chile, durante o período imediato a eleição de Eduardo Frei em 1964, com o apoio da Cia. Operou na Guatemala, junto com Deane Hinton em 1968-69, durante a intensificação do chamado Programa de Pacificação, em que foram assassinadas 20 mil pessoas. Entre 1968-71 Davis foi um bom amigo dos comandantes da polícia e políticos  guatemaltecos quando chefiava a missão estadunidense. Hinton, por sua vez, em 1969 foi transferido da Guatemala para o Chile. Depois, em Washington, chefiou o Conselho de Política Econômica Internacional CPEI, organismo que teve a responsabilidade de afogar economicamente o governo da UP.

Frederick Latrash e Raymond A Warren, também agentes da CIA envolvidos no golpe contra Allende, atuaram antes na derrubada do governo Arbenz na Guatemala. Outro dessa mesma equipe, James E Anderson, participou na invasão de Santo Domingos em 1965. Também participaram Harry Shlaudeman, segundo chefe da missão estadunidense no Chile teve ativa participação na República Dominicana, na mesma época. Além desses integraram a equipe também Arnold M Isaacs, John B Tipton, Joseph F Mcmanus e Keith W Wheelock.

A Nacla ressalta que essa equipe, além de ter operado no Chile, participou nas ações na Guatemala em 1954, no Brasil em 1964, na Bolívia em 1971 e no Uruguai em 1973. Além desse pessoal especializado, os EUA ajudaram financeiramente o golpe diretamente através de sua embaixada em Santiago e por outros canais. Chile recebeu, em 1972, uma ajuda militar no valor de 7 milhões de dólares.

Por último, por uma inexplicável coincidência, quando se produz o golpe a 11 de setembro, estava apresente em águas territoriais chilenas uma frota da Marinha de Guerra dos EUA que participava da Operação Unitas… e, três dias depois de ter sido chamado a Washington o embaixador Davis, para prestar contas. Garcia Marquez diz que a intervenção militar começou a gestar-se desde finais de 1969 entre companheiros de armas de EUA e Chile.

Aviões estadunidenses participantes dessas “manobras” é que bombardearam com precisão o Palácio de La Moneda e que tentaram afundar um barco mercante cubano que descarregava em Valparaíso. O barco escapou do bombardeio graças a incrível perícia de seu comandante, o brasileiro Thales Godoy. Bastante avariado o barco foi conduzido à águas peruanas e pode ser reparado no porto de Callao para então seguir viagem. A história do almirante Thales Godoy, herói brasileiro e herói cubano, ainda não foi contada.

Participação das empresas

O golpe de 11 de setembro contra Salvador Allende no Chile, durante o governo de Nixon, tendo Kissinger como secretário de Estado, foi também uma decisão empresarial. Bob Woodward dá o nome de um dos protagonistas: Donald Kendall, dirigente do Council e amigo de Nixon, presidente executivo da PepsiCo tinha uma engarrafadora no Chile e não suportava a ideia do país ser socialista. Mobilizou o Council e seu amigo Richard Helms que estava de diretor da Cia. No mesmo dia Nixon chamou Helms, Kissinger, John Mitchell e Edward e ordenou acabar com a farra chilena.

O Council, fórum dos executivos das transnacionais com sede nos EUA, teve papel protagônico também no Brasil de 1964, mobilizando recursos e orientando de um lado as agências de publicidade e de outro os meios de comunicação.

René Dreifuss, en A Conquista do Estado, revela que segundo o ex-embaixador estadunidense Edward Kerry, a repetição das técnicas empregadas no Brasil dez anos antes, com efeito devastador encetada por empresários locais e estrangeiros pertencentes ao Council. Destaca-se a atuação de Gilbert Huber Jr, líder do IPES, sócio de Luis Fuenzalide, agente destacado na articulação da conspiração contra Allende.

Um relatório elaborado por John Plank, da Universidade de Connecticut para o Council em 1971, justifica as agressões promovidas pelos EUA nos anos 1950 com o argumento de que “se não tivessem ocorrido a América Central e o Caribe estriam sob o comunismo. Diz mais adiante que a lição de Cuba é que não se pode permitir a “sobrevivência de movimento insurrecional por insignificante que seja”. Agrega que a lição da ascensão marxista com Allende no Chile “é que as sociedades latino-americanas, por mais politicamente sofisticadas que pareçam, não merecem confiança como em jogo político livre. Se um Allende pode ser eleito no Chile, o que pode acontecer com países politicamente menos desenvolvidos?

O secretário de Estado William Rogers, em reunião com executivos da ITT, Ford, Anaconda, Ralston Purina, First National City Bank, Bank of America e outros, afirmou alto e bom som que “o governo de Nixon é um governo de empresas. A sua missão consiste em proteger negócios americanos”. Resultado, suspenderam os programas de ajuda, exceção da militar que subiu de 800 mil dólares em 1969 para 12 milhões em 1971. Cortaram os suprimentos de créditos dos bancos inclusive dos bancos multinacionais como BID e outros.

No Chile, nenhuma outra empresa ultrapassou o comportamento da ITT – International Telephone & Telegraph. Na época o executivo no Chile era Jack Neal, também diretor do Council, havia servido no Departamento de Estado. Criada em 1920, rapidamente, através de aquisições, situou-se, nas décadas de 1960 – 1970, entre os maiores conglomerados empresariais do mundo, com mais de 350 empresas, 150 das quais nos EUA e faturamento superior a 17 bilhões de dólares anuais. O conglomerado chegou a empregar mais de 380 mil trabalhadores em 70 diferentes países. A partir de 1995 dividiu-se em três companhias independentes: ITT Corporation, com foco em hotelaria e jogos, ITT Hartford, operadora de seguros, e ITT Industries, incorporando numerosas indústrias.

Para se ter uma ligeira ideia da amplitude da atuação da ITT enumeramos alguns dos campos de atuação que complementam a área de telefonia:

  • Imóveis – Levitt and Son.

  • Lâmpadas – Claude

  • Rádios – Oceanic

  • Freios para veículos – Alfred Pvef,

  • Limpadores de parabrisas – Sociedade Alemã SWF,

  • Televisores – Euroset,

  • Presunto – Smith Jeald,

  • Pão – ITT Continental Breakers,

  • Fibras sintéticas – ITT Rayniere,

  • Vidros – Pensilvânia Glass Sand Corporation,

  • Adubos e alimentos congelados – Morton Frozen Food,

  • Aluguel de autos – Avis Rent a Car,

  • Seguros – Harfer Fire Insurance,

  • Academia para secretárias – Pigier,

  • Editoras – Bobbs Merril,

  • Hoteis – Sheraton,

  • Restaurantes – Kinziespeak and Shoap House.

Esse verdadeiro monstro transnacional interferiu nos assuntos internos de quase todos os países do mundo. Colaborou com Hitler, durante o III Reich, ajudou o genocídio imperialista no Vietnam, e desempenhou papel decisivo para derrocar o presidente Allende, não sem antes ter ajudado significativamente a conspiração contra Goulart no Brasil.

A descrição das atividades da ITT no Chile está contida em um informe elaborado por altos executivos da empresa a seus superiores e que foi parar nas mãos do jornalista Jack Anderson que o publicou no Washington Post. O informe compreende 32 documentos que revelam como a ITT tentou impedir que Allende fora ratificado presidente pelo Congresso e, diante do fracasso dessa tentativa, como foi planejado o golpe que culminaria com o bombardeamento do palácio presidencial e a morte do presidente.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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