Dias sombrios nos esperam. O que esperar de um judiciário que é o mais caro do mundo? O que esperar de um legislativo que é o mais caro do mundo?
Paulo Cannabrava Filho*Desde os tempos coloniais, passando pelos tempos em que isto aqui foi reino e império, atravessando a república dos coronéis dos latifúndios até a nova e a novíssima República, advogados e juízes foram formados para defender o status quo e ser parte do poder dominante. Com relação ao legislativo, casual ou estrategicamente, este é o pior da história da política brasileira, seja com relação ao nível intelectual (lembram da sessão que aprovou o impedimento da presidenta?), mas principalmente com relação às questões morais. Entrar no judiciário ou na política é projeto de ascensão social, enriquecer a custa do erário. Da classe média às hostes oligarcas dos poderosos. Deslumbrados com o poder e a exposição midiática perderam o senso, se crêem acima do bem e do mal, deuses salvadores da pátria.A justiça vale para uns e não vale para outros. A ação ilegal repercute na mídia para uns e é silenciada para os demais. Exemplo: 600 mil presos no Brasil, mais de 50% sem julgamento. Outro exemplo: no lugar de punir pessoas estão punindo empresas, provocando desmontagem de formidáveis parques industriais, jogando fora esforço de desenvolvimento tecnológico, deixando um saldo de desemprego em massa, como está ocorrendo principalmente no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. A insegurança jurídica se tornou um fantasma para os empresários, para os investidores. Em que país um processo leva dez anos para proferir uma sentença? E os custos advocatícios que isso implica?Diz a ONU que com esse congelamento das despesas por 20 anos, decretada por Temer, as futuras gerações é que estão condenadas. É certo. No momento apenas sobrevivemos, mas só no curtíssimo prazo, pois estão desmantelando o país, vendendo tudo na bacia das almas: terras, minérios, petróleo, água (o mais valioso bem), infraestrutura, espaço aéreo, soberania... As futuras gerações comerão capim ou engrossarão as filas de imigrantes ou de refugiados.
Vergonha alheia
Pesquisa Nacional IPSOS de março de 2017 indica que 78% da população desaprova o atual governo e que, para 90% o Brasil está no caminho errado. Lula não é unanimidade com 59% de desaprovação. Contudo, é o que tem o mais alto índice de aprovação entre os políticos. Os que têm as mais altas taxas de aprovação são os juízes de alta exposição na mídia: Moro 63%, Joaquim Barbosa, 51%.Essa pesquisa é bem anterior ao escândalo da lista do juiz Edson Fachin: 98 pessoas sendo 8 ministros, 24 senadores, 39 deputados, três governadores, inclusive o santo que governa São Paulo, Geraldo Alckmin. Isso só na lista da Odebrecht. E há outras listas, como a lista de Janot e de outros processos, envolvendo as outras empreiteiras como a Camargo Correia, Andrade Gutierres...Não sobra ninguém. Com exceção de Itamar Franco, todos os que ocuparam a Presidência da República: Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma. As vestais de todos os partidos: Aécio Neves, Romero Jucá, José Dirceu, Aloysio Nunes (atual chanceler), José Serra (ex chanceler), Palocci...Michel Temer, presidente de turno, por estar presidente não pode ser investigado por crimes anteriores ao mandato. É Lei. Não escaparia pois são muitos os seus crimes, assim como os dos presidentes da Câmara e do Senado.Depois dos vazamentos ilícitos o juiz tornou públicas as delações dos 78 executivos da Odebrecht. As perguntas que não se pode calar: Como é possível que processos que correm em segredo de justiça se tornem públicos? Quem são os responsáveis? Na realidade o que houve foi que jogaram um balde de merda no ventilador. Com que intenção?Nessa fase, valendo ainda a presunção de inocência, tudo permanecerá como está. O próprio Temer disse que no governo não haverá mudança até que provem que há culpa e haja condenação. Pior que isso, Temer afirma que a ofensiva pelas reformas (leia-se maldades) prosseguirá.São reformas todas muito polêmicas, como da previdência e a das normas do trabalho. Que moral tem esse governo para conduzir essas reformas? Num país sério com judiciário a serviço da nação, todos esses atos deste governo espúrio, seriam declarados nulos. Haverá ainda condições que declarar nulidades dos atos de Temer? Quanto tempo levará o judiciário para analisar tantos processos? O processo sobre o pedido de anulação da eleição da dupla Dilma e Temer, por exemplo, só agora, passados quatro anos, quando já deposta a presidenta e em véspera de novas eleições é que está chegando à fase de julgamento. Sensação de enorme perda de tempo. Mas não será talvez este, ou seja, as futuras eleições o que move o ventilador?Senão, qual o propósito de tamanho escândalo aproveitado pela mídia?Estará o judiciário tramando a tomada do poder? Rompida a linha sucessória –vice-presidente, presidentes da Câmara e do Senado- cabe ao presidente do Supremo assumir o governo. Na história deste nosso país o judiciário sempre esteve, mais que conivente, presente nos golpes de Estado, governando interinamente ou validando juridicamente a ilegalidade.
