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A descolonização africana vista por Cadernos do Terceiro Mundo

Gabriel Farias

Tradução:

O processo de descolonização africana sob o olhar da Cadernos do Terceiro Mundo. África, Brasil e Portugal: Colonialismos e colonialidades internas.

Edna Maria dos Santos e Jacqueline Ventapane Freitas*

O papel do intelectual, de modo geral, é o de elucidar a disputa, desafiar e

derrotar tanto o silêncio imposto, quanto o silêncio conformado do poder invisível em todo o lugar e momento que seja possível.

Edward Said

Religar laços e enlaces entre Brasil, África e Portugal é, em primeiro lugar, falar do Colonialismo que “inventou” um Brasil e uma sociedade idílica, em estado de natureza, “onde em se plantando” tudo daria, uma possível “terra sem males” que serviria, adequadamente, aos interesses mercantilistas ibéricos do século XVI. Ou que criou uma África, na segunda metade do século XIX, dentro do binômio Capitalismo Industrial/Razão Científica, com o interesse de “inventar um continente homogêneo”, cuja região subsariana, por exemplo, “não tinha cultura” e estava em “estado de natureza selvagem”. Essa região era classificada por Charles Linné como “inferior e sem características humanas”. Incluída na mesma lógica colonialista, vemos emergir um Portugal que, tanto em relação ao Brasil quanto à África, ainda que de formas diferenciadas, se impôs entre os séculos XV e XX, por meio do imaginário do “grande império”. Na segunda metade do século XIX, as enormes transformações por que passaram o processo industrial e o próprio capitalismo alteraram bastante a relação entre os países capitalistas centrais e os periféricos. Foi criado um mercado global de grandes proporções. O preço dessa expansão foi especialmente alto para as sociedades africanas. A redivisão do território também redimensionou as relações entre diversas etnias, povos e culturas. A ferramenta da ocupação edificou um espaço territorial artificializado por fronteiras, instituições e uma crescente simbologia do dominador. Alguns, com políticas de assimilação, outros, com mecanismos de evidente exclusão e exploração. Segundo a historiadora Maria Yeda Linhares, mais que os ingleses, foram os portugueses que introduziram um governo indireto pela destribalização, onde as tribos passariam a constituir a peça fundamental da colonização no continente africano. Muitos dos conflitos que se acredita que tenham raízes internas, na verdade, são fruto da cobiça internacional, que acabou gerando, inclusive, uma certa tolerância das grandes potências com o colonialismo português na África. Condenado, assim, por sua política colonial, Portugal fez com que suas colônias se tornassem uma área de especial interesse para o capital internacional, por conta de sua própria debilidade econômica, abrindo seus domínios para que companhias estrangeiras investissem na produção e na infraestrutura. Tornou-se mais fácil explorar o petróleo, o diamante, o urânio, ou qualquer outra coisa, dentro de um contexto de luta e de fragilidade política. No entanto, os sistemas de colonização não são vias de mão única. Inúmeras foram as formas de resistências adotadas por diferentes grupos e sociedades que viveram sob a dominação colonial e que irão desembocar tanto nas lutas pela independência do Brasil, no século XIX, quanto nas lutas pela independência das colônias africanas, em sua maioria, conseguidas por meio de revoluções na segunda metade do século XX. A dicotomia tradição e modernidade, entendida como as estruturas das principais sociedades ocidentais, é marcadamente uma característica que persiste nas sociedades que se configuram no contexto do colonialismo europeu da segunda metade do século XIX. A artificialidade das fronteiras e dos povos des-territorializados e re-territorializados, em vários momentos, não poderia produzir movimentos diferentes. A característica multi cultural produziu um estado multinacional. Pensar o Estado Moderno sobre as bases de uma profunda diversidade cultural que se manifesta em diferentes línguas, costumes, tradições, implica em buscar uma saída que não seja a da incorporação forçada. Se o projeto de Estado em países africanos, como Angola, por exemplo, é permeado pela necessidade de sua inserção no universo jurídico-político, como pensar instituições liberais-democráticas num contexto de pluralidades, de interesses e tradições que, muitas vezes, não guardam nenhuma relação com o todo? Penetrando nas amplas teias culturais que configuram a angolanidade, pensamos que a identidade é tragada pela diferença e cada um de nós deve ser apenas uma diferença entre outras. Podemos dizer que um dos pontos-chaves do multiculturalismo é a questão da diferença. Ela é, antes de tudo, uma realidade concreta, um processo humano e social que os seres humanos empregam em suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no processo histórico. O multiculturalismo também nos lança problemáticas como a do lugar e dos direitos das minorias, o problema da identidade e de seu reconhecimento. Estas questões se interligam, sem se sobreporem, e apresentam reivindicações das minorias defendendo direitos políticos e sociais dentro de um Estado Nacional. Além disso, o multiculturalismo pode privilegiar sua dimensão especificamente cultural, ao concentrar-se em reivindicações de grupos que não têm, necessariamente, uma base objetiva étnica, política ou nacional. Esses movimentos sociais são estruturados em torno de um sistema de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sentimento de identidade ou pertença coletivo: igualdade versus diferença está no cerne das discussões multi culturais. A igualdade alimenta a utopia universalista. Os defensores da diferença objetam que a igualdade, assim como o universalismo, nada mais são que um grande equívoco. Aliás, são exatamente a igualdade formal e um acesso mais universalizado ao espaço público que estão, em parte, ligados a origem dos atuais conflitos multi culturais. No período colonial africano, violências e resistências formam o painel de anos de exploração de riquezas, de produção de determinados discursos de verdades que, ainda hoje, provocam muitos imaginários e classificam a África como o reino da pobreza, a-histórica, sem culturas, instalada num corpo periférico, não como poder régio, mas como súdito, seja de Portugal ou das modernas economias globalizadas do mundo contemporâneo. As preocupações multiculturais nos apontam que é preciso estudar o poder fora do modelo do Leviatã, definido como campo delimitado da soberania jurídica do Estado Nacional. É preciso analisar, também, as técnicas e táticas de dominação que transitam no seio da própria sociedade. Segundo José Octávio Van-Dunem, na própria luta anticolonial,

