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Atentado contra Trump: mártir ou estratégia política?

Após o atentado contra Trump, o candidato passou a usar tom religioso de suas comunicações: "foi Deus que evitou que ocorresse o pior”… Imagem do comício se tornou icônica do heróico líder capaz de “fazer a América grande outra vez”
David Brooks, Jim Cason
Diálogos do Sul Global
Washington

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Donald Trump chegou como um herói conquistador a Milwaukee, em Wisconsin neste domingo (14)z, um quase mártir (agradecendo a Deus por salvá-lo). O aparente atentado contra Trump está sendo usado perfeitamente para consolidar sua imagem de vítima e vingador em nome do povo para “salvar a América”.

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Com isso, uma das consignas centrais de sua campanha eleitoral – “Afinal, [eles] não vêm por mim. Vêm por vocês. Eu só estou evitando isso” – batiza seu movimento a partir da aparente tentativa de assassinato no sábado (13) em um comício na Pensilvânia.

“Nunca se render”, repetem suas mensagens de propaganda, com a foto icônica de quando levanta o punho ao levantar-se da aparente tentativa de assassiná-lo. Anunciou que, embora pensasse não chegar a Milwaukee até a quarta-feira, decidiu fazê-lo esta tarde para mostrar que não permitirá que um “assassino potencial” determine a agenda.

A resposta de Trump e o tom religioso de suas mensagens

Talvez ainda mais notável foi o tom religioso de suas comunicações, declarando em uma mensagem neste domingo que “só foi Deus que evitou que ocorresse o pior”, apelou para a unidade estadunidense e manter a fé, prometendo que ele e sua convenção serão “desafiantes ante a cara da malícia”.

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A imagem tomada por Evan Vucci, fotógrafo da agência AP, se tornou instantaneamente icônica, sobretudo para o movimento de Trump, captando o magnata levantando-se com a cara ensanguentada rodeado de agentes do Serviço Secreto, com uma bandeira estadunidense ondeando debaixo de um céu despejado e seu punho em alto não poderia ser mais perfeita para sua campanha. O heroico ídolo disposto a arriscar sua vida por seus seguidores para “fazer a América grande outra vez”.

E agora Trump chega a Milwaukee para presidir a Convenção Nacional Republicana que começa nesta segunda (15) e onde foi formalmente coroado candidato presidencial ante um Partido Republicano onde antes era a figura mais poderosa, mas que agora, com sua façanha, chega como rei.

A reação de Joe Biden e dos democratas ao atentado contra Trump

Para Joe Biden e os democratas, todo este episódio os coloca em uma corda bamba, onde têm que expressar primeiro suas “orações” e bons desejos, condenar a violência, e convocar à unidade patriótica ante o ocorrido, enquanto buscam como regressar ao ataque contra um ex-presidente que joga com destruir o processo democrático, inclusive com violência se for preciso.

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Biden hoje, em seu papel de mandatário – consolador – pretende por ora que não é candidato, mas líder nacional. Convocou o país à unidade e a rechaçar a violência e o ódio, informou que teve uma breve “mas boa” conversação telefônica com seu opositor.

Em uma primeira mensagem e mais tarde, em outra transmitida por televisão ao vivo à nação – que também lhe serviu como outro evento para mostrar sua capacidade como líder e tentando superar os danos de sua debacle no debate com Trump há duas semanas – reiterou sua mensagem de unidade.

Sublinhou que “não há lugar nos Estados Unidos para este tipo de violência” e que “uma tentativa de assassinato é contrário a tudo que representamos como nação… não é o que somos como nação”. Insistiu que “nada é mais importante que a unidade agora mesmo”.

Pediu “baixar a temperatura” do concurso eleitoral – “não somos inimigos”. Denunciou a violência política contra figuras políticas e que não se pode proceder por esta via.

A resposta política ao atentado contra Trump

Politicamente, as imagens do momento são de um presidente e candidato democrata já debilitado pelas dúvidas de seus colegas e do eleitorado sobre sua condição física e mental, ao lado de um autoproclamado herói que sobreviveu a um atentado levantando seu punho e gritando “lutem” (segundo a versão de sua campanha, porque outros dizem que só estava dizendo “esperem”).