É preciso recuperar a segurança jurídica
É incrível. Somente agora, menos de um mês da lista de Fachin, quando não dava mais para esconder as barbaridades cometidas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, em função das outras listas, um supremo juiz admite que “não é correto fazer das ações da justiça espetáculo, que o abuso do poder gera insegurança jurídica”. E é de pasmar! o supremo ministro é o presidente do Tribunal em que se move o Fachin, provocando escândalo maior ainda.Insegurança jurídica, incerteza política, tudo leva a nação a um surto psicótico: depressão, medo, paranóia, raiva contida, ódio ao outro, pânico...O supremo juiz pôs o dedo na ferida mas, já não consegue estancar a sangria. Tardia manifestação.Com a conivência da suprema corte é que juízes, delegados e agentes federais têm desrespeitado as Leis, violado os direitos fundamentais garantidos pela nossa legislação e tratados internacionais. Arvorados em salvadores da pátria, os juízes já se crêem acima do bem e do mal. Nunca deveriam ter permitido que o mal se impusesse, menos ainda que se alastrasse, se incrustasse contaminando toda instituição. Essa insegurança jurídica já é ameaça à estabilidade do Estado à segurança da Nação.Como recuperar a credibilidade da Justiça, condição que assegura a segurança jurídica?Creio que a responsabilidade é de toda a sociedade. Deve haver um movimento que envolva a população em torno dessa bandeira. A bandeira do respeito às Leis, da garantia dos direitos humanos. Os que entendem de leis é que devem iniciar esse movimento: mais que os advogados, todas as pessoas envolvidas com a advocacia, dos cursos de direito aos conselhos profissionais. Advogados com apoio da sociedade civil num movimento para devolver dignidade à Justiça.Nós sabemos que os juízes foram formados para defender as instituições do Estado, a propriedade privada, as leis que asseguram o funcionamento do capitalismo e do Estado democrático pensado pelos que aprovaram a Constituição de 1988 – a Constituição Cidadã. Para que funcionem as instituições e o próprio capitalismo é preciso Segurança Jurídica.Parece até que resolveram acabar com o capitalismo. Oxalá assim fosse se tivéssemos alternativa de construir outro modelo de Estado, um estado socialista em que não houvesse mais exploração de um ser humano por outro. A realidade, no entanto, é que tampouco admitem outro modelo.O certo é que enquanto a nação se distrai, mais uma das bacias de Campos e de Santos do Pré-sal foi posta em leilão. É a quarta chamada aos investidores. Na terceira quem levou foi a francesa Total. Quem levará esta?
A que serve a insegurança jurídica?
