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Busto de Aristófanes na Galeria Uffizi, Florença, Itália (Foto: Alexandre Maiatsky / Wikimedia Commons)

“A Paz”, de Aristófanes: uma metáfora da luta dos povos em tempos de guerra

Obra de Aristófanes conta a história do lavrador Trigeu que, cansado de tanta guerra, resolve subir ao Monte Olimpo para questionar os deuses sobre a Paz e a Guerra
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

Nos dias de hoje, temos guerras que se alastram por mais de trinta países, dentre elas o genocídio praticado pelos sionistas que já perfaz o extermínio de mais de 50 mil civis entre palestinos e libaneses: a guerra entre Rússia e Ucrânia ultrapassou 200 mil mortos. Por outro lado, o declínio do imperialismo americano faz com que nunca tenhamos estado tão próximos de uma guerra nuclear devastadora.

Por isso soa de enorme importância revisarmos o genial trabalho de Aristófanes e o caminho metafórico que, no teatro, o povo grego teria resgatado a paz.

No século 5 a.C., quando Aristófanes, sem dúvida o mais satírico e crítico teatrólogo grego, compôs e apresentou no Teatro Odeon de Atenas “A Paz”, há 17 anos estendia-se a guerra entre as “polys” gregas. Quase todas elas se uniam contra o imperialismo exercido por Atenas em todo o Peloponeso.

Ademais das desgraças trazidas pela própria guerra, Atenas era também acometida pela peste, pois Guerra, Peste, Fome e Destruição sempre caminharam juntas na história da humanidade!

Por outro lado, clima de absoluta liberdade criativa na Atenas democrática do século 5 a.C., transformara o teatro grego numa ferramenta para a produção da cidadania. A comédia dita “antiga” era crítica tanto da política quanto dos atores políticos e dos costumes. Nela, o cinismo da sátira se mescla ao próprio tom popularesco e nada do aspecto aristocrático das tragédias sobrevive! E Aristófanes, foi seu maior expoente!

“A paz” – comédia cínica e satírica

Mas vamos à “comédia” “A Paz”, exibida pela primeira vez em 421 a.C.

Ela conta a história do lavrador Trigeu que, cansado de tanta guerra resolve subir ao Monte Olimpo para questionar os deuses sobre a Paz e a Guerra.

“O certo é que sofro quando vocês, filhos, pedem pão, chamando-me de papai e não tenho em casa nem mesmo um níquel! Desde que um graveto crepitou timidamente e um tonel atingido chocou-se violentamente contra outro tonel, não houve mais quem pudesse deter o mal e a Paz desapareceu”.

Trigeu não é nenhum aristocrata, mas um camponês, e sua viagem é libertária! A humildade sobe ao Olimpo!

Para voar, até o Olimpo, Trigeu monta em um escaravelho gigante que se alimenta de merda, um dos pontos mais intrigantes e satíricos da peça. “Não faltará alimento para ele durante a viajem”.

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Chegando lá, encontra apenas o comilão deus Hermes, aquele que conduz as almas que morrem. Ademais, Hermes, o de sandálias aladas, é um Deus ladrão, herói da mentira e da malícia. Protetor dos viajantes, protetor dos ladrões! Por isto fora obrigado a permanecer no Olimpo.

Todos os outros deuses com raiva da ganância dos homens tinham resolvido abandoná-los com suas mazelas e subirem “mais aos céus” para “parar de observar os homens insanos”.

Onde está o Pai do Universo

Perguntas que um camponês faz ao único deus presente: “Onde estará o Pai do Universo? Por que ele permite a guerra? E onde estará a deusa protetora de minha cidade, Atena, a da sabedoria, das artes, da inteligência e da justiça?”

Afinal, quem mais poderia esconder a Paz? O deus está de guarda entrada de uma gruta! A gruta é protegida por enormes pedras e fortes barras.

E nesta está aprisionada A PAZ! Liberta e solta, A Guerra!

Trigeu pergunta ao deus: “QUEM ENCARCEROU A PAZ? ”

Hermes: “OS HOMENS! Nós, deuses, nada temos a ver com isso! ”

Trigeu percebe que não será nada fácil libertar a Paz e suas duas amigas, a Abundância e a deliciosa deusa Alegria, acompanhantes encerradas na mais profunda gruta!

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Assim, volta à terra e convoca todo o povo simples, todo aquele que possui sua vida atingida pela guerra. Consegue, num esforço hercúleo, convencer que todos o acompanhem num esforço heroico: irem até a gruta do Olimpo e libertar a Paz, trazendo-a de volta para a terra.

Nos campos atenienses, todos os voluntários são recebidos com grande festa pelos homens de paz e com profundo pesar com aqueles que lucravam com a guerra!

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Diz Trigeu:

“Marchem todos por aqui fogosamente, diretos para a liberdade! Ajudemo-nos uns aos outros, gregos de toda parte, agora ou nunca! Chega de campos de batalha! Chega de uniformes militares! Acabar de raiar o dia luminoso de que os traficantes de guerra não vão gostar! ”

E a marcha é vitoriosa quando o povo suborna o deus Hermes, de guarda no Olimpo e como, coletivamente, com grande esforço retiram as pedras e as grades. E a PAZ libertada com suas acompanhantes!

A Alegria é levada para ser desposada por cada Representante do Povo, o que significa no Aerópago!

E ao final, ela se casa com todo o povo, com todos… Com certas exceções!

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Exceções

As exceções são os senhores da guerra!

• Generais.

• Fazedores de lanças.

• Curtidores de escudos.

• Fazedores de couraças e de arcos.

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A eles Trigeu aconselha:

• Mudem de Profissão: Generais, que tal trabalharem um pouco?

• Fazedores de armas, precisamos de arados! As crianças, de brinquedos!

• Fazedores de arcos, produzam harpas. Precisamos de música!

“Em vez de semearem o ódio, o rancor e a morte, que tal dar vez à VIDA?”

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Já a Abundância, esta se casa com Tigreu e a terra volta a prosperar e a produzir o alimento e o vinho para a vida.

E viva A Paz, que traz a Abundância e Alegria consigo!!!!!!

Na vida real, após dois anos de estreia de “A Paz”, a Peste abandona Atenas e a guerra com Esparta arrefece temporariamente!

“Após o inverno, sempre a Natureza volta a florir, e chegam para nos acolher a primavera e o verão!”, insiste Trigeu.

Qualquer semelhança com a atualidade não é pura coincidência.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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