Sem segurança jurídica não há democracia
“Não se combate crime cometendo crime” Essa afirmação do óbvio proferida por um juiz do Supremo está hoje em todos os jornais. Será que precisou que as delações e filtrações chegassem aos supremos juízes para que isso acontecesse? Será que a Justiça agora vai agir de acordo com a Lei, igual para todos? Ou será que se trata de manifestação corporativa em defesa própria? Paulo Cannabrava Filho*


Resquícios da Corte colonial
Como bem disse José Mujica, o tupamaro, enquanto presidente da República do Uruguai, “são resquícios da Corte Colonial. Só a nobreza é que valia, estavam aqui para saquear as riquezas, enriquecer e desfrutar o poder. O povo que se arrebente”. No poder mantêm-se os herdeiros da corte colonial e os dispostos a servi-los. Tudo como dantes, no quartel de Abrantes. Darcy Ribeiro, ao criar a Universidade de Brasília, nos anos 1960, diagnosticou que fracassada a Revolução Burguesa, a burguesia nacional deixou de realizar um projeto de nação e foi substituída por um estamento gerencial, a serviço das empresas estrangeiras. Theotonio dos Santos, professor nessa mesma universidade, pensada por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro para ser modelo (a universidade necessária), foi um pouco mais adiante identificando um estamento intermediário, aqueles que enriquecem e acumulam intermediando negócios entre o Estado e as empresas e entre empresas e prestadores de serviço. Estamos falando, portanto, da estrutura do poder no país e de um capitalismo primitivo: o latifúndio, a agroindústria, a extração mineral, voltada para exportação; os bancos e financeiras; os fundos de previdência privada; as empreiteiras; o estamento gerencial e os intermediadores de negócios. Imaginar um negócio sem remuneração da intermediação é o mesmo que querer um empréstimo bancário sem juros e remuneração do agente. Está na essência do capitalismo. É responsável por boa parte da acumulação de capital e está mais relacionada com o poder (pela proximidade) que o estamento gerencial e o que sobrou de burguesia nacional. Como a produção industrial fundamental está em mãos do capital estrangeiro, perdeu-se o controle sobre os centros de decisão. Isso funciona assim desde os tempos de D. João VI, passando pelo Império dos Pedros, a Velha República do café com leite. A Revolução de 1930 colocou um desvio nesse rumo e, semeando escolas por todo o país, sentou as bases para a industrialização e um projeto nacional de desenvolvimento. Os governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart e inclusive uma boa parte dos governos militares seguiram o modelo desenvolvimentista traçado por Vargas. Chegamos a ter o sétimo parque industrial do mundo, em que se fabricava até locomotivas e tanques de guerra, grandes estaleiros a fabricar navios. Com os militares começa a desmontagem, desestatização e desnacionalização da produção industrial nacional, exacerbada nos doze anos de Fernandato (Fernando Collor e Fernando Henrique) e continuado, com outro ritmo é certo, nos governos petistas de Lula e Dilma. Aqui, contudo, há que destacar um diferencial.O projeto do Pré-Sal faz a diferença
A diferença: O Pré-Sal e o projeto de dar autonomia à Petrobras, isto é, dar exclusividade na exploração e obrigá-la a suprir-se na indústria nacional. Um grande desafio. Um grande desafio que foi enfrentado com galhardia. Início de uma grande acumulação de capital e investimento sobretudo em infraestrutura. As únicas fontes de capital e de tecnologia para enfrentar o desafio disponíveis eram da própria petroleira, das grandes empreiteiras, setores da agroindústria, dos fundos de previdência privada e do Tesouro, através do BNDES, mais o aporte da banca privada e internacional, em menor escala, claro. E estava dando certo. Alias, está dando certo e poderia estar melhor não fosse a interrupção imposta pela Operação Lava Jato. Registre-se que apesar de tudo isso a Petrobras anunciou em junho que a produção do Pré-Sal ultrapassou 1 milhão de barris/dia com 52 poços (40% da produção total), um recorde. O primeiro milhão foi conseguido em 1998 depois de 8 mil poços. Esse é o potencial das jazidas que o governo interino que entregar. Já modificou as normas que garantiam exclusividade e uso da indústria nacional. O mais grave é que em meio a todo esse imbróglio, judicial e mediático, os ocupadores do Poder Executivo, que até o dia de hoje legalmente não são governo, são só interinos, provisórios, agem como se definitivo fossem, discutem a entrega até das águas subterrâneas (Aquífero Guarani), além do petróleo e venda de terras para estrangeiros, liberalização do licenciamento ambiental. Diz que têm pronto o maior plano de desestatização jamais visto. Que é que falta? Muita coisa: Correios, Caixa, Banco do Brasil, EBC, Petrobras, ou seja, as jóias da coroa. São medidas que violam a soberania e a própria Constituição chamada “cidadã”. O que está em andamento configura crime de lesa pátria. Por menos que isso o general De Gaulle, quando presidente da França, mandou fuzilar uns tantos generais que o traíram na Guerra da Argélia. Em meio a tudo isso, passada a euforia das Olimpíadas, que fez o mundo cair no samba, a Nação (com maiúscula, todo o povo) precisa despertar. É preciso exigir segurança jurídica, exigir respeito à soberania nacional. Onde estão as Centrais Operárias, os sindicatos, os movimentos sociais? Os petroleiros haviam anunciado que não permitiriam a entrega do Pré-Sal. E então? Não se pode dar trégua. A inércia, a perplexidade, só favorece os vendilhões da pátria. É preciso agir. *Jornalista editor de Diálogos do Sul