Serve à estratégia de implantação do caos que vem sendo executada pelo Império, quer dizer, pelos Estados Unidos e o conglomerado dos senhores de todas as guerras e de todas as fortunas. Serve ao pensamento único imposto pela ditadura do capital financeiro. Ou é a ditadura do pensamento único imposta pelos senhores donos do mundo?A estratégia do caos tem como objetivo a dominação de um país. Passa pela desestabilização política e pela desorganização da produção com a finalidade de impor as leis que melhor lhes convém e se apropriar das riquezas naturais e do mercado. Ajuda a entender o que está ocorrendo no país, e a quem serve a Insegurança Jurídica e a estratégia de implantação do caos, ler o livro de John Perkins, “Confissões de um Assassino Econômico”, da editora Cultrix. Para ter um ideia disso pode ler a matéria publicada por Diálogos do Sul sobre a atuação do “assassino econômico” no Equador nos dias de hoje, repetição do que acontece na Argentina e no Brasil, aconteceu no México, no Peru e está no auge na Venezuela.Essa estratégia de implantação do caos para a dominação requer a eliminação da concorrência. Quando eles não conseguem implantar o caos por meio de seus agentes qualificados e os servos nacionais, apelam para a guerra, invadem o país como fizeram no Iraque, na Líbia entre outros.Tomemos o Iraque como exemplo. Lá o petróleo era estatal e os recursos serviam para o desenvolvimento econômico e social. Como não conseguiram desestabilizar o governo, invadiram, destruíram o país, mataram e/ou anularam as lideranças, implantaram o caos. As empresas brasileiras que participavam da construção da infraestrutura tiveram que sair por causa da guerra. Assim também as empresas de alimentos. Destruído o país entraram as empresas estadunidenses para a reconstrução e para o abastecimento. O petróleo agora, de ninguém, é saqueado pelas transnacionais. Assim de simples. Pior ainda é o que ocorreu na Líbia, nem o Estado sobrou. Ou o que ocorre no Afeganistão. A mesma estratégia de implantação do caos que está sendo aplicada na Síria.Gente: o que está em jogo aqui no Brasil é a Soberania Nacional.São Paulo, abril de 2017*Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor chefe da Diálogos do Sul.*Ilustrações Vitor Teixeira.
Meus amigos, minhas amigas, minhas leitoras, meus leitores, companheiras, companheiros: numa segunda-feira em que eu teria todos os motivos para escrever os versos mais tristes (como, aliás, tem sido a experiência de todos democratas do Brasil sob o atual governo fascista), eis que recebo a notícia da entrevista de Peter Lownds a Eric A. Gordon, no People’s World.
Esclareço desde já: o tradutor Peter Lownds é escritor, poeta, ator (trabalhou em Kramer versus Kramer, por exemplo), amigo de juventude de Jack Kerouac. E uma pessoa de simpatia a toda prova, até de mim. Eric A. Gordon é escritor, editor, militante e camarada, tradutor de nove livros de ficção de Álvaro Cunhal, que publicava romances sob o pseudônimo de Manuel Tiago. E como se não bastassem tais referências, Eric A. Gordon foi a pessoa que tornou possível a publicação do meu romance na International Publishers.
Na entrevista que ele faz com Peter Lownds, recorto os trechos que falam direto de “A mais longa duração da juventude”. A seguir.
A International Publishers acaba de lançar Never-Ending Youth, um recente romance do escritor nordestino Urariano Mota, na tradução de Peter Lownds.
Capa da versão em inglês do livro A mais longa duração da juventude
People’s World sentou-se com Peter Lownds para explorar como e por que ele se envolveu com este projeto.
Peter: Urariano Mota escreve sobre a ditadura em Never-Ending Youth. Uma das coisas que me atrai para o romance é que o autor fala de suas raízes, da perda de sua mãe na infância, de sua bebida, de sua ascendência mestiça, de sua sobrevivência em um trabalho humilhante, ajudando camaradas que corriam perigo, que dependiam dele para comer e abrigo.
Urariano, como muitas pessoas do Nordeste do Brasil, é uma fascinante mistura de dureza e ternura. Essa mistura permeia sua prosa. A fome, os tempos difíceis, mas acima de tudo, a aceitação dos caprichos e paixões de outras pessoas como expressão de sua humanidade, particularmente sob pressão. A Camaradagem foi além da política de lealdade partidária em Pernambuco, durante os anos de guerra civil não declarada, mas real, e de luta clandestina sobre a qual Urariano Mota escreve. Em nenhum lugar isso foi mais evidente do que nos mocambos, nas favelas que cercam o Recife e Olinda. Essa foi a minha introdução biográfica à violência da vida cotidiana no Brasil.
As pessoas que comprarem o Never-Ending Youth terão uma noção da serendipidade, a descoberta inesperada e feliz de nossa colaboração, em teu ensaio prefácio, Eric, na tua capacidade como meu editor do People’s World, e como revisor deste livro, e também do ensaio de José Carlos Ruy e meu prefácio. O autor, Urariano Mota, me enviou um PDF de seu romance em um momento em que a COVID-19 mundial “abrigava”, tinha entrado em vigor e as vacinas ainda não estavam disponíveis. Tinha quase 300 páginas e pensei para mim mesmo: “Esta será uma boa maneira de passar as horas”.