talvez a ausência de uma formação social ampla de síntese esteja relacionada com os principais acontecimentos da história recente de uma Angola com a formação de vários movimentos de libertação e os conflitos entre eles que resultaram na longa guerra civil.

 No Continente Africano, nem sempre ajudas internacionais resolvem os problemas dos países. Na década de 1980, a África subsariana recebeu cerca de 83 milhões de dólares. No mesmo período, o padrão de vida caiu de cerca de 1,2 por cento ao ano. Muitas vezes, as doações são aproveitadas por governos ditatoriais que as usam para guerras, compra de votos e não investem em programas sociais e educacionais. Capitalismo não é feito somente com dinheiro, mas com investimentos no capital humano. Diante desse quadro, discutir as relações entre Estado e Sociedade é de fundamental importância no mundo africano. Como muitos países do continente, mesmo depois de descolonizados politicamente, passaram por muitos anos de guerras civis, esses problemas se apresentam até hoje. A guerra em Angola, em seus mais de trinta anos, segundo dados do Banco Mundial de 2001, acarretou para os angolanos o despojamento de seus direitos fundamentais como alimentação, educação e saúde. Os desafios da pacificação a partir de 2002 deixaram em aberto a necessidade da criação de programas sociais, de investimentos na formação de quadros político-administrativos e acadêmicos, de valorização de políticas públicas preocupadas com o redimensionamento dos direitos políticos e sociais e, principalmente, que se reflitam sobre a qualidade de vida nas cidades. O debate sobre cidadania é pertinente para todo o mundo e, sem dúvida, para o continente africano. Cidadania, liberdade de expressão e respeito às diferenças são ferramentas importantes para uma melhor relação entre Sociedade e Estado. A cidadania se constrói com informação, com educação, com oferta de trabalho digna, com respeito aos direitos humanos, com participação política. Continente, assim, tratado como único, esquecido de suas diferenças, acentuado em suas mazelas, enfrentou outra força importante na desvirtuação de suas reais condições. Concomitante ao processo de lutas revolucionárias pelas independências das antigas colônias que se estabeleceram na África, outra luta buscava reconhecer os discursos que legitimavam e naturalizavam a dominação, para desconstruí-los. E foi neste quadro por uma Nova Ordem Informativa Internacional, de luta por uma mídia mais democrática e plural, que a revista Cadernos do Terceiro Mundo assumiu o papel de veículo contra-hegemônico e de criação de novos espaços de luta, agora, também informativos. O objetivo é olhar para aquelas “técnicas e táticas de dominação” tantas vezes não percebidas, que se consolidam, em seu aspecto discursivo, através da imprensa, e que forjaram uma África unificada em torno daquela legitimação. Resultado da inquietação sobre como e quais notícias chegavam à população, em uma América Latina, incluindo o Brasil da ditadura militar, em que o campo informativo restringia-se aos limites da censura e aos interesses das elites dominantes, Neiva Moreira, Pablo Piacentini, Beatriz Bissio e Júlia Constenla fundaram a revista, que teria um caráter independente, buscando informar sobre as lutas contra um imperialismo cada vez mais faminto e violento, contra sua opressão política e econômica. Criada na Argentina, em 1974, a revista Cadernos do Terceiro Mundo tem uma história que se confunde com a história das lutas sociais da América Latina, África, Ásia, Oriente Médio. Acompanhar suas publicações é vivenciar um mundo de rupturas, violência, desigualdades econômicas e sociais pelas quais passaram, e passam, todas aquelas regiões que serviram como espaço para exploração dos países capitalistas. Sua origem veio da própria bandeira levantada na Conferência dos Países Não-Alinhados, realizada em Argel, no ano de 1973, em sua percepção da importância de uma representação do então Terceiro Mundo que não se via na imprensa daqueles anos, em um mundo conturbado, de golpes na América Latina, que acabou impedindo que muitos dos jornalistas na cobertura da conferência não tivessem como voltar para seus países, de lutas contra o colonialismo e de desigualdades econômicas, sociais e informativas. Era preciso um novo jornalismo, diferenciado, que desse voz àqueles que não encontravam seus espaços para falarem daquilo que estava mais que vivo, nas lutas. Nas palavras do próprio Neiva Moreira,

Já em Argel havia conversado com jornalistas africanos, árabes e asiáticos sobre essa situação. Discutimos, fundamentalmente, a nossa apatia — dos profissionais da comunicação — frente ao desafio de articular meios para oferecer aos nossos povos uma informação alternativa que fosse verdadeira e confiável. Lançamos Terceiro Mundo em setembro de 1974, em Buenos Aires. Dirigentes operários, embaixadores, intelectuais, jornalistas, políticos, deram seu apoio àquela aventura quixotesca de um pequeno grupo de jornalistas que pretendia enfrentar, com uma publicação alternativa, o poder das multinacionais da comunicação.

Fundada em Buenos Aires, publicada em espanhol com o título Cuaderno del Tercer Mundo, deixando implícito sua luta contra as ditaduras que se instalavam no continente sulamericano, somente publicou nove números na Argentina, tendo que fugir diante das ameaças de morte sofridas por seus jornalistas. Mas, a ideia se manteve e foi além. Tendo à frente Neiva Moreira e Beatriz Bissio, o projeto da revista foi retomado no México, em 1976, onde se encontravam muitos dos que haviam sido obrigados a deixar o Brasil da ditadura militar, dividindo seu escritório com Theotônio dos Santos e com Betinho, e de onde partiam para suas viagens ao continente africano e ao Oriente Médio. Antes do projeto fincar seus pés no México, seus jornalistas foram acompanhar o processo das independências de Angola e Moçambique, as últimas ex-colônias portuguesas no continente: um conflito que representou o palco de outro ainda maior, de disputas de um final de Guerra Fria e de interesses das potências hegemônicas. Nas próprias palavras de Beatriz Bissio, fundadora e diretora da revista, essa cobertura foi um momento difícil,

Vivenciamos uma situação dramática com Luanda sitiada pelos exércitos da África do Sul e do Zaire. Chegou um momento em que no hotel não tínhamos luz, água e a comida era escassa. De lá ouvíamos a artilharia.

