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ToggleFrequentemente associada ao aumento do policiamento e ao endurecimento de penas, a segurança pública é um tema complexo. Especialistas salientam que políticas repressivas isoladas não são eficazes, pois, para essas pessoas que estudam o tema, a prevenção social, por meio da educação, do esporte e do lazer, por exemplo, é um dos caminhos mais eficazes para conter a violência e promover a inclusão de crianças, adolescentes e jovens vulnerabilizados.
Apesar das inúmeras evidências que demonstram a importância dessas políticas, os governos brasileiros têm negligenciado historicamente essas áreas, com orçamento irrisório quando comparado a outras despesas do Estado. A falta de uma política eficaz em educação, cultura, esporte e lazer compromete o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens, especialmente aquele(a)s em situação de vulnerabilidade. Isso contribui diretamente para o agravamento da violência urbana e, consequentemente, para a falta de segurança pública.
Por outro lado, uma abordagem ampla e preventiva, através da adoção de políticas estruturais, como apontam especialistas, não apenas reduzem a criminalidade, mas também promovem o desenvolvimento social e econômico de qualquer país. Investir em prevenção é garantir um futuro mais seguro e igualitário para todos. Em vez disso, os governos brasileiros têm insistido em políticas punitivas, as quais não alteram o quadro da insegurança. Exemplo disso é a proposta do Ministério da Justiça em relação ao roubo de celulares.
Um futuro digno para as juventudes
Em nosso país, projetos como o Viva Rio e o Instituto Esporte e Educação têm demonstrado que práticas esportivas regulares auxiliam na formação cidadã e na redução dos índices de criminalidade em comunidades vulneráveis. Pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que jovens envolvidos em atividades esportivas regulares apresentam menor propensão ao envolvimento com crimes e maior rendimento escolar. Mas os governantes insistem em ignorar a prevenção, e apostar na punição, como se isso resolvesse um dos grandes problemas enfrentados por nossa sociedade brasileira.
O lazer também desempenha papel crucial na segurança pública. Conforme o urbanista e geógrafo britânico David Harvey, espaços públicos bem planejados e acessíveis à população promovem o convívio social e reduzem a violência. Vários estudos demonstram que áreas onde há praças, centros culturais e parques bem conservados apresentam menores taxas de criminalidade, porque fortalecem os vínculos comunitários e, consequentemente, reduzem a sensação de abandono urbano, que muitas vezes favorece a ação de grupos criminosos.
De acordo com o sociólogo brasileiro Luiz Eduardo Soares, uma abordagem eficiente da segurança pública deve incluir políticas que combatam as causas estruturais da criminalidade. Em sua análise, a desigualdade social, a falta de acesso à educação de qualidade e a escassez de oportunidades são fatores determinantes para o envolvimento de jovens em atividades ilícitas. Neste contexto, a educação pública brasileira, que deveria ser um dos principais instrumentos de inclusão social, também reflete o abandono do Estado. As escolas públicas – especialmente as que se localizam nas periferias e em áreas mais pobres – enfrentam uma série de dificuldades estruturais que comprometem sua função de oferecer um futuro digno para os jovens. Muitas não possuem, sequer, uma quadra poliesportiva coberta, ou mesmo salas de aula adequadas para atividades culturais, bem como não dispõem de bibliotecas bem equipadas.
Além disso, a matriz curricular das escolas públicas ainda é excessivamente tradicional – e nada atrativa para jovens que vivem em contextos de vulnerabilidade. Em vez de oferecer atividades complementares que estimulem talentos e gerem novas perspectivas de futuro, muitas escolas funcionam como “depósitos de alunos”, onde a prioridade é apenas cumprir a carga horária mínima exigida. Sem espaços de lazer, sem projetos esportivos e culturais, a escola deixa de ser um ambiente acolhedor – e também transformador –, tornando-se apenas mais um obstáculo na trajetória dessas juventudes, cenário que evidencia um modelo educacional que não integra de forma efetiva o esporte e a cultura como ferramentas de inclusão e prevenção da violência.
Dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (SIOPE) demonstram que em muitos estados brasileiros os investimentos em atividades extracurriculares e infraestrutura esportiva nas escolas, por exemplo, são mínimos, fato que limita severamente a oferta de oportunidades para quem frequenta essas instituições educativas. No setor da cultura também se vê esse descaso. Em 2023, por exemplo, o orçamento do Ministério da Cultura representava menos de 0,1% das despesas totais do governo federal, evidenciando a falta de interesse em promover políticas públicas nesse setor.
Pesquisas realizadas pelo Instituto Sou da Paz mostram que bairros e cidades que investem em espaços culturais apresentam menores taxas de violência, pois essas iniciativas oferecem alternativas ao crime e promovem a coesão social. Em vez disso, estados e municípios seguem a mesma lógica do governo federal, com investimentos pontuais no setor de cultura, bem como em projetos de curta duração que não criam um impacto social relevante. Em contrapartida, conforme informações da Revista Carta Capital, no ano passado (2024), Bahia, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal gastaram, juntos, 8 bilhões de reais somente para implementar a Lei de Drogas. Esse dinheiro, se investido em infraestrutura nas escolas públicas, por exemplo, traria muito mais resultado positivo.
Racismo e vulnerabilidade social
O resultado da falta de investimentos em políticas públicas para as infâncias e juventudes é evidente: milhares de jovens sem perspectivas, vulneráveis ao recrutamento pelo tráfico e outras atividades ilícitas, como, por exemplo, roubo e furto de celulares. Em comunidades onde não há centros culturais, espaços de lazer ou projetos esportivos gratuitos, o crime acaba preenchendo essa lacuna, porque oferece não apenas dinheiro, mas também uma forma de pertencimento social que o Estado não proporciona. Na maioria dos casos, o Estado chega a essas localidades apenas com o braço policial. Nessa mesma direção, os gastos com repressão policial e encarceramento crescem, sem que haja uma solução efetiva para a criminalidade. Dessa forma, quanto mais negligenciam políticas públicas voltadas para as juventudes, os governos brasileiros perpetuam um ciclo de violência e de exclusão social.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, o Brasil possui mais de 850 mil pessoas presas. Destas, 70% são negras. Em um país racista – como é o nosso caso –, no qual a população negra encontra-se, majoritariamente, em situação de vulnerabilidade social, esse dado reflete o fracasso das políticas públicas preventivas e a insistência em um modelo de segurança pública que prioriza o confronto, a exclusão, em detrimento da inclusão. Grande parte dos detentos é formada por jovens de baixa renda, com baixa escolaridade e poucas oportunidades de inserção no mercado de trabalho.
Diante desse cenário, fica evidente que a segurança pública não deve ser pensada apenas sob a perspectiva da repressão, como temos visto historicamente em nosso país. A violência urbana é um dos grandes desafios das sociedades contemporâneas, e sua contenção exige mais do que o simples aumento de efetivos policiais e o endurecimento de penas, modus operandi tão reivindicado pelo conjunto da sociedade que não considera as causas estruturais das violências – por falta de conhecimento ou por má-fé.
Como dizem muitos especialistas em segurança pública, sociologia e criminologia, a prevenção da violência deve passar, necessariamente, pelo fortalecimento de políticas sociais, porque a segurança não se reduz apenas a ações repressivas. Dessa forma, o desafio é, portanto, ampliar o olhar sobre a segurança – sobretudo compreendendo que a repressão não resolverá o problema. E não estamos afirmando que as punições devam ser abolidas. Não se trata disso. Mas a prevenção, baseada em investimentos estratégicos em educação e desenvolvimento humano, deve ser vista como um dos principais caminhos para a redução da criminalidade.
Alguns textos para pesquisar mais sobre este tema:
- DIAS, L. L. MOURA, P. V de (Org.) Educando para uma segurança pública democrática. João Pessoa: UFPB, 2014.
- HARVEY, D. Cidades Rebeldes. Do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
- SOARES, L. E. Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos. São Paulo: Boitempo, 2019.
- VASCONCELOS, T. R. Segurança pública como direito social: uma revisão bibliográfica e conceitual. Coordenação: Renato Sérgio de Lima. 1. ed. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023.