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Donald Trump e Benjamin Netanyahu (Foto: Flickr)

Arranha-céus, gás e petróleo: pós-destruição, EUA e Israel tramam a privatização de Gaza

Propostas reacionárias de limpeza étnica e ocupação encontram em Trump um instrumento para executar megaprojetos imobiliários e roubar os recursos energéticos de Gaza
Gustavo Veiga
Página 12
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

Sobre a terra árida de Gaza se espalha uma nova ameaça com poder mais coercitivo do que as bombas lançadas sobre ela. É a privatização da Palestina, já não sua partilha, mas sim sua dissolução definitiva como Estado-nação. Donald Trump a anunciou em 4 de fevereiro, sem se envergonhar. A seu lado estava o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. O presidente dos Estados Unidos tem planos para a Faixa de 360 km² com vista para o Mediterrâneo.

Magnata imobiliário, no fim das contas, Trump representa a ânsia por lucro que não reconhece soberanias, limites jurídicos, tratados internacionais e muito menos fronteiras. Ele já havia dado sinais de tramar algo semelhante no passado recente. Inclusive, não se pode atribuir a ele o copyright da iniciativa de forma exclusiva. Curtis Yarvin, um produto reacionário da blogosfera, ideólogo da extrema-direita próximo ao vice dos EUA, James Vance, já falava de uma proposta parecida. Consiste em esvaziar o território e expulsar seus habitantes. Um plano que ele compartilha com colonos judeus que ocupam ilegalmente uma grande porção da Cisjordânia.

A lógica rentista de Trump

Os mais de 60 mil palestinos assassinados, os danos causados à infraestrutura em Gaza, a demolição de 170 mil edifícios e o deslocamento de 95% de sua população – segundo dados das Nações Unidas –, muito provavelmente estimularam Trump e seus assessores a pensar que parte da tarefa já está feita. “Nós nos encarregaremos e seremos responsáveis por desmontar todas as perigosas bombas não explodidas e outras armas que estão no local, nivelar o terreno e nos livrar dos edifícios destruídos”, prometeu o presidente, como se estivesse em um colóquio sobre imóveis.

Estratégia de terra arrasada

Que Gaza se transformasse em um deserto foi possível porque o governo sionista de Netanyahu aplicou, no terreno, a estratégia de terra arrasada, tal como definiu o general israelense Gadi Eisenkot. É o uso “de uma força desproporcional” que não leva em conta danos civis e toma seu nome de um bairro de Beirute devastado pela força aérea de Tel Aviv durante o conflito no Líbano, em 2006. “Temo que a semelhança entre o plano do presidente Trump para Gaza e o meu contribua para a estranha fantasia de que estou dirigindo o mundo em segredo. Não, na realidade, não falei com ninguém importante sobre Gaza; e, de qualquer forma, é uma ideia óbvia”, explicou Yarvin.

Em 7 de fevereiro, em um detalhado informe da publicação digital Le Grand Continent, editado na França e intitulado Gaza Inc.: a influência oculta por trás do plano de Trump, descreve-se a lógica rentista do presidente dos EUA, baseada no desaparecimento da Faixa tal como a conhecíamos até agora: “Estamos falando de 360 km² de terra na costa mediterrânea, livres de qualquer título, demolidos e desmatados, com um custo de cerca de 10 bilhões de dólares. Este território se tornou a primeira cidade com estatuto especial (charter city) apoiada pela legitimidade estadunidense: Gaza, Inc. As siglas nas bolsas mundiais: GAZA”.

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O site que produz relatórios interdisciplinares para o Groupe d’études géopolitiques também aponta que, para Yarvin, “não há nada especialmente inovador ou perturbador em ‘privatizar’ Gaza e esvaziá-la dos palestinos. Ao contrário, seria simplesmente uma nova realidade à qual teríamos que começar a nos acostumar”.

Essas ideias supremacistas, trazidas por teóricos reacionários que veem em Trump um instrumento, propõem uma reformulação da questão palestina. Não importa o quanto se viole o direito internacional, as resoluções das Nações Unidas e a autodeterminação do massacrado povo de Gaza e da Cisjordânia. O que se busca é a rentabilidade capitalista pelos recursos que a Faixa esconde em sua plataforma submarina. Não é apenas no setor imobiliário que eles veem oportunidades. Em 2000, Yasser Arafat anunciou as primeiras descobertas de gás, que foram chamadas de Gaza Marine.

Os recursos perdidos por Gaza

Segundo a publicação espanhola Ecologistas em Ação, em sua revista de 1° de dezembro de 2023, “as Nações Unidas realizaram estimativas do que o povo palestino deixou de receber pelos recursos que Israel o impediu de desfrutar. Além do gás de Gaza, nos territórios ocupados da Cisjordânia há uma jazida de petróleo, Meged, que se estima conter reservas de cerca de 1,5 bilhão de barris. A preços atuais, seu valor supera os 120 bilhões de dólares. O campo é explorado por Israel há anos, sem nenhum tipo de compensação para a Palestina, contrariando a legislação internacional, já que 80% dele se situa em território palestino”.

O país, transformado em espólio a ser repartido sobre seus mortos por Estados Unidos, Israel e corporações como a Chevron, que já exploram seus recursos, já foi examinado por Jared Kushner, genro de Trump. Há um ano, em um ato na Universidade de Harvard, cometeu um sincericídio: “A frente marítima de Gaza poderia ser muito valiosa se as pessoas se concentrassem em criar meios de vida. A situação é um pouco lamentável, mas, do ponto de vista de Israel, eu faria todo o possível para retirar as pessoas e depois limpar o território. Além disso, construiria algo no Neguev e tentaria transferir as pessoas para lá. Creio que é uma opção melhor, para que possamos ir e terminar o trabalho”.

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A revista digital Le Grand Continent lembra que, em maio do ano passado, o governo de Netanyahu tornou público “um plano para a criação de uma ‘zona de livre comércio Gaza-Arish-Sderot’: um megaprojeto imobiliário no estilo NEOM, da Arábia Saudita – que o projeto também previa conectar por ferrovia – com o nome-código Gaza 2035. Cobrir o enclave com arranha-céus e transformá-lo em um centro tecnológico e energético, apoiado por plataformas de extração de petróleo em alto-mar”.

Contra todas as normas do decoro diplomático, Trump, vendo a si mesmo como um conquistador às vésperas de pisar na terra prometida, designou Steve Witkoff como seu encarregado especial para o Oriente Médio. O empresário multimilionário, que fez fortuna no setor imobiliário, é amigo do presidente e companheiro de golfe nos campos de Palm Beach, Flórida. Ele é o especialista que poderia pôr em prática o plano de realocação palestina, ao qual a comunidade internacional se opõe.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Gustavo Veiga

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