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Arábia Saudita: o silêncio branco e um coquetel de wahabismo e petróleo

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Nazanín Armanian*

O wahabita rei Abduláh é o responsável pelo radicalismo e terrorismo árabe, principal aliado de Obama O wahabita rei Abduláh é o responsável pelo radicalismo e terrorismo árabe, principal aliado de Obama

Arábia Saudita – Dizia Jack London que enquanto o silêncio da escuridão é protetor, o silêncio branco – a luz do dia -, é aterrador. E assim se movem os xeiques sauditas pelo mundo, sigilosamente, apoiados pela cumplicidade da imprensa “democrática”, do Ocidente, que com tal de não prejudicar a imagem de seu reino de terror, ao lado de quem as demais ditaduras da região parecem democracias puras, simplesmente ocultam o que ali ocorre.

Por exemplo: em maio passado, cinco iemenitas acusados de “sodomia” foram decapitados e crucificados pelo governo, enquanto que o ataque de alguns indivíduos a homossexuais na Rússia ocupou manchetes durante dias.

Contrato de armas, o aroma do petróleo barato, entre outros fatores, soem desativar a “moralidade” dos defensores dos direitos humanos, inclusive forçando-os, como ao próprio presidente dos EUA, Barack Obama, a realizar reverência até quase de joelhos diante do monarca saudita.

Arábia amplia seu poderia e sua zona de influência. Além de utilizar a armado petróleo está exportando em grande escala o wahabismo que de fato é takfiri: não so considera inimigos do islão aos não muçulmanos – mesmo sendo das religiões do Livro -, como acusa de “infiéis” à maioria dos denominados muçulmanos e lança a Yihad – em seu sentido de de guerra – , para guia-los pelo caminho reto. Utilizando o estímulo de “ganhar o botim neste mundo e o Céu no outro”, que foi utilizado pelos primeiros conquistadores árabes, fecham ouvidos à advertência do Corão (14:4) que afirma “Não mandamos a nenhum enviado que não fale na língua de seu povo, para que explique com clareza”. E assim “enviou” a Moises para os judeus, a Zaratustra para os persas e a Maomé para os árabes. Por que então Riad envia os wahabíes árabes a propagar receitas elaboradas por e para sociedades tribais da península arábica de que já em 14 séculos, ao Afeganistão, Chechênia ou a Europa?

Respaldados pelos petrodólares e a força militar dos EUA, os líderes sauditas não só afirmam ser representantes de Alá na Terra, como transferem sua agenda política a todo o mundo, provocando tensão e caos em terras alheias, derrubando governos não afins e reprimindo movimentos populares: Afeganistão, Iêmen, Chechênia, Bahrein, Iraque, Líbia, Egito e agora Síria.

Esta terra, que leva o mesmo nome da família que a governa como se fosse seu feudo particular, exibe em sua bandeira a imagem de uma arma, uma espada. Toda uma declaração de intenções de uns quantos príncipes que não duvidam em cortar a cabeça dos dissidentes políticos, assassinos, bruxos ou feiticeiros.

A teocracia octogenária saudita com uma visão profundamente irracional do mundo real, um medieval e particular  conceito de Estado, do poder e da segurança nacional, abusa do emprego da força e da arbitrariedade para impor sua vontade. Ignora o papel da sociedade na política e é incapaz de elaborar um projeto regional viável e acorde com os direitos das pessoas.

Obsessão pelo Irã

Arábia Saudita e Israel
Muitos se perguntam como uma Arábia muçulmana se une a Israel judeu e aos EUA cristão, para destruir os muçulmanos sírios

O  cenário atual do Oriente Próximo desmonta totalmente a pseudoteoria do “choque de civilizações” de Samuel Huntington, que não explicaria como uma Arábia muçulmana se une a Israel judeu e aos EUA cristão, para destruir os muçulmanos sírios ou como participou da destruição do Iraque, Líbia e Síria, três Estados árabes.

Arábia, tal qual Israel não perdoa os EUA por ter entregue o poder no Iraque aos xiitas pro iranianos. Os atentados que diariamente arrancam a vida de uma centena de civis iraquianos refletem esta batalha entre os três países para ver quem fica com os recursos do Iraque.

Riad, depois de conseguir que os meios de comunicação eliminassem o nome “pérsico” ao golfo que leva esse nome há 2.500 anos – utilizando termos como  “a guerra do Golfo” ou  “o Golfo arábico” (se Paquistão tivesse dinheiro colocaria seu nome no oceano Índico)-, a fim de reduzir o poder do Irã, estão enviando parte de seu petróleo através do Mar Vermelho, evadindo o Estreito de Ormuz. Tampouco pouparam esforças para chegar à minoria árabe iraniana – discriminada por Teerã  – que vive na província petrolífera de Kuzestão no Golfo Pérsico.

