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Na América Latina, “a internacional capitalista” – como é chamada pelo jornalista Aram Arahonian – está bem organizada e se conecta com todo o continente através da Rede Atlas Network. A Rede Atlas e a Rede Liberal da América Latina formam o grande arsenal de tanques de pensamento concertados em nosso continente. A Rede Atlas conta com 448 instituições e 81 think tanks latino-americanos.
Por Nicolás Centurión
A primeira internacional operária se realizou em 1864, em Londres, a que se diz que foi o caldo de cultivo para a Comuna de Paris. Logo, se sucederam a segunda e a terceira internacional. Mas esses dispositivos não são patrimônio exclusivo da esquerda e do movimento operário. Os de cima também lutam.
Na América Latina, “a internacional capitalista” – como é chamada pelo jornalista Aram Arahonian – está bem organizada e se conecta com todo o continente através da Rede Atlas.
“Tradicionalmente, os think tanks se apresentam como institutos independentes criados para desenvolver soluções não convencionais. Em troca, o modelo da Atlas se enfoca menos em produzir propostas genuinamente inovadoras, para dedicar mais esforços em estabelecer organizações políticas que tenham a credibilidade de instituições acadêmicas, para que, assim, sejam uma ferramenta efetiva na batalha por mentes e almas”, segundo o que contra o jornalista Lee Fang, do The Intercept.
Estes tentáculos se estendem através de distintas ONGs, think tanks, fundações e ativistas que simulam ser individuais e movidos por uma genuína indignação. Contam com apoio e financiamento estadunidense, de onde recebem enormes montantes.
Estas organizações se coordenam em conjunto e têm claros objetivos: derrubar os governos progressistas e trabalhar para desestabilizar qualquer movimento e/ou organização que esteja dentro do campo popular latino-americano, para ganhar em hegemonia; como formadores de opinião capazes de impor sua visão de mundo, a qual defende o sistema neoliberal, não somente do ponto de vista socioeconômico, mas também em termos culturais.
A Rede Atlas e a Rede Liberal da América Latina formam o grande arsenal de tanques de pensamento concertados em nosso continente. A Rede Atlas conta com 448 instituições e 81 think tanks latino-americanos.
A Rede Atlas uruguaia
No Uruguai, as três organizações que formam parte da rede são o Centro de Economia, Sociedade e Empresa (ESE-IEEM-Universidade de Montevidéu), o Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (CERES) e o Centro de Estudos para o Desenvolvimento (CED).
Apesar de se declararem “independentes de qualquer grupo político, religioso e empresarial” (segundo a descrição do próprio CED), esses grupos têm grandes vínculos com os partidos da direita tradicional uruguaia e da direita comunicacional multinacional e concentrada.
A CED, em seu sítio web, explicita suas alianças estratégicas com a Rede Atlas, e também outros: Fundação Konrad Adenauer Stiftung, Liberdade e Progresso, Fundação Internacional para a Liberdade.
Seu diretor-executivo é Hernán Bonilla, colunista do diário El País de Montevidéu e de outros meios nacionais e estrangeiros, além de integrante da mesa do programa radial En Perspectiva. Também é conselheiro acadêmico da fundação Liberdade e Progreso de Buenos Aires. Em 2016, recebeu o prêmio Smith Fellowship, da Atlas Network. Diego Murara (subdiretor executivo) é vereador em Montevidéu e membro do tradicional Partido Colorado. Felipe Paullier é vereador suplente, e integrante do Partido Nacional.
O Conselho Acadêmico Nacional da CED conta com figuras como María Dolores Benavente, que foi vice-presidenta da empresa República, de administração de fundos previdenciários privados, e assessora econômica da Câmara Nacional de Comércio – atualmente, trabalha como gerente-geral de outra empresa do mesmo ramo, chamada União Capital, e é presidenta da Academia Nacional de Economia da Associação Nacional de empresas de previdência privada. Também está presente Martín Aguirre, que se desempenha desde o ano de 2011 como diretor do diário El País.
No caso da CERES, os nomes destacados são o do diretor acadêmico da instituição, Ernesto Talvi, que é pré-candidato à Presidência da República pelo Partido Colorado, e os de alguns membros do conselho, como Nicolás Herrera (subsecretário do Ministério de Economia e Finanças entre 1990 e 1991, no governo de Luis Alberto Lacalle, e negociador da dívida externa uruguaia, a partir do Plano Brady), Horacio Hughes, (diretor e gerente-geral da empresa OCA S.A, com passagens anteriores pela Holding Itaú, Bank of América e Bank Boston) e Ricardo Peirano (diretor do diário El Observador).
Finalmente, o IEEM é conduzido por Pablo Bartol, fundador do Centro Educativo Los Pinos (no bairro montevideano de Casavalle), uma iniciativa do Opus Dei. Outro de seus personagens conhecidos é Ignacio Munyo, que está vinculado com as três organizações da Rede Atlas no Uruguai e é assessor econômico do senador Luis Lacalle Pou, que lidera as pesquisas para a disputa interna dentro do Partido Nacional para escolher o presidenciável da legenda para 2019, quando tentarão novamente derrotar a Frente Ampla e tirá-la do poder. Seu currículo diz que ele é diretor do Centro de Economia, Sociedade e Empresa do IEEM. Foi Economista Senior do CERES e investigador associado à Brookings Institution (Estados Unidos).
Também foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento e assistente de investigação e tutor na Universidade de Chicago. Realiza conferências organizadas pela Lista 40 do Partido Nacional e pelo grupo Batllismo Aberto, do Partido Colorado.
E a esquerda, o que faz?
O que se pode concluir, rapidamente, é a conexão entre os think tanks, as organizações, os partidos da direita política e os meios de comunicação hegemônicos que fazem a agenda no Uruguai. Esses vínculos não são inocentes nem casuais. A rede que se confeccionaram “em nome da liberdade” e os “estudos acadêmicos neutros” são mais complexos do que parecem, e têm interesses claros. Basta ver os indivíduos e organizações apoiados e financiados pela Rede Atlas em nosso continente, para observar o que podem fazer.
[pullquote align=”right”]LEIA TAMBÉMPEPE MUJICA: ASSIM PENSAMOS OS DO SUL
[/pullquote]Outras dúvidas emergem desta pequena pincelada sobre as organizações neoliberais uruguaias: como a esquerda reage a isso em matéria de produção de conhecimento e propostas para melhorar as condições de vida dos mais necessitados, e o povo em geral? O que estão fazendo para captar vontades, para enamorar e convencer, os cidadão. Enfim, como farão para construir uma subjetividade de esquerda popular? Onde estão suas usinas de pensamento? Como executam essa teoria? Que resultados tiveram essas linhas de ação? [pullquote align=”right”]LEIA TAMBÉMBoaventura Santos: Quinze questões para uma nova esquerda
[/pullquote]Um dos defeitos da esquerda, ou do progressismo em geral, é o de viver muitas vezes das consignas, com pouco estudo da realidade para poder operar sobre ela. Obviamente, não se pode viver com a revolução nos lábios sem estar em contato com as pessoas.Os diários, a televisão e a rádio continuam estando nas mãos da oligarquia, e são dispositivos militantes 24 horas por dia, sete dias por semana, sem feriados nem descansos. É importante uma mudança de postura, para não continuar perdendo terreno aos que querem os castelos de cartas construídos pela Frente Ampla.
Porque, como dizia Warren Buffet, a luta de classes existe, quem a está impulsando é a classe rica, e por isso está ganhando.
Nicolás Centurión é estudante de Psicologia da Universidade da República do Uruguai. Analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)