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Imagens: PDVSA / Presidência da Venezuela

Ataque à soberania da Venezuela: é o petróleo, estúpido!

É preciso entender que aqueles que hoje questionam as eleições na Venezuela não estão lutando para defender a democracia ou a transparência, mas sim se apropriar de suas riquezas
Alicia Castro
Resumen LatinoAmericano
Quito

Tradução:

Ana Corbisier

Se não houvesse uma crise civilizatória que pôs valores e princípios de pernas para o ar — o mundo assistindo inerme a um genocídio filmado em tempo real, e o desaparecimento da face da terra do direito internacional — seria impossível compreender porque quase todo o Ocidente está reclamando em diversos tons de um governo soberano que demonstre com documentos de apoio que ganhou as eleições. Boric cobra de Maduro “as atas”, e no dia seguinte se fotografa complacente passeando com hierarcas da monarquia absolutista saudita; Alberto Fernández mostra a cabeça de algum lugar para “exortar” o governo da Venezuela a fazer o que a lei não lhe impõe; o delinquente Macri —que está solto por inoperância da Justiça— e o amalucado Milei, tentando fazer ouvir o rugido da motosserra em nível regional, cobram por escrito das Forças Armadas venezuelanas que deem um golpe de Estado contra o governo constitucional. Além de cometer um delito, fazem algo ridículo: ignoram a solidez e a profundidade do modelo de união cívico-militar encarnado na Venezuela, cujos comandos militares são leais ao lema de Bolívar: “Maldito o soldado que levante uma arma contra seu povo”. 

Vamos refletir. Algum país da América Latina pretende, por acaso, estabelecer condições para regulamentar em detalhe as eleições no Parlamento alemão ou para eleger o governo da Espanha, que determinará datas e modalidades de todo o processo eleitoral? Algum país de nosso continente exigiria ingerência no processo de eleições na França ou no Reino Unido, julgou sua oportunidade de formar governo ou formulou críticas e sanções aos incidentes eleitorais nos Estados Unidos? No entanto, estes países se arrogam competências de ingerência direta para tutelar as questões internas da política venezuelana. Considero isso inadmissível. A igualdade jurídica dos Estados é base da construção de um mundo multipolar de nações iguais e soberanas. A luta contra o colonialismo e sua tutela é um imperativo ético. Hoje, alguns dirigentes e muitos jornalistas decentes parecem confusos ou atemorizados, sem animar-se a ficar longe do que possa ser dito em série para demonizar a Venezuela, sob o escrutínio dos Cinco Olhos.

Confira nossa seção especial: Eleições na Venezuela

Os que não confiam nos resultados não só desconhecem a eficácia de seu sistema eleitoral; não conhecem a Venezuela. Para quem, como eu, teve o privilégio de viver de perto o processo da revolução bolivariana, fica evidente a vitória de Maduro, sucessor de Hugo Chávez, o grande líder que construiu, a partir dos alicerces de uma constituinte popular, um novo sujeito político por meio da democracia participativa e protagônica; que forjou a união da América Latina e do Caribe; que se propôs a criar um polo anti-imperialista em nível global. Chávez, antes de morrer, designou publicamente como sucessor seu chanceler Nicolás Maduro, com uma convicção plena e “redonda, como a lua cheia” e esse dictum persiste no coração de venezuelanas e venezuelanos que aprenderam a ler e a escrever nestes novos tempos, aderiram a uma atividade política e social com extraordinário dinamismo, tiveram pela primeira vez uma voz, um documento, um médico no bairro, e milhares de alegrias. Maduro completou há pouco tempo a entrega de cinco milhões de casas gratuitas, situadas estrategicamente em lugares onde antes só habitavam os ricos. Apesar das sanções econômicas dos Estados Unidos, que provocaram uma dolorosa e prolongada carência de insumos, medicamentos, alimentos, está conseguindo com esforço recompor a economia. Por que seria estranho e duvidoso, então, o resultado destas eleições? As respostas são de uma precariedade insultante. Uma crítica é a diáspora de venezuelanos no exterior — “Por que os garotos do Rappi são venezuelanos?” —. Quem está contabilizando os milhões de emigrados colombianos que estão trabalhando na Venezuela? Os milhões de mexicanos, de equatorianos, exilados no mundo? Há quase 6 milhões de italianos emigrados, por exemplo, e não ouvimos nenhuma crítica dirigida ao Estado italiano. As críticas à Venezuela são estimuladas e financiadas pelos Estados Unidos da América, aliado e provedor de armas para Israel, que no dia de hoje completou a matança de 39.363 palestinos desde 7 de outubro, em sua maioria crianças e mulheres. Mas não hesitam em chamar Maduro de “ditador”.

