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Arte, PIB, Futebol: por que 1958 foi o ano em que tudo deu certo no Brasil

Dois anos após um golpe fracassado, o país abria-se para todo o mundo
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

Em fins de 1955, fora eleito democraticamente como Presidente da República o médico e político mineiro progressista Juscelino Kubitschek. Seu vice eleito era o político gaúcho João Goulart.

Golpistas de direita, com participação importante de setores das forças armadas e organizadas a partir do Clube Militar, tentaram impedir sua posse, mas foram derrotados por forças legalistas do Exército, sob o comando do Marechal Teixeira Lott.

E, sob enorme pressão, mas com o apoio da maioria do povo brasileiro, o novo Presidente assumiu o poder!

E chegamos ao ano de 1958, que foi sensacional para o Brasil!

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1958:

O P.I.B. crescia à taxa maior que 10% ao ano!

O Brasil se industrializava!

O Brasil ganhou a Copa do Mundo pela primeira vez! Surgia um mito mundial no futebol profissional: Pelé!

João Gilberto lançou “Chega de Saudade”, disco fundador da Bossa Nova. O Brasil assistia a “Rio Zona Norte”, primeiro filme de Nelson Pereira dos Santos, que inaugurou o Cinema Novo.

A revista Manchete apresentou lindas fotos das colunatas e fachada do Palácio da Alvorada, mostrando que Brasília, em construção, se tornaria mesmo realidade, e não mais uma lenda brasileira que não se confirmaria. A arquitetura de Niemeyer causava espanto e respeito internacional. (1)

Dois anos após um golpe fracassado, o país abria-se para todo o mundo

Museu do Futebol
Em 1958, nos tornávamos internacionais “players” pela primeira vez




Nosso “embaixador musical”

Também em 1958, a convite do presidente Juscelino Kubitschek, o artista Jorge Goulart foi o responsável por organizar uma caravana artística, com a finalidade de preparar a reaproximação com os mercados da então União Soviética, da China e do Oriente Médio.

O Brasil abria-se para todo o mundo!

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Acompanhado da esposa, a cantora Nora Ney, do maestro Paulo Moura e sua banda, o famoso Conjunto Farroupilha e até Dolores Duran, durante os dez anos seguintes, o nome do samba brasileiro tornou-se conhecido e respeitado tanto na Europa Oriental como na Ocidental, China e Oriente! Incluído no time, o cantor Nelson Gonçalves negou-se a cantar em país comunista”. Ele ficou por aqui, a fama foi por lá!

Antes do embarque da trupe, O Globo entrevistou Jorge, e ele disse: “não sou político e muito menos comunista”. Era apenas disfarce. Desde 1950, Jorge filiara-se ao Partido Comunista do Brasil e tornara-se amigo para toda a vida do dirigente Carlos Marighella (2).

O sucesso foi da turnê foi absoluto! Nos países socialistas gravam vários LPs., assim como na Bélgica, Áustria, França, Portugal e África.

Enfim, 1958 fez nascer um orgulho brasileiro que não existia antes!


Jorge Goulart

Jorge Goulart, neto do Visconde de Niterói, nasceu Jorge Neves Bastos, filho do então conhecido jornalista Iberê Bastos e de Arlete Neves Bastos, cantora. Nenhum parentesco com nosso então vice-presidente, o gaúcho João Belquior Goulart.

Desde criança, Jorge demonstrou interesse pela música, mas os pais queriam que fosse advogado. De qualquer forma, teve por anos lições de música clássica junto com a mãe, canto e piano. Estudou no Colégio Pedro II. Lá, aos 12 anos, testemunhou um de seus professores favoritos, José Oiticica, ser preso e espancado dentro da escola por policiais da ditadura de Getúlio Vargas. Desde este dia, o jovem tornou-se um revoltado e ingressou na política estudantil.

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Começou a cantar antes dos 18 anos, em circos e dancings. Através do pai, que escrevia sobre o mundo dos espetáculos, teve contato com os nomes em evidência. Em 1943 foi levado à Rádio Tupi. E adotou o pseudônimo Goulart, por sugestão da atriz Heloísa Helena, tirado de um fortificante, o “Elixir de Inhame Goulart”!

Em 1952, recebeu o então cobiçado título de “O Rei do Rádio”!

