“O Haddad está propondo que quem quiser construir data center no Brasil não vai ter que pagar imposto. É como se o Brasil virasse um paraíso fiscal de data center”, assevera Ergon Cugler, pesquisador do CNPq e especialista em soberania informacional.
Em entrevista ao programa Sul Globalizando com Vanessa Martina-Silva, da Revista Diálogos do Sul Global, nesta quarta-feira (28), Cugler falou sobre a proposta do governo federal de atrair empresas como Google, Amazon e Microsoft com isenções bilionárias, explicando que a medida não garante soberania tecnológica — e de quebra pode reforçar um modelo de colonialismo digital.
Ergon questiona o argumento de que os data centers das Big Techs trariam inovação ou empregos de qualidade. “Essas estruturas operam com mínima mão de obra. A maior parte é máquina e resfriamento. Vai empregar gente? Sim. Para fazer a segurança do portão.”
Além disso, a proposta de isenção para importação de equipamentos, como servidores e chips, mesmo com exigência de aquisição nacional quando disponível, é vista por ele como uma solução ilusória: “Estamos abrindo mão de impostos para atrair empresas que não aceitam regulação no Brasil.”
Outro ponto grave, segundo o pesquisador, é o risco ambiental. “Há relatos de rios e lagos secando nos EUA por causa do consumo massivo de água para resfriar esses data centers. E ainda tem centro que não reaproveita a água porque é caro.”
A dependência tecnológica também preocupa. “Se o dado está armazenado aqui, mas o tratamento acontece nos EUA, não temos soberania nenhuma. Existe uma legislação lá, o Cloud Act, que permite ao governo americano acesso aos dados mesmo que eles estejam fisicamente no Brasil.”
Ergon também denuncia o uso crescente de ferramentas como o ChatGPT no poder público. “Já teve projeto de lei sendo resumido por IA para parlamentar votar sem ler. E teve conferência nacional cujos relatórios finais foram editados por IA, e sumiram os termos ‘desinformação’ e ‘regulação’. Isso é manipulação política feita por algoritmos estrangeiros.”
Para ele, a saída passa por investimento público e regionalização da tecnologia. “Um contrato da Microsoft com o governo federal de apenas 14 meses foi de R$ 1,27 bilhão. Por que não investir esse valor em universidades públicas, parques tecnológicos e institutos federais para desenvolver nosso próprio data center?”
Ergon cita o exemplo da Universidade Federal do Paraná, que já opera um data center próprio. “Se uma universidade conseguiu, por que o país não conseguiria? Faltam decisão política e coragem para enfrentar as Big Techs.”
A entrevista termina com um chamado à mobilização popular. “A gente está adoecendo como sociedade por causa desses modelos. Não é só data center. É o que seu filho vê no TikTok, é a IA decidindo políticas públicas. Se a gente não lutar por soberania agora, vamos continuar pagando aluguel digital para o resto da vida.”
A entrevista completa está disponível no canal da TV Diálogos do Sul Global, no YouTube: