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Foto: Presidência do Equador

Bases militares no Equador: aval do Legislativo ignora violações de militares dos EUA

A Assembleia Nacional do Equador acaba de modificar o artigo da Constituição que proibia bases militares estrangeiras no país, uma das últimas barreiras ao plano entreguista de Noboa

Orlando Pérez
La Jornada
Quito

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Na última terça-feira (3), com os votos de 82 dos 151 legisladores, a Assembleia Nacional modificou o artigo 5 da Constituição para facilitar o pedido de Daniel Noboa de instalar bases militares estrangeiras no Equador. No entanto, a Corte Constitucional ainda deve aprovar a reforma para depois submetê-la a referendo, que seria convocado em até 45 dias.

O presidente Noboa propôs, em outubro de 2024, suspender a proibição ao estabelecimento de bases militares estrangeiras, supostamente para fortalecer a chamada guerra contra o narcotráfico, após declarar a existência de um conflito armado interno em janeiro de 2024. Diversos membros do governo declararam que as bases militares não seriam apenas dos Estados Unidos, mas também de outros países que desejem participar desta “cruzada” contra o crime.

A maioria dos analistas e constitucionalistas que comentaram o anúncio na época o viram como uma estratégia de proselitismo eleitoral, já que Noboa havia perdido popularidade, aprovação de sua gestão e apoio para as eleições presidenciais de fevereiro de 2025.

O artigo 5, até agora, afirma: “O Equador é um território de paz. Não se permitirá o estabelecimento de bases militares estrangeiras nem de instalações estrangeiras com propósitos militares. Proíbe-se ceder bases militares nacionais a forças armadas ou de segurança estrangeiras”. Uma reforma parcial, segundo a própria Constituição, deve ser realizada por meio de referendo. Somente as emendas constitucionais podem ser aprovadas pela Assembleia Nacional.

Histórico de crimes impunes

A base militar estadunidense em Manta foi instalada após um acordo de cooperação firmado em 1999 pelo então presidente Jamil Mahuad, com validade de 10 anos. Quando Rafael Correa assumiu a presidência, em 2007, anunciou que o contrato da base não seria renovado. Em setembro de 2009, o pessoal estadunidense encerrou suas atividades no país, em meio a uma série de denúncias de violações de direitos humanos, afundamento de barcos com migrantes e outros crimes cometidos por militares estadunidenses que não foram julgados em território equatoriano.

Tropas nas Galápagos

Sem que essa mudança constitucional tenha sido aprovada, em dezembro passado Noboa determinou que as ilhas Galápagos se tornassem uma base militar dos Estados Unidos, o que permitiu o ingresso de navios e tripulações, conforme revelou o La Jornada em dezembro de 2024.

Isso foi possível graças à decisão do Conselho de Governo da província de Galápagos, após a entrada em vigor dos tratados de cooperação militar entre os Estados Unidos e o Equador, assinados por Noboa em 15 de fevereiro de 2024.

Assim, navios, pessoal militar, armamentos, equipamentos e submarinos puderam ser instalados no arquipélago, declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 1978. Alguns habitantes das ilhas relataram ter avistado submarinos e lanchas militares com pessoal estrangeiro ao longo de 2025. No entanto, diante dos pedidos de informação, as autoridades não confirmaram nem desmentiram essas versões.

Agora, com a instalação de plataformas militares, segundo a proposta do governo incluída no texto debatido na terça na Assembleia, busca-se “combater o narcotráfico, a pesca ilegal e outras atividades ilícitas marítimas nesta região do Equador. É importante evitar conflitos violentos e outros crimes conexos entre os grupos narcoterroristas vinculados a cartéis internacionais que disputam as rotas de exportação de entorpecentes e o controle territorial para o tráfico de drogas”.

Kennedy em Quito

Convidado especial de Daniel Noboa à posse de seu novo mandato, o secretário de Saúde dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., no fim de maio afirmou em Quito que, provavelmente, a Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos teria colaborado no assassinato do ex-presidente equatoriano Jaime Roldós, em 1981.

Em entrevista ao diário guayaquilenho El Universo, Kennedy Jr. lembrou que foi o próprio Roldós quem o convidou, em 1980, para uma viagem por alguns setores da serra andina, e que, segundo muitas pessoas, o então jovem presidente equatoriano era considerado o “John F. Kennedy da América Latina”.

O secretário de Saúde foi o representante da delegação dos Estados Unidos na cerimônia de posse de Noboa perante a Assembleia Nacional em Quito, em 24 de maio. De fato, em junho de 2024, Kennedy Jr. declarou à emissora Univisión que Daniel Noboa “foi criado em sua casa”. Em várias ocasiões tem sido destacada essa relação, que também envolveu o pai do atual presidente equatoriano, o multimilionário Álvaro Noboa, desde 1994, após um encontro empresarial em Nova York.

Há 44 anos, Roldós faleceu no que até hoje é conhecido como um acidente de avião, quando se dirigia à cidade fronteiriça de Loja, muito próxima do Peru. Nesse suposto acidente, morreu toda a delegação e tripulação, incluindo a esposa de Roldós, Martha Bucaram, que era irmã do ex-presidente Abdalá Bucaram (que governou entre agosto de 1996 e fevereiro de 1997).

De acordo com a reportagem do diário guayaquilenho, Kennedy Jr. comparou a personalidade de Noboa à de Roldós: “Não necessariamente no aspecto político, mas em seu caráter, em sua compaixão, seu compromisso com os pobres, com as comunidades indígenas, sua determinação, sua disciplina, sua inteligência”. E acrescentou: “Me senti muito desolado e sem esperanças com o que aconteceu com Roldós, que provavelmente foi assassinado com a ajuda da CIA”.

Oficialmente, a dúvida ainda paira sobre a morte de Jaime Roldós. As suspeitas de que tenha sido um assassinato, por representar um incômodo aos grandes interesses dos grupos econômicos do Equador e da América Latina, foram abordadas em diversas publicações e documentários. O mais conhecido é La muerte de Roldós, do cineasta Manolo Sarmiento, que bateu recordes de público nas salas de exibição de todo o país andino e conquistou diversos prêmios internacionais.

Além disso, em 2004 foi publicado o livro Confessions of an Economic Hit Man (Confissões de um Assassino Econômico), de John Perkins. O autor dedica a obra aos presidentes Omar Torrijos e Jaime Roldós. “Seus aviões caíram, mas não se tratou de nenhum acidente — escreveu o autor —, e sim de assassinatos motivados pela oposição de ambos à confraria de dirigentes empresariais, governamentais e financeiros que buscam um império mundial.”

Kennedy Jr. é sobrinho do 35º presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, assassinado em 1963, e filho de Robert F. Kennedy, que foi procurador-geral, senador, pré-candidato à presidência e, em 1968, também assassinado.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Orlando Pérez Correspondente do La Jornada em Quito.

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