Arábia, que está perdendo na Síria mas que ganhou no Iêmen, Líbia e Egito, pode receber um duro golpe: quando a República islâmica chegue a um acordo com Washington para por fim a seu programa nuclear e retirar o apoio a Bashar al Assad, a troco de ter garantias de não ser atacado por Israel.

Os temores dos EUA

Aos três pilares da influência da Arábia nos EUA: o setor financeiro, o petróleo e a indústria militar, se unem as organizações como a Liga Muçulmana Mundial, o Conselho de Relações Americano-islâmicas, a Sociedade Islâmica de América do Norte, a Associação de Estudantes Muçulmanos, entre outras, cujos objetivos são debilitar o Islã moderado. Porém isso não preocupa a Casa Branca. Os investimentos sauditas ali alcançam os seis bilhões de dólares, sem contar o regresso do dinheiro da venda do petróleo as empresas de armas estadunidenses.

OTAN terrorista
A OTAN convidou a Arábia a integrar sua estrutura, agora só falta aos EUA reatar seus laços históricos com a Al Qaeda.

Ainda que o velho pacto de “entregar petróleo barato e seguro a troco de proteção militar” continue funcionando entre ambos, pode ser que estejamos diante do fim da convergência de seus interesses. A Casa Branca se preocupa com a situação interna de seu único aliado estável na região por:

  1. O aumento do peso da facção pãnarabista na Casa Saud, que considera os EUA, Israel e Irã como seus principais inimigos. Já conseguiram expulsar as tropas estadunidenses em 2003 da terra de Maomé. A notícia da existência de uma base secreta de aviões drones neste país, filtrada na imprensa dos EUA, e que mesmo tendo como objetivo intimidar o Irã, colocou Riad em uma situação difícil.
  2. O apoio de um setor da Casa Saud ao terrorismo anti estadunidense.
  3. Que o regime tenha se negado a desassociar o estado da família real e desvincular-se do wahabismo.
  4. Ignorar a urgência por realizar reformas políticas, como introduzir o sufrágio universal, criar partidos políticos e isso sim deixar de ser uma ditadura. A pobreza afeta a milhões de pessoas. Conseguir um empréstimo para comprar uma casa supõem estar uns quantos anos em lista de espera e o ambiente do terror asfixia qualquer tentativa de progresso,
  5. A incerteza sobre o resultado da lutar pela sucessão do enfermo rei Abduláh, de 89 anos, cujo herdeiro, o príncipe Salman, de 78 anos, também sobre de ataques próprios de sua idade. Estão na espera os 40 filhos homens do monarca.
  6. Uma oposição débil e fragmentada complica a situação. Também a falta de experiência do povo na hora de se mobilizar. Os dez fundadores do partido islamita Umma, que solicitaram sua legalização, foram detidos; exigiam o fim da monarquia absolutista. Ocorreu o mesmo com os dirigentes do partido comunista há alguns anos.

Fim da galinha dos ovos de ouro?

À marcha lenta no crescimento econômico de 5,1%, gerado pelos altos preços do ouro negro em 2012, acrescenta-se a diminuição da capacidade do país na produção do óleo. Além disso, a população cresceu dos 6 milhões de pessoas em 1970 para os 29 milhões de hoje, e com isso, a demanda de energia. Teme-se que em 2028 Arábia se converta em um importador de petróleo. Se até a atualidade Riad manteve  baixos os preços, tem sido com a finalidade de impedir, entre outros motivos, os investimentos públicos dos países consumidores de energias alternativas. Agora não terá outro caminho que o de incrementá-los.

Galinha dos Ovos de Ouro
A economia mono-produtora e um país submergido na corrupção onde falta até agua potável e luz corrente na capital coloca em cheque a galinha dos ovos de ouro.

É anedótico que enquanto Kadaffi convertia o deserto líbio em um vergel traçando um rio artificial de quatro mil quilômetros de comprimento, o regime saudita espoliava as terras férteis e as águas africanas – Egito, Senegal ou o Delta do Mali – para abastecer-se de alimentos.

Os xeiques se enfrentam a uma sociedade jovem, que começa a ser contestatária, que pretende por fim ao ser de “branco  negro”, elas, sobretudo, querem despojar-se do vestido de luto obrigatório e também deixar de ser consideradas menores de idade de forma vitalícia, precisando de um tutor homem para qualquer gestão.

Que os sauditas apesar de financiar o embuste do “diálogo de civilizações” – reunião de líderes religiosos para consolidar sua aliança em obstaculizar a laicização e o progresso de suas sociedades – e proibir qualquer atividade religiosa não wahabita, tenham conseguido do governo espanhol autorização para abertura de uma sucursal do Centro do rei Abduláh Bin Abdulaziz  para o Diálogo Interreligioso e Intercultural”, será que “não é nada pessoal É só negócio”, diria O Padrinho.

*Nazanín Armanian é iraniano, residente em Barcelona. Licenciada em Ciências Políticas. Colunista do diário on line Público.es


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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