 Nos mesmos anos em que foi criada a revista na Argentina e, depois, em sua mudança para o México, anos esses tumultuados em muitas partes do mundo, no Brasil, surgiam movimentos buscando conhecer uma realidade diferente daquela só apresentada na sua miséria, na escravidão, na visão do colonizador, pela mídia em geral. Havia pouca informação sobre o continente e, quando a tinha, era transmitida de uma maneira estereotipada. Assim, era preciso estimular a realização de pesquisas e discussões sobre a questão racial no Brasil e conhecer mais sobre o continente africano, em iniciativas nas diferentes regiões do país. Não há dúvida de que a busca de uma África livre dos estereótipos dos animais selvagens e da miséria foi importante para a consolidação dos movimentos negros a partir dos anos 1970 em nosso país. Além disso, esse esforço foi fundamental para fazer frente ao eurocentrismo impregnado nas concepções de mundo das sociedades ocidentais, ainda que não houvesse uma visão unânime positiva sobre a “Mãe África”. A circulação da revista, nesse ambiente mundial conturbado, se confrontava com duas questões conflituosas. Fundada no período ditatorial brasileiro, fora do território nacional, por jornalistas exilados, portanto, com sua penetração no país cerceada pela censura do regime. Ao mesmo tempo que publicava as notícias das lutas de libertação e reconstrução dos países africanos, lutas essas que eram reconhecidas pelo governo militar do general Ernesto Geisel. Mas, qual tipo de informação era passada para o público brasileiro pela imprensa que aqui estava, dentro de um regime de censura? Como era noticiada a vitória do MPLA, apoiada pela então União Soviética e por Cuba, inimigos ferrenhos da ideologia militar autoritária? No dia 11 de novembro de 1975, data acordada entre Portugal e os movimentos de libertação angolanos, foi declarada a independência de Angola e o Brasil, então sob a presidência do general Ernesto Geisel, reconhecia o governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que, como dito, representava a facção apoiada pela União Soviética e por Cuba. Esse reconhecimento se deu dentro das alterações nas diretrizes da política externa brasileira propostas pelo presidente Geisel, em que, no bojo do chamado Pragmatismo Responsável e Ecumênico, se destacava uma política de aproximação com a África e, portanto, de apoio ao processo de descolonização em curso no continente, envolvendo, também, a aproximação com os países árabes detentores do controle do petróleo, que apoiavam aquelas lutas. Neste contexto entre a necessidade de apoio às decisões da política exterior da ditadura militar brasileira e a busca de pela resolução de questões internas, em grande parte, consequentes das crises internacionais do petróleo, e em torno de construir um novo papel no sistema internacional, as disputas se deram, também, entre as informações construídas objetivando à formação de uma opinião pública favorável. Sem entrada direta da Cadernos na sociedade brasileira, o acesso a um jornalismo mais crítico sobre as lutas de descolonização esbarrava nos limites de uma grande imprensa que reproduzia as informações deturpadas e/ou incompletas, tendo sua origem nas agências internacionais de notícias hegemônicas. Porém, os movimentos de resistência também se dão por outros caminhos, até por aquela distribuição clandestina que permite que alguma forma de acesso fosse possível e que possibilitou que a revista conseguisse algum tipo de penetração no território brasileiro. Milton Santos destacava o papel da informação na sociedade globalizada, gerida de forma manipulada, onde a mídia é uma parte importante da estratégia dos grandes conglomerados de negócios e criadora dos mitos e símbolos, base de um efeito, na verdade perverso, do fenômeno global. Em um tempo de notícias encobertas, informações sonegadas, a revista Cadernos do Terceiro Mundo permitiu que a história das lutas contemporâneas do continente africano chegasse até um público também em luta pela sua liberdade, dentro de uma ditadura militar travestida de legítima e democrática no seu discurso, mas que investiu, ainda mais, na segregação econômica e social. Muitos dos estudantes, intelectuais e ativistas dos movimentos sociais tiveram contato com a revista, que tinha uma distribuição, inclusive, nos países africanos, em Portugal, Inglaterra, Estados Unidos e tantos outros, permanecendo como símbolo, para muitos, da luta pela igualdade também no fluxo de informações, em si mesmo, um instrumento de luta política. O continente africano não pode ser mais “falado pela mídia” como o continente do trágico, da fome, da SIDA, das sociedades tribais em conflitos, do terrorismo. O desenvolvimento de muitos países, não só no campo econômico, mas em outras áreas, está presente no mundo atual. África do Sul, Angola, Cabo Verde, Nigéria, Moçambique, sem falar no Egito, Marrocos, Líbia e tantos outros, são países que, como qualquer outro europeu ou americano, convivem, ao mesmo tempo, com sucessos e problemas. Acreditamos que uma nova geopolítica deva ser organizada por determinadas regiões do mundo que foram exploradas por um colonialismo predador que estimulou preconceitos e estereótipos sociais, além de ter explorado matérias-primas e mão-de-obra. Ele enfrentou e enfrenta grandes questões internas com ressonâncias externas. Muitos de seus países devido, principalmente, a existência de muitos recursos minerais e da geopolítica de sua especialização, têm atraído o interesse de diversas potências estrangeiras até os dias de hoje. Os media “contam” suas histórias, depois as fazem esquecer. Mas, nem sempre são esquecidas. Quem não se lembra de Biafra, de Ruanda, do apartheid da África do Sul, hoje envolvida em xenofobismos contra imigrantes moçambicanos, da Somália, do Quênia e outras tantas histórias? Petróleo, diamantes, tráfico de armas hoje, mais do que nunca, são moedas de troca e de poder num universo onde a relação entre tradição e modernidade vai se deteriorando cada vez mais em prol da inserção dos países africanos neste mundo globalizado de consumo. De um modo geral, esta mídia trabalha com simplificações, o que normalmente acontece na cobertura das agências de notícias, quase sempre europeias ou norte-americanas, que repassam as informações tanto aos jornais e revistas, quanto a TV e mesmo a internet. Uma simplificação que tem mais a conotação de descontextualizar aquela história, plasmando toda uma diversidade em um único estereótipo de atraso. Sem dúvida a mídia, atualmente, elege regiões de suas preferências para emblemar o continente somente com imagens de atraso, e por um curto período de tempo nos noticiários. Acima de todas as diversidades existentes neste continente, pois muitas são as Áfricas, todo o restante do mundo tem muito a aprender com suas culturas milenares, sua produção artística, a variedade de seus ecossistemas, pois como dizia o historiador Ki-zerbo, “é na África que a humanidade começou”. Podemos finalizar esse olhar para essas muitas Áfricas com a entrevista de Samora Machel, publicada na primeira edição brasileira da revista Cadernos do Terceiro Mundo, em junho de 1980, na volta do exílio de Neiva Moreira e Beatriz Bissio, que deu uma visão clara da criação do estereótipo do africano como exótico, atrasado, primitivo, e de como ele quer e deve ser visto.