Venezuela, o Sul Global e os riscos para a democracia

Em meio a uma Terceira Guerra Mundial fragmentada, com uma nova ordem mundial em disputa cujo epicentro é o Sul Global, nossa tarefa é contribuir para a construção de um mundo pluripolar, expresso em blocos de pertencimento, como a UNASUL, a CELAC, e alianças como os BRICS com lideranças da Rússia e da China, que desafiam frontalmente a hegemonia e o controle dos recursos que os Estados Unidos pretendem exercer em nosso continente. Temos um imperativo amplo e muito sério: perceber os riscos que corre a democracia na América Latina e definir o grau de independência que queremos para nossa região.

Para evitar o desmoronamento de nossas democracias, é imprescindível assegurar que os presidentes surjam do voto popular expresso nas urnas. Os “democratas” que exigem do Conselho Eleitoral da Venezuela (CNE) demonstração de atas e votos em 48 horas, reconheceram em 2009 o autoproclamado Juan Guaidó como Presidente do país em menos de 24 horas, sem votos, sem atas, sem eleições. Agora dão crédito à oposição encarnada por Maria Corina Machado, que assevera que seu candidato, Edmundo González, ganhou por ampla maioria. Antes e depois fizeram o de sempre: adiantar que haveria fraude, desconhecer o resultado, gerar fatos de violência. Só quando ganharam —numerosos lugares na Assembleia Nacional, governos, prefeituras—, a oposição reconheceu o resultado das eleições, e a então presidenta do CNE, Tibisay Lucena, aquela mulher baixinha de enorme estatura moral, o transmitiria com serenidade ao Comandante Chávez e à população.

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Não me ocuparei aqui das “technicalities” para descrever a segurança e confiabilidade do sistema eleitoral venezuelano porque foram profusamente divulgadas. Esta farsa que durou três dias foi superada quando Nicolás Maduro apresentou um pedido ao Tribunal Supremo de Justiça para esclarecer as diferenças entre o chavismo e a oposição. Todos, oficialismo e oposição, deverão apresentar todas as atas, provas e denúncias, se houver. É preciso entender que aqueles que hoje questionam não estão lutando para defender a democracia ou a transparência; estão lutando pelos negócios e os recursos naturais. É o petróleo, estúpido!

Regime Change: a matriz líbia

É bem conhecido como as agências governamentais dos Estados Unidos orquestram etapas para atingir seus objetivos de troca de regime com mentiras, justificaram suas invasões militares no Iraque, a destruição da Líbia — e suas pretensões de ingerência direta na política latino-americana.

Quando fui embaixadora no Reino Unido, conheci o jornalista Julian Assange, criador do WikiLeaks, então com asilo diplomático na Embaixada do Equador, e estabelecemos uma relação de amizade e confiança; de vez em quando lhe perguntava se havia alguma revelação sobre a Argentina, sobre a Venezuela. Sempre me respondia que se houvesse, a teria publicado. Mas um dia, sobriamente, me indicou como resumo e chave um dos documentos filtrados por Edward Snowden que revelou a “Lista de Objetivos e Prioridades Estratégicas 2007 da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA)”. Ali há uma lista de seis países indicados como “objetivos permanentes”. São eles China, Coreia do Norte, Iraque, Irã, Rússia e um país da América Latina: Venezuela.

