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ToggleEm declaração de firmeza incomum, o ministro presidente do STF, Dias Toffoli afirmou que “não é mais possível atitudes dúbias” da parte do chefe do executivo. No mesmo dia, a Ministra Damares anulou 295 anistias políticas de cabos da aeronáutica.
A decisão de cancelamento por parte do Ministério dos Direitos Humanos apoiou-se em decisão do mesmo STF que revolveu matéria fática para entender que a Portaria 1104 do então Ministério da Aeronáutica não teria motivação política a legitimar anistia, sendo necessária a prova de adicional de perseguição política pessoal. Como se não bastasse, ignorou a existência de prazo prescricional para o exercício do poder revisional por parte da administração.
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A concessão de anistia com fundamento na referida portaria passou a ocorrer com grande frequência a partir de extensa dilação probatória que levou a Comissão de Anistia a sumular o entendimento de que a vedação ao reengajamento de cabos da aeronáutica tinha motivação exclusivamente política, direcionada a dissipar um possível foco de resistência ao Golpe Militar.
Foto: Willian Meira/MMFDH
Ministra anunciou força-tarefa durante audiência na Câmara.
Reversão baseada em ilegalidade
A reversão das anistias de cabos da aeronáutica sempre foi uma questão de honra para os militares. Iniciou-se, de fato, a partir de expedientes absolutamente estranhos da Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, que, atropelando decisão do Ministro da Justiça, deu pareceres de que a concessão de anistia era manifestamente ilegal.
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Em que pese a AGU ter dito após isso que a consultoria não teria competência para praticar aquele ato, legitimou a conduta de insubordinação do órgão afirmando que seria de sua prerrogativa a manifestação quando entendesse haver alguma ilegalidade.
A recusa a cumprir um ato manifestamente ilegal por um servidor do Estado, mais que um Direito, é uma garantia para o império da lei e para o próprio Estado de Direito.
O que se espanta é que esta mesma garantia que foi assegurada à consultoria jurídica do Ministério da Defesa e ao final desembocou em uma decisão no mínimo heterodoxa de nossa corte suprema, ao ser negada de forma putativa aos cabos da aeronáutica em um Golpe de Estado, se considere natural e sem motivação política.
“Manda quem pode…”
Esta vacilação, em que o reconhecimento do direito depende de quem o exerce e não da norma que o assegura, finda por esvaziar a função de fortalecimento do respeito à lei como um valor civilizatório, promovendo em seu lugar a mensagem “manda quem pode, obedece quem tem juízo” tão nociva a um ambiente democrático.
Se a mensagem passada para a sociedade já é indesejável, quando dirigida à caserna, torna-se ameaçadora. A mensagem é clara: “não questione qualquer que seja a ordem superior, independentemente de ser ilegal ou não. Te pegamos na saída”. E, com esse valor organizacional sedimentado nas forças armadas, se garante além do “o cabo e o soldado” para arruinar a democracia, que não se oponha resistência útil contra o arbítrio.
Vê-se então que a permissão de desfazimento de atos jurídicos perfeitos mesmo após o prazo prescricional, sem qualquer comprovação de má-fé, legitimando arbitrariedades da Ditadura é uma conduta contrária à Constituição que se devia defender.
Quando somada à decisão ainda mais grave de legitimar a anistia de torturadores do regime militar, tece-se a conjuntura em que manifestações de firmeza em defesa de valores democráticos, além de se mostrarem necessárias, tem eficiência duvidosa para a defesa do Estado Constitucional.
Lá e cá….
Se olharmos para fora, buscando inspiração, uma longa tradição de respeito à lei e à Constituição independentemente da parte que requer o Direito, leva o Secretário de Defesa estadunidense a imediatamente contrariar o Presidente da República quando sugere usar o exército contra o seu povo, uma vez que lá o sentimento é o de que a legalidade vale mais que a autoridade. E, enquanto esse imbróglio já se resolve no âmbito do executivo, os ministros da corte suprema, todos eles, se ocupam em julgar conforme a lei.
Já aqui…
Victor Neiva é advogado e colaborador da Diálogos do Sul
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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