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As trapaças de um promotor no Júri Nacional de Eleições no Peru

Há na conduta do representante do Ministério Público, um atentado contra a vontade popular e o processo eleitoral
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

O título deste comentário vem a propósito do representante do Ministério Público no Júri Nacional de Eleições ter ocorrido, ou lhe sopraram, a peregrina ideia de inibir-se de participar e votar nas sessões desse corpo colegiado para resolver as impugnações apeladas no processo eleitoral em curso. Ele disse que “declina irrevogavelmente” seguir intervindo neste processo. 

A pergunta que surge imediatamente é: de que norma jurídica tomou o promotor o termo “declinar”?

Vejamos as normas pertinentes ao exercício de seu cargo. 

A Constituição diz: “O poder do Estado emana do povo. Aqueles que o exercem o fazem com as limitações e as responsabilidades que a Constituição e as leis estabelecem” (art. 45º).

Isto quer dizer que os funcionários públicos, sem exceção, só podem agir no exercício de seus cargos cingindo-se estritamente à Constituição e às leis. Se não o fazem assim, seus atos são arbitrários e passíveis de sanção.

Há na conduta do representante do Ministério Público, um atentado contra a vontade popular e o processo eleitoral

TRT
Jorge Castillo e Keiko Fujimori

Lei Orgânica do Jurado Nacional de Eleições

A Lei Orgânica do Júri Nacional de Eleições Nº 26486, dispõe que “O cargo de membro do Jurado Nacional de Eleições é irrenunciável durante os processos eleitorais, do referendo e outras consultas populares”. (art. 16º). 

A mesma lei agrega (art. 18º): “São causas de vacância de membros do Pleno do Júri Nacional de Eleições as seguintes: 

a) Renúncia, sem prejuízo da limitação contida no Artigo 16º da presente Lei.
b) Morte.
c) Incapacidade física grave, temporária maior que doze meses ou permanente e incapacidade mental comprovada.
d) Impedimento sobreveniente.”

Os únicos impedimentos aceitos por essa lei são os que impedem de integrar o Júri Nacional de Eleições: ter menos de 45 anos e mais de 70; ser candidato a cargo de eleição popular; pertencer a uma organização política nos últimos 4 anos anteriores à sua eleição, ser dirigente dela ou haver sido candidato durante os último 4 anos anteriores à sua postulação; ser membro da força armada ou da polícia nacional (Lei 26486, art. 12º).

O representante do Ministério Público no Júri Nacional de Eleições não está incurso em nenhum dos casos de vacância e impedimentos indicados. 

E não há outras disposições a respeito.

Obrigações dos integrantes 

Conformado o Júri Nacional de Eleições, seus membros devem resolver obrigatoriamente os recursos que cheguem ao seu conhecimento.

Em tal sentido a Constituição prescreve: “O Plenário do Júri Nacional de Eleições aprecia os fatos com critério de consciência. Resolve com arranjo à lei e aos princípios gerais do direito. Em matérias eleitorais, de referendo ou de outro tipo e consultas populares, suas resoluções são ditadas em instância final, definitiva e não são revisáveis. Contra elas não procede qualquer recurso.” (art. 181º).

Em suas decisões estão obrigados a cingir-se às regras comuns a todas as entidades do Estado contidas na Lei de Procedimento Geral que diz:

“Artículo 112º.– Obrigatoriedade do voto.

112.1 Salvo disposição legal em contrário, os integrantes de órgãos colegiados assistentes à sessão e não impedidos legalmente de intervir, devem afirmar sua posição sobre a proposta em debate, estando proibido inibir-se de votar.

112.2 Quando a abstenção de voto seja facultada por lei, tal posição deverá ser fundamentada por escrito.” (TUO da Lei 27444).

Nenhuma lei lhes permite abster-se de votar. 

Portanto, o representante do Ministério Público no Júri Nacional de Eleições inventou uma causa para eximir-se de cumprir as obrigações de seu cargo, com o que incorreu, não apenas em uma falta administrativa, mas também no delito de abuso de autoridade:

Penalidades e tentativas de anulação

O funcionário público que, ilegalmente, omite, recusa ou retarda algum ato de seu cargo, será reprimido com pena privativa de liberdade não maior de dois anos e com trinta a sessenta dias-multa.” (Código Penal, art. 377º).

“O funcionário ou servidor público que, com dano do serviço, abandona seu cargo sem haver cessado legalmente no desempenho do mesmo, será reprimida com pena privativa de liberdade não maior de dois anos.” (Código Penal, art. 380º).

Comprovado este delito com a conduta ilegal, que deve figurar nas atas do Júri Nacional de Eleições, a instância pertinente do Ministério Público está obrigada a formular a acusação pertinente.

Além do mais, há na conduta do representante do Ministério Público, um atentado contra a vontade popular e o processo eleitoral em marcha que, evidentemente, forma parte de um plano para deixar sem efeito as eleições no segundo turno, depois de haver fracassado as tentativas da dinastia da corrupção e seus mentores para anular os votos do candidato do chapéu campesino e colocar-se como ganhadora.

Simplesmente odeiam o povo ao que exploram e não admitem que um trabalhador simples e limpo tenha podido ascender até a presidência da República.

Veremos se o Ministério Público reage neste caso com a premura costumeira ante delitos cometidos por pessoas do povo e sem recursos para se defender.

Quanta razão tinha o “Jilguero del Huascarán” quando em um de seus huaynos dizia: “Ao que rouba quatro reais a Justiça o estrangula, mas ao que rouba milhões a justiça só adula”.

Jorge Rendón Vásquez, Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

   

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Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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