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Casa destruída após ataques da Ucrânia na cidade de Sudzha, na região de Kursk (Foto: Sputnik)

Ataques da Ucrânia contra Kursk visam atrasar avanço russo sobre Donetsk, apontam especialistas

"A operação vai terminar com a derrota do inimigo", afirma a Rússia, que se planeja para retomar a fronteira na região de Kursk, agora sob controle da Ucrânia
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Pelo segundo dia consecutivo, continuaram nesta quarta-feira (7) os combates na região russa de Kursk, na fronteira com a Ucrânia, desde que cerca de mil soldados ucranianos, apoiados por fogo de artilharia e mísseis, assim como um número não determinado de tanques e veículos blindados, conseguiram avançar cerca de 10 quilômetros no território russo, tomando de surpresa os guardas de fronteira russos e se aproximando ou entrando em Nikolayevo-Darino, Darino, Sverdlikovo, Oleshnia, Tolsty Lug, Nizhny Klin e Sudzha, entre outras localidades.

É o que se depreende, em síntese, do que foi dito pelas autoridades russas e dos reportes dos chamados blogueiros-Z (russos que se identificam com a última letra do alfabeto latino como distintivo de apoio à “operação militar especial” na Ucrânia), que cobrem as hostilidades diariamente e de maneira extraoficial, muitos deles com fontes militares e de distintas agências de segurança da Rússia.

Rússia: “Operação vai terminar com a derrota da Ucrânia”

O presidente Vladimir Putin reconheceu a necessidade de evacuar a população dessa parte da região de Kursk, em vista da “provocação em grande escala” realizada pela Ucrânia.

“Como é sabido, o regime de Kiev empreendeu uma nova provocação em grande escala. Efetua bombardeios indiscriminados com diferentes tipos de armas, incluindo mísseis, contra instalações civis, prédios residenciais e ambulâncias”, afirmou Putin ao iniciar uma reunião do governo russo, transmitida pela televisão local, e encarregou o vice-primeiro-ministro, Denis Manturov, e o governador de Kursk, Aleksei Mironov, de coordenar imediatamente toda a ajuda necessária aos habitantes afetados pela incursão vinda da Ucrânia.

Depois, o mandatário russo realizou uma reunião a portas fechadas com os ministros da Defesa, Andrei Belousov, do Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo, responsável pelas tropas de guarda de fronteira), Aleksandr Bortnikov, do Conselho de Segurança da Rússia, Serguei Shoigu, e por videoconferência com o chefe do Estado-Maior do exército e principal responsável pela campanha na Ucrânia, general Valeri Guerasimov.

No relatório apresentado por Guerasimov, de acordo com a parte pública divulgada pelo Kremlin, o general confirmou que “no dia 6 de agosto, às cinco e meia da manhã, unidades do exército da Ucrânia, cerca de mil soldados, iniciaram uma ofensiva com o propósito de se apoderar de uma parte do distrito de Sudzha na região de Kursk”.

Segundo Guerasimov, o exército e as tropas de guarda de fronteira “conseguiram deter o avanço do inimigo” em direção ao interior de Kursk e, agora, “continuam aniquilando os invasores nos distritos adjacentes à fronteira russo-ucraniana”.

 O chefe do Estado-Maior russo calculou as baixas da Ucrânia em 100 mortos e 215 feridos, assim como 54 veículos blindados, entre eles 7 tanques, e afirmou: “A operação vai terminar com a derrota do inimigo e a recuperação de nossa fronteira”.

Notícias independentes e análises sobre Kursk

Enquanto o comando ucraniano optou por manter silêncio sobre o que seria a primeira incursão de suas forças militares em território russo, o relato inicial do Ministério da Defesa russo (na terça-feira) falava sobre a expulsão das tropas inimigas. Porém, notícias difundidas nas redes sociais (nesta quarta-feira) pelos blogueiros-Z iam em outro sentido.

Rybar, canal do Telegram próximo a um grupo de especialistas do Ministério da Defesa, publicou que as forças ucranianas tomaram o controle da estação de medição de gás Sudzha, que é usada para o trânsito do combustível azul para a Europa através da Ucrânia, e entraram em cinco localidades de Kursk. O “Mundo hoje”, de Yuri Podolyaka, que afirma reportar do local dos acontecimentos, deu a entender que Sudzha está praticamente cercada, “considerando que as reservas do inimigo estão perto; e as nossas, longe”.

Semion Pegov, autor do canal WarGonzo, advertiu que “não se trata de uma incursão para tirar uma foto e se retirar. Desta vez há um combate real. O inimigo se preparou de verdade e é preciso ter em mente que Sudzha não é o único objetivo desse tipo de ataques”. O cientista político oficialista Serguei Markov escreveu nas redes sociais que “em perspectiva, não devemos descartar um ataque contra a cidade de Kurchatov, onde se encontra a usina nuclear de Kursk, situada a menos de 50 quilômetros da fronteira”.

Não está claro qual é, de fato, o objetivo dessa incursão em território russo, que, diferentemente das anteriores, sobretudo na região de Belgorod, sempre eram reivindicadas por grupos paramilitares de voluntários russos contrários ao Kremlin e, desta vez, a Rússia atribui diretamente ao exército ucraniano.