Como cantor fez seu maior sucesso na “Rádio Nacional” ao lançar marchinhas de carnaval que até hoje são cantaroladas pela população. Entre elas está o hit “Cabeleira do Zezé”, um pouco antes do Golpe de 1964.

Além disso, foi puxador das escolas de samba Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense e Unidos de Vila Isabel, durantes anos de desfile.

O primeiro intérprete do clássico “Meu Brasil Brasileiro” e de “A voz do Morro”, músicas de extrema atualidade em seu e mesmo em nosso momento político de resgate identitário cultural!


O Golpe de 64

Após o golpe militar no Brasil em 1964, a direita política assumiu o comando da Rádio Nacional e o cerco se fechou contra Jorge e outros artistas considerados “comunistas” pelos militares.  Discos seus e de outros músicos foram destruídos e as oportunidades de shows e gravações rarearam. Jorge e Nora decidiram, então, auto exilarem-se e iniciaram uma série de apresentações na Europa, na África e na Ásia. No entanto, antes da redemocratização retornaram ao Brasil.

Em 1980, esteve à frente, junto com Nora, do show em homenagem a Lupicínio Rodrigues, “Roteiro de um boêmio”, ainda realizado na Sala Funarte.

Em 1983, Jorge teve um câncer na laringe e extraiu as cordas vocais. Aprendeu a usar a voz esofagiana, mas não mais cantou. Nora, companheira quase toda a vida, também perdeu a voz após sofrer derrame cerebral em 1992, vindo a falecer em 2003.

Jorge, por seu lado, morreu em 17 de março de 2012, aos 86 anos, esquecido, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro.


Um repertório musical da nossa identidade e de inclusão social!

  1. Meu Brasil Brasileiro!

Brasil! / Meu Brasil brasileiro

Meu mulato inzoneiro/ Vou cantar-te nos meus versos

O Brasil, samba que dá/ Bamboleio, que faz gingar

O Brasil, do meu amor/Terra de Nosso Senhor…

Brasil, abre a cortina do passado/Tira a mãe preta do cerrado

Bota o rei congo no congado

Brasil! Prá mim! Pra mim, pra mim!

Deixa cantar de novo o trovador/A merencória luz da lua

Toda canção do meu amor/Quero ver a dona caminhando

Pelos salões arrastando/O seu vestido rendado

Brasil! Brasil!

Terra boa e gostosa/Da morena sestrosa

De olhar indiscreto

O Brasil, samba que dá/ Bamboleio que faz gingar

O Brasil, do meu amor/Terra de Nosso Senhor

Brasil!, Pra mim, pra mim, pra mim

Brasil, esse coqueiro que dá coco

Onde eu amarro a minha rede/Nas noites claras de luar

Brasil!, Pra mim, pra mim, pra mim.

Ah! e estas fontes murmurantes/ Aonde eu mato a minha sede

E onde a lua vem brincar

Ah! este Brasil lindo e trigueiro

É o meu Brasil brasileiro/Terra de samba e pandeiro

Brasil! Brasil!

Brasil! Brasil!


2. “A Voz do Morro”

Eu sou o samba

A voz do morro sou eu mesmo sim senhor

Quero mostrar ao mundo que tenho valor

Eu sou o rei do terreiro

Eu sou o samba

Sou natural daqui do Rio de Janeiro

Sou eu quem levo a alegria

Para milhões de corações brasileiros

Salve o samba, queremos samba

Quem está pedindo é a voz do povo de um país

Salve o samba, queremos samba

Essa melodia de um Brasil feliz.


1958, o ano em que tudo deu certo!

Foi desde então que o Brasil passou a ser reconhecido não pela miséria e pelo subdesenvolvimento, mas pelo talento do futebol, pela sofisticação da música, pela beleza da arquitetura. E pelo crescimento econômico de que éramos capazes!

Nos tornávamos internacionais “players” pela primeira vez.

Referências:
1. Agência Senado
2. M. Magalhães. Marighella. Companhia das Letras.
3. Aguiar, Ronaldo Conde (2013). «Jorge Goulart – eu sou o samba». Os Reis da Voz. Rio de Janeiro: Casa da Palavra.

Carlos Russo Junior | Colaborador da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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