No entanto, não fica claro que os disparos no comício de Trump e sua ferida na orelha tenham um grande efeito em mudar as tendências eleitorais, nem que o incidente permita que Trump consiga maior apoio além de suas próprias bases. Até agora, os analistas só se atrevem a dizer que talvez ele consiga mobilizar mais seus simpatizantes marginais – ou seja, os que costumam não participar tão ativamente.

Mas o incidente, se for confirmado que foi uma tentativa de assassinato, seria o primeiro atentado contra um presidente desde março de 1981 contra Ronald Reagan. Quase toda a cúpula política, figuras públicas e meios se pronunciaram contra a violência política. Os editoriais do New York Times e do Washington Post advertiram sobre as implicações da violência política e como nunca pode ser tolerada, insistindo que é “antitética” ao seu país (algo que historiadores poderiam debater).

Com as balas disparadas na Pensilvânia que feriram o ex-mandatário e mataram um bombeiro, se obscurece ainda mais um panorama político já ominoso pela constante ameaça de violência, grande parte dela impulsada pelo hoje vítima dessa violência, em que se fala abertamente da possibilidade de uma “guerra civil” se o republicano criminoso convicto e quem antes promoveu um golpe de Estado depois da última eleição não ganhar em novembro.

País polarizado e candidatos rejeitados

Vale assinalar que Trump nem os líderes de seu partido se comprometem a respeitar os resultados da eleição se não lhe forem favoráveis. De fato, durante as últimas 24 horas, vários legisladores e assessores republicanos se dedicaram, ainda quando não há muitos detalhes sobre o incidente, a sustentar que tudo foi culpa dos democratas.

Como lhes há ensinado o maestro de seu partido, esses republicanos buscaram reverter o roteiro dos democratas sobre a promoção da violência política de seus adversários, e agora culpam a Biden e os demais por “semear” a possível violência por sua retórica sobre como a direita está ameaçando a democracia.

Mais ainda, continuam espalhando todo tipo de especulações sobre o incidente nas redes sociais, sobretudo por direitistas que creem que tudo foi coreografado e até que Biden de alguma maneira estava diretamente envolvido, e por suposição, o “estado profundo”.

Os meios repetem que este é um país “polarizado”, e que isso nutre o clima violento. Mas essa generalização não necessariamente é certa em todos os rubros, e diante disso talvez o mais notável seja que há um consenso da maioria neste país: a desaprovação de ambos os candidatos.

Mais ainda, em uma nova pesquisa do Pew Research Center, uma maioria – ou seja, não dividida – diz estar envergonhada de Biden e Trump como candidatos.

O FBI determinou que o incidente foi uma tentativa de assassinato, e agora está procedendo como se fosse um ato potencial de “terrorismo doméstico”.

Sabe-se que o suspeito, identificado como Thomas Matthew Crooks, de 20 anos de idade, de Bethel Park, Pensilvânia, morreu ao ser baleado pelo Serviço Secreto, reportou a AP. Ainda não se identificou algum motivo do atentado.

Reporta-se que o atirador está registrado como republicano, que não tem histórico criminal, e que cresceu em um subúrbio de Pittsburgh majoritariamente branco e de classe média alta. Alguns de seus colegas na escola preparatória que cursou pintaram uma imagem de um jovem cada vez mais isolado.

Milwaukee, porto com história socialista

O centro de Milwaukee, porto industrial e cervejeiro, se converteu em uma fortaleza de Donald Trump e os milhares de militantes que chegaram à Convenção Republicana para coroar seu candidato, mas estão rodeados de fantasmas socialistas e suas novas expressões contemporâneas em um estado que será clave em determinar o futuro político de Estados Unidos.