Mas havia outra atração, ainda mais forte – o mundo que ele estava descrevendo era um mundo de que eu me lembrava e com o qual me importava. Minha visita do Corpo da Paz no Recife e Olinda terminou em 1968, e eu voltei para visitar as cidades em 1969, ano em que o romance começa com o encontro de dois amigos em frente a um ponto de referência do Recife que eu frequentava, o Cinema São Luiz, especialmente pelas manhãs dos sábados, quando eram exibidos filmes franceses da Nouvelle Vague e italianos. Como isso acabou, o mesmo aconteceu com Urariano. Essa foi apenas uma da série de circunstâncias que me atraíram para o Never-Ending Youth. Outras eram o fato de que o autor era um homem mais velho olhando para sua vida, um poeta e fã de jazz que tinha tido uma infância traumática. Todas essas coisas que compartilhamos, apesar do fato de nunca termos nos conhecido nem ouvido falar um do outro. Você vê o que quero dizer com serendipidade.
Foto: Jorge Vismara, no site People´s World Tradutor Peter Lownds e a versão em inglês Never-Ending Youth
Eu ainda não conheci Urariano. Nunca conversamos por telefone ou mesmo com o Skype. Mantemo-nos em contato por e-mail. Enviei-lhe capítulos do meu trabalho em andamento e ele parecia geralmente satisfeito com eles. O trabalho de um tradutor varia de livro para livro. Com o Never-Ending Youth, eu na verdade aprendi muito com você, Eric, pois você revisou várias provas do livro.
Eric: Fiquei feliz em ajudar você e a International Publishers, neste livro. A propósito, só para ser claro, também peço ajuda para o meu trabalho. É sempre bom ter outros olhos em seu trabalho para torná-lo mais forte.
Peter: Os personagens de Urariano são comunistas jovens. São membros de grupos de estudantes que se encontram e formam células clandestinas onde são doutrinados com resumos mimeografados das teorias de Marx, Lênin e Mao Tsé-Tung. Alguns deles foram ou estão em perigo de serem “expulsos” da vida como terroristas urbanos. É o caso do novo amigo do narrador, Luiz do Carmo, e outro militante, Vargas, que tem uma esposa grávida e parece pronto para o martírio pela causa.
Vargas foge de um famigerado agente duplo e sucumbe à caça às bruxas. O mesmo se aplica a Soledad Barrett, uma beleza paraguaia de ascendência anarquista que treinou guerrilha no tempo de Fidel e Che em Cuba, e vem ao Recife para ser surpreendida e conhecer o seu terrível destino. O romance está cheio de agitação e incidentes. Os jovens entram e saem do amor, obcecados por sexo, percebem que são sonhadores sem armas ou uma ideologia convincente e cuidar de suas vidas. Eles ficam deprimidos, famintos por comida e reconhecimento, vão ao cinema, leem livros, discutem sobre música e escrevem poesia. Eu conheci pessoas assim no Recife.
O livro em português pode ser encontrado nas grandes livrarias brasileiras e sites de venda.
Eric: Isso parece tão semelhante às minhas próprias experiências no movimento estudantil antiguerra, antisserviço militar obrigatório nos Estados Unidos, ao mesmo tempo, sob o regime de Nixon. Acredite, no livro eu me reconheci a mim mesmo e ao meu próprio círculo de camaradas e amigos na inexperiência e confusão; e na deriva ideológica daqueles anos.
Peter: As mesmas coisas estavam acontecendo em muitos lugares ao redor do mundo naquela época. Em 1969-70, dei aulas na Escola Americana do Rio, e as coisas tinham mudado. Ninguém fora da comunidade americana falava comigo porque eu tinha toda aparência de um agente da CIA – “branco, masculino e Yale!”. Traduzir Never-Ending Youth me deu a oportunidade de conhecer e me envolver com meus semelhantes revolucionários todos esses anos mais tarde. Eu tive o prazer dessa experiência, mais do que posso realmente expressar em palavras. Eu creio que os leitores do livro sentirão o mesmo, e muitos por suas próprias razões subjetivas.
Eric: Obrigado, Peter. Acredito que os leitores terão uma ideia muito melhor do que esperam, quando envolverem com suas mãos este novo lançamento da International Publishers.
Urariano Mota | Portal Vermelho
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