A questão essencial quanto à ofensiva desencadeada a que ela é uma parte integrante da luta contra o sistema deixado pelo colonialismo em Moçambique. É uma parte da luta. É a continuação da luta armada de libertação nacional. Primeiro era a luta contra o colonialismo fisicamente instalado ao nível econômico, ao nível político, ao nível cultural, ao nível administrativo e ao nível das mentalidades. A nossa ofensiva não é contra indivíduos. Ela também não é para corrigir o nosso sistema, que nós escolhemos como via de desenvolvimento do povo moçambicano e da construção da pátria moçambicana. A nossa ofensiva é contra a estrutura deixada pelo colonialismo, é contra a mentalidade e métodos de trabalho ainda existentes. Em fevereiro de 1976 nós declaramos guerra contra o aparelho colonial. Nós falamos da desestruturação colonial e nós somos claros em relação a estas coisas.

(…)

Sociedade socialista significa o bem-estar de todos. (…) Mas os nossos amigos do Ocidente dizem que se nós andarmos bem vestidos, se nós fizermos a barba, se nós tivermos uma casa condigna, perderemos as características africanas. Sabem quais são as características africanas: Usar pele, tanga, capulana atravessada, um pau na mão atrás na mão atrás do rebanho, ser magrinho com costelas para contar uma a uma, ferida nos pés, nas pernas, com uma folha de cajueiro a tapar a ferida que vai gotejando, matacanha nos pés – este é o africano. Para eles são as características dos africanos. Então, quando os turistas vêm aqui, procuram este africano vestido desta maneira. Porque este é o “real africano”. Agora encontram-nos vestidos de balalaica, calçados – já não é africano. Não tiram fotografia. Para eles é preciso que a África não tenha barragens, pontes, estradas, fábricas de tecidos para confeccionar roupa para os homens e senhoras, roupa para as crianças. Fábrica de calçado de luxo? – Não, o africano não merece isso. Ter uma casa com piscina, um hotel de luxo? Não, já não é para africanos.

 *Professora Associada do Departamento de História de la Universidad Estadual de Rio de Janeiro e coordenadora geral del LPPEIFCH?UERRJ** Coordenadora do projeto “Cadernos em Memória”, do LPPE-IFCH/UERJ.   Referências bibliográficas Acervo da Revista Cadernos do Terceiro Mundo.
VAN-DÚNEM, José Octávio. S/ título. Texto mimeo.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e Crise do Capitalismo real. São Paulo, Cortez, 1995. LINHARES, Maria Yeda. História Geral do Brasil. 7 ed. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1996.
MÉSZAROS, István. Para além do capital. São Paulo, Campinas, UNICAMP, 2002. SANTOS, Edna Maria dos. Memória, Representações e Relações Interculturais. Rio de Janeiro, Intercon-UERJ, 1998. SANTOS, Edna Maria dos, FREITAS, Jacqueline Ventapane, OLIVEIRA, Pedro Araújo. CD-ROM Cadernos do Terceiro Mundo. Rio de Janeiro, LPPE/UERJ, 2008.  


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gabriel Farias

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