Entre 1910 e 1960, Milwaukee elegeu três prefeitos socialistas e vários socialistas em outros postos municipais. Um ocupou o posto entre 1916 e 1940. Outro desde 1948 a 1960.  m 1910, Milwaukee elegeu a Víctor Berger, imigrante austríaco e cofundador con Eugene Debs do Partido Socialista de Estados Unidos, como o primeiro legislador federal socialista em Washington -foi reeleito quatro vezes mais. Entre suas iniciativas, Berger promoveu resoluções para retirar tropas estadunidenses da fronteira com o México. 

Esta cidade sofreu a desindustrialização selvagem que se acelerou nos anos 70 em toda essa região, perdendo população e com um incremento da pobreza (27 por cento de sua população era pobre em 2020, e agora também é uma das urbes mais racialmente segregadas). Com o surgimento do senador socialista democrático Bernie Sanders e seu movimento, se reporta que há um surgimento de algumas correntes progressista do passado.

Hoje se realizou uma marcha de protesto de centenas de ativistas em repúdio ao que representa Trump e seu movimento de “Make America Great Again” ou MAGA por una coalisão de agrupamentos e a favor de direitos de imigrantes, mulheres e paz. O deputado Omar Flores declarou diante de umas mil pessoas a umas quadras da arena onde se realiza a convenção republicana que isto é para expressar que “não são bem-vindos a nossa cidade e onde se apresentem vamos estar para mostrar a oposição às suas ideias”. É o único evento formal de protesto programado para esta semana, embora não faltem expressões de oposições ou pinturas contra MAGA e por Black Lives Matter en autos, e algumas faixas. 

Um enorme mural no centro, declara sobre imagens de afro-estadunidenses: “Os direitos ao voto são direitos humanos”, expressão explicita contra décadas de práticas de supressão do voto de minorias neste país. 

Esta sempre foi uma cidade de migrantes durante mais de 160 anos, primeiro alemães e outros europeus que trouxeram sua gastronomia, com a qual a cerveja e as salsichas são o famoso deste lugar – até sus equipe de basebol se chama os Cervejeiros (y haveria de confessar que se agradece a essa bebida para que alguns jornalistas possam aguentar este espetáculo ominoso esta semana).

Também chegaram polacos, franceses, irlandeses, escandinavos e italianos, e já depois, latino-americanos e caribenhos, incluindo uma crescente comunidade mexicana que teve que tolerar as políticas e retórica anti-imigrantes de quem agora tem ocupado sua cidade. 

Ao mesmo tempo, com as contradições, o jovem presidente do Partido Republicano do condado de Milwaukee se chama Hilario Deleon. Tiene 23 anos de idade é metade mexicano, adotado, com uma mãe branca e uma irmã afro-estadunidense quem agora vive com sua mãe. 

Realizou vários tipos de trabalho e serviços de restaurante e é fanático da história da Guerra Civil e agora um feroz promotor de Trump. Segundo um perfil de Deleon em Político, crê que a última eleição foi “roubada”, que seu ídolo é perseguido politicamente e que está se dedicando a ampliar a participação latina e afro-estadunidense a favor de Trump neste condado em que a maioria se opõe ao magnata. E acredita que Trump “salvará o país”. 

Por outro lado, há outras facetas inesperadas nesta cidade. Justo antes de iniciar a convenção, realizou-se o festejo anual do Dia da Bastilha, com música francesa, can-can, e baguetes no centro, um contraste histórico com a chegada de um semi-rei, mas as atividades careciam, a propósito, de qualquer contexto político. 

Enquanto isso, há um perímetro de segurança de dezenas de quadras ao redor do centro da cidade e da arena e do centro de convenções onde se realiza a mega-produção da quadrianual convenção nacional do Partido Republicano. Unidades de polícia local, estadual e equipes especializadas importadas de várias cidades do país – desde Austin a Miami -e se somam à vigilância federal oferecido pelo Serviço Secreto. Todo ingresso é controlado, e há lanchas artilhadas nos rios e vigilância aérea constante. 

Dentro desta zona, apesar da defesa semi-religiosa do direito às armas dos republicanos e seu candidato e que neste estado de Wisconsin é legal portar armas, toda arma de fogo é estritamente proibida dentro.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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