A claustrofobia ideológica acelerada pelos confinamentos e as restrições que pouco a pouco vão sendo deixadas para trás, tornou, recentemente, mais atraentes as teorias da conspiração. Apesar de sua, às vezes, irresistível exigência para explicar uma realidade cada vez mais mutante e complexa, não é demais recordar a brilhante e sucinta sentença de um dos melhores analistas do poder, Charles Wright Mills, nos anos 1950 do século passado: “Há muitas conspirações ao longo da história, mas a história não é uma conspiração”.
Mas os mitos resistem, e não por falta de razões. Um deles é o extremamente discreto, o Clube Bilderberg, uma cúpula anual em que chefes de Estado, poderes executivos, empresariais e midiáticos, majoritariamente do Ocidente, se reúnem a portas fechadas em torno de uma série de temas considerados candentes. Todo um governo mundial informal unificado por suas distintas classes dirigentes, como representação da hierarquização de um mundo atual, na realidade, muito pequeno em seu cume.
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Bilderberg toma seu nome do hotel holandês onde foi realizada, em 1954, a primeira reunião entre este tipo de mandatários públicos e privados. Aquele encontro refletiu a preocupação com a guerra fria mais quente, com uma União Soviética que vivia a sucessão de Stalin e com uma China que começava o longo reinado do Partido Comunista de Mao Tse-Tung.
Uma guerra descongelada também marcou o encontro de 2022. Estas duas potências nucleares e alternativas à ordem ocidental, mais ou menos liberal, figuram entre as preferências dos participantes, cerca de 130 eleitos para dialogar e conspirar durante apenas quatro dias. A ausência de documentos escritos mostra a suposta importância exclusiva daquilo que a sociedade, tão acostumada ao espetáculo, não pode fotografar e repetir ad nauseam. Trata-se do estrondoso silêncio que, no entanto, chama cada vez menos atenção.
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Representantes e dirigentes da CIA, da Otan, do serviço secreto britânico, das grandes multinacionais Google-Alphabet, Goldman Sachs, Deutsche Bank, AXA, Pfizer e da mídia, como The Economist, Financial Times ou PRISA, até pouco tempo com presença do eterno Henry Kissinger, fizeram deste evento mais uma caricatura em declive do que um encontro capaz de decidir os desígnios do mundo no futuro. Algo como a manifestação do Primeiro de Maio na Espanha, mas com maior capacidade de decisão e influência.
Houve um tempo em que documentos, como o informe sobre “A crise da democracia”, editado pela prima irmã de Bilderberg, a antiga e empoeirada Comissão Trilateral, condicionaram o ambiente de agitação mundial, ao enfatizar a necessidade de reduzir ou de, pelo menos, cobrar os crescentes níveis de educação no mundo, que se consideravam relacionados com o incremento da conflitividade social nos anos 1960 o século passado.
A guinada das políticas públicas nos anos 1980, o que alguns denominaram difusamente de neoliberalismo ou revolução conservadora, poderia ter derivado de alguns dos acordos ali adotados, mas disso não restou constância escrita alguma.
Pablo Casado, o convidado sem partido de Bilderberg
Entre as figuras mundiais selecionadas para este encontro destaca-se paradoxalmente o ex-presidente do Partido Popular, Pablo Casado. Para este, tal encontro talvez tenha sido seu último evento antes de começar sua carreira, necessariamente já circunscrita ao setor privado. Casado encontrou em Washington outros dois espanhóis: José Manuel Albares, ministro do Exterior do Governo da Espanha, e Carlos Núñez, presidente executivo do Grupo PRISA, que é editor do primeiro diário do mundo em espanhol. Outra pessoa envolvida é Ana Patricia Botín, presidenta do Banco Santander e membro do comitê dirigente de Bilderberg. Todos os anos são convidados ainda representantes ou líderes do PP, do PSOE e mesmo do já quase extinto Ciudadanos.
Em 2022, apenas 25 dias antes da cúpula da Otan em Madri, Bilderberg reproduziu, pelo menos em seus temas principais, o pessimismo do Fórum de Davos daquele ano, outro evento chave para a reunião das elites mundiais. Desigualdades, migrações e problemas derivados da mudança climática parecem ocupar um segundo lugar entre as causas da instabilidade global a partir dos temas principais que figuram na web oficial. A guerra e as tensões mundiais latentes voltaram ao primeiro plano. Como nos velhos tempos.
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Estes pontos do dia são diversos e, ao mesmo tempo, os mesmos: a ampliação da Otan, os problemas políticos e econômicos da Turquia, um membro chave da aliança atlântica, e China, cada vez mais central nos âmbitos tecnológicos e geopolíticos, com um acordo internacional a ponto de ser assinado que abrange as nações do pacífico e que contrasta com a paralisia econômica e política da dependente União Europeia.
As elites conspiram e Bilderberg é um fiel e já quase folclórico testemunho disso. Não obstante, o silêncio crescente em torno deste clube poderia favorecer seu caráter estratégico: menos mistério e mais espaço para chegar a acordos a favor de uma elite global que sempre deixou a teoria da livre concorrência para os livros de texto.