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No lugar em que se ordenam as tarefas e destino de respectivas missões de agentes de inteligência pode-se ler: “F – Missão: Venezuela: “Estabelecer responsáveis políticos para impedir que a Venezuela alcance uma liderança regional e aplique políticas que afetem negativamente os objetivos globais dos Estados Unidos. Evitar que cresça a influência e a liderança da Venezuela em áreas política, ideológica, energética” (Lista de missões estratégicas da NSA: objetivos permanentes). Está evidente que se trata do petróleo. E se alguém quisesse ignorar por completo as evidências e os riscos, os altos funcionários do governo dos Estados Unidos encarregam-se de esclarecer: querem mudar o governo eleito pelo voto popular, estão dispostos a intervir militarmente e, frankly speaking, o petróleo venezuelano fica mais perto para eles do que o do Oriente Médio.

Intervenções planejadas

As intervenções militares dos Estados Unidos são precedidas por uma série de ações: o planejado desgaste do governo — nenhum país está submetido a um linchamento midiático mais tenaz do que a Venezuela — impõem bloqueios para criar desabastecimento que provocam descontentamento social; sequestro de divisas; agitam atos de violência organizada; promovem a instalação de um governo paralelo. Em meio ao caos provocado, justificam a intervenção militar. Esta matriz — que foi utilizada na Líbia e incluiu o assassinato de Muammar al-Gaddafi — é a que tentam aplicar na Venezuela. Ninguém pode ignorar hoje que a Venezuela está sob assédio. Desde o golpe de Estado perpetrado contra Hugo Chávez em abril de 2002, não cessaram as tentativas de golpe, magnicídio, sabotagem, desabastecimento, ações de violência organizada ou “guarimbas”, como voltamos a ver nestes dias. 

Neste cenário de grande fragilidade, contribuir para erodir a Venezuela é irresponsável. É o passo que favorece um golpe. Maria Corina Machado mandou uma carta a Netanyahu pedindo sua intervenção na Venezuela, baseando-se na “responsabilidade de proteger” os direitos humanos. Justamente este é o argumento — novo para o direito internacional— introduzido pelos Estados Unidos para justificar a invasão da Libia (Debate nas Nações Unidas sobre a responsabilidade de proteger do embaixador Jorge Valero).

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É preciso dar inteligibilidade à política internacional, porque ainda quando não percebemos, dela dependerá nosso futuro. A Argentina deve ser guiada pelos princípios reitores de não intervencionismo nos assuntos internos de outro Estado, respeito pela livre determinação dos povos e igualdade jurídica dos Estados. A Argentina fez doutrina, a doutrina Calvo, a doutrina Drago, que devemos defender com orgulho.

Mídia e o poder desestabilizador

Somos conscientes do papel dos meios de comunicação, o “jornalismo de guerra” que pode alcançar limites desestabilizadores. Os meios de comunicação comerciais e as redes sociais, com seus exércitos de bots e trolls desempenham um papel central na demonização dos líderes e processos populares e na desestabilização da democracia. O próprio Elon Musk se pôs à frente da batalha da comunicação multiplicando mentiras pelo X e apelos ao golpe na Venezuela; não esconde sua agenda de apropriação dos bens naturais em nossa região. É incongruente que aqueles que denunciam a permanente manipulação e pressão dos meios concentrados, ao mesmo tempo, respondam automática ou demagogicamente à linha que estes mesmos criam.

Às vezes a posição de dignidade é profundamente solitária; as e os dirigentes sociais e políticos do campo popular têm que mostrar coragem para construir outro sentido, uma opinião própria a partir de outro lugar, um útopos, outro caminho possível.

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Na década passada, entendemos que é preciso retomar o legado de nossos libertadores, a Pátria Grande que sonharam San Martín e Bolívar, e que a união é a chave para conquistar soberania política, independência econômica, justiça social. Derrotamos a ALCA em nossa terra, e os povos da América celebramos com imensa alegria este triunfo que Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Lula da Silva protagonizaram como os “três mosqueteiros”, assestando com coragem e decisão uma vitória estratégica no imperialismo.

É a memória a recuperar. É o respeito à verdade. É a tenaz vigência de nossos sonhos, que não se rendem, “até que tudo seja como sonhamos”. Venceremos.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Alicia Castro

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