De todas as versões que circulam — mostrar que o território russo é vulnerável a ataques de infantaria; utilizar várias das 14 brigadas que Kiev estava formando como tropas de reserva; permanecer em uma ou várias localidades de Kursk o máximo de tempo possível; avançar em direção à usina nuclear da cidade de Kurchatov, para mencionar apenas quatro possíveis teorias —, analistas militares se inclinam pela que parece mais sensata de todas: que este ataque a uma das áreas menos fortificadas do território da Rússia adjacente à Ucrânia, e diante da falta de tropas de reserva por perto, poderia ser uma manobra de Kiev para atrair forças russas do front, diante de seu avanço lento, mas constante, na região de Donetsk, nas proximidades de Chasiv Yar, Toretsk e Pokrovsk.

Moscou, cabe lembrar, vem tentando há semanas romper essa linha de defesa ucraniana e, se conseguir, impedir a chegada de tropas de reforço e cortar os suprimentos ao exército inimigo, o que facilitaria a aproximação da próxima linha de defesa da Ucrânia mais ao norte, que protege as cidades-chave de Kramatorsk e Sloviansk, ainda dentro dos limites administrativos da região de Donetsk.

Troca de prisioneiros

Em 2 de julho, o Kremlin justificou a recepção com honras de Estado, tapete vermelho e guarda de honra, que o presidente Vladimir Putin deu ao pé da escada do avião aos oito russos que obtiveram a liberdade mediante a maior troca de prisioneiros desde os tempos da guerra fria, efetuada no último dia 1 entre a Rússia e o ocidente – os Estados Unidos e seus aliados.

“É algo muito importante; uma homenagem àquelas pessoas que servem ao seu país e que, após provas extremamente difíceis, graças ao árduo trabalho de muitas pessoas, puderam regressar à pátria”, opinou o porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov, em sua habitual entrevista coletiva.

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O porta-voz revelou que Vadim Krasikov, condenado à prisão perpétua na Alemanha por assassinar em um parque de Berlim a Zelimjan Jangoshvili, ex-comandante de um grupo separatista checheno, “é agente do FSB (Serviço Federal de Segurança) e antes foi integrante do grupo de elite Alfa (do organismo sucessor do KGB soviético), etapa em que coincidiu com vários dos guarda-costas do presidente. Evidentemente, eles lhe deram as boas-vindas na noite passada (02/08)”.

O próprio Putin abraçou Krasikov assim que ele desceu do avião e, na entrevista que concedeu em fevereiro passado ao estadunidense Tucker Carlson, referiu-se a ele como “patriota que cumpriu seu dever ao executar um sanguinário criminoso”. A entrega de Krasikov, qualificada como uma “decisão nada fácil” pelo chanceler federal Olaf Scholz, provocou reações contraditórias na Alemanha.

Agentes encobertos

Peskov admitiu que no grupo de trocados havia “agentes encobertos” como Anna e Artiom Dultsev, que viviam na Eslovênia como María Rosa Mayer Muñoz e Ludwig Gisch, respectivamente, “argentinos” de origem alemã. Detidos em dezembro de 2022, alugavam um local em Liubliana e se dedicavam à venda de imóveis e antiguidades. Um dia antes da troca, após confessarem ser espiões, uma corte eslovena os condenou a um ano e sete meses de prisão.

O porta-voz de Putin disse que eles foram incluídos na troca “ante o risco de perderem a guarda dos filhos se permanecessem lá” e que seus dois filhos menores souberam que seus pais eram na verdade russos ao embarcarem no avião e, como não falam o idioma, o Presidente “os saudou em espanhol, dizendo-lhes: ‘buenas noches'”.

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Segundo Peskov, outro entre os que regressaram, sem dizer seu nome, era “agente da direção de inteligência militar (GRU, na sigla em russo). Na imprensa internacional, desde que foi detido na Noruega por realizar atividades de espionagem”, circula a versão de que se trata de Mikhail Mikushin, acadêmico da Universidade de Tromsø, que se apresentava como brasileiro sob o nome de José Assis Giammaria.

O Kremlin não quis explicar por que motivo foi incluído no grupo o jornalista espanhol Pablo González (Pavel Rubtsov, segundo seu passaporte russo), que estava detido na Polônia por suposta espionagem a favor da Rússia, embora não tenham apresentado acusações contra ele nos dois anos e cinco meses que esteve preso. “O motivo de sua inclusão e outros detalhes não podem ser objeto de discussão pública”, respondeu Peskov à agência espanhola EFE.

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O governo polonês afirmou ainda em 2 de julho que libertou González, ao qual chamou de “espião com dupla nacionalidade”, e arquivou a investigação aberta contra ele porque a Polônia é um membro leal da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), um aliado leal dos Estados Unidos, de acordo com a agência polonesa PAP.

ONU celebra libertações

Entretanto, um grupo de especialistas em direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu em Genebra um comunicado no qual expressa sua satisfação pela “libertação de 16 presos políticos na Rússia” como resultado da recente troca e, ao mesmo tempo, denunciam que “ainda ficam outras 1.372 pessoas em reclusão por expressarem suas opiniões políticas e se oporem à guerra na Ucrânia”.

As signatárias do comunicado – entre outros, a búlgara Mariana Katzarova, relatora especial das Nações Unidas para a Federação Russa, e a irlandesa Mary Lawlor, relatora especial das Nações Unidas para os defensores dos direitos humanos – instam o Kremlin a libertá-los.

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“É crucial modificar as leis penais e impedir seu uso indevido para silenciar a dissidência e perseguir figuras da oposição, defensores de direitos humanos e jornalistas que informam de forma veraz sobre a guerra contra a Ucrânia e são críticos ao governo russo”, apontam.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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