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#JaneiroVermelho: Indígenas ocupam as ruas do País para protestar contra Bolsonaro

Segundo as lideranças indígenas, "as mobilizações fazem parte de uma ampla campanha nacional que deverá ocorrer ao longo de 2019"
Redação Amazônia Real
Amazônia Real
Manaus

Tradução:

Em cidades e aldeias, povos indígenas de várias partes do País realizaram nessa quinta-feira, dia 31 de janeiro, uma série de ações em protesto contra as ameaças aos seus direitos constitucionais. Em 1º de janeiro, em seu primeiro ato administrativo, o presidente Jair Bolsonaro assinou a Medida Provisória 870, que transferiu a competência pela demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura, pasta comandada agora por uma ruralista. O órgão indigenista, criado em 1967, foi esvaziado e perdeu ainda a atribuição de decidir sobre licenciamentos que impactam os territórios tradicionais.

Batizada de #JaneiroVermelho, a mobilização faz parte de uma ampla campanha nacional que deverá ocorrer ao longo de 2019, segundo as lideranças indígenas ouvidas pela agência Amazônia Real. Nas mobilizações, foram erguidas faixas e cartazes com frases como “Demarcação Já”. Os indígenas, com rostos pintados de urucu e jenipapo, mostraram seus cantos de resistência e gritos de guerra. Na maioria dos atos, receberam solidariedade e apoio da população.

“Não vamos aceitar que os donos do agronegócio entrem em nossas terras para fazer exploração, destruir o sagrado que a natureza nos oferece, essa foi nossa primeira mobilização nacional”, afirmou Sonia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entidade que liderou a convocação do movimento, e ex-candidata a vice Presidência da República na chapa de Guilherme Boulos (PSOL). Segundo ela, houve mais de 50 atos nacional e internacionalmente. “Foi apenas a primeira mobilização”, disse Sonia, que participou do ato em Brasília.

Internado no Hospital Israelita Albert Einstein para procedimento cirúrgico, o presidente da República, Jair Bolsonaro, não comentou sobre o protesto dos indígenas no Brasil. Na Justiça, vários etnias ingressaram com ações para suspender os efeitos da MP 870 sobre as demarcações das terras. 

Segundo a Apib, o ato nacional “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais!” ocorreu em pelo menos 22 estados, no Distrito Federal, além de oito países, dando visibilidade internacional a essa causa. Por coincidência, nessa quinta-feira foi anunciado em Madri, na Espanha, que a agência Amazônia Real ganhou o Prêmio Rei da Espanha de Meio de Comunicação de Maior Destaque da Ibero-América.

Nada mais simbólico do que, nesse dia de luta dos povos indígenas, fazer jus a uma das mais importantes premiações do jornalismo mundial. Pela primeira vez, a agência Amazônia Real realizou uma extensa cobertura online pelas redes sociais com as participações dos seguintes profissionais:  Catarina Barbosa, Moisés Serraf e Pedrosa Neto, em Belém, Fábio Zuker, em Santarém (PA); Nayra Wladimila e Yolanda Mêne, em Boa Vista (RR); Bianca Andrade, em Macapá (AP); Ana Aranda e Marcela Bonfim, em Porto Velho (RO); Freud Antunes, Talita Oliveira e Janaína Christina, em Rio Branco (AC); Erisvan Guajajara, em Santa Inês (MA); Eduardo Nunomura, em São Paulo (SP); e Alberto César Araújo, Elaíze Farias e Kátia Brasil, em Manaus (AM).

Segundo as lideranças indígenas, "as mobilizações fazem parte de uma ampla campanha nacional que deverá ocorrer ao longo de 2019"

Foto: Erisvan Guajajara/Amazônia Real
Primeira candidata indígena a vice-presidente, Sonia Guajajara afirma que esta foi apenas a primeira mobilização

São Paulo

Guarani estendem faixa vermelha na Avenida Paulista para simbolizar “nenhuma gota a mais”

Em ato pacífico, manifestantes pedem “Lula livre”, mas recebem em resposta “Lula preso” de eleitores de Bolsonaro

Por Eduardo Nunomura*

Espécie de ninho da “serpente” reacionária que tomou conta do País após as jornadas de 2013, a Avenida Paulista foi o local escolhido pelos Guarani nesta quinta-feira do #JaneiroVermelho. Uma faixa vermelha de 100 metros de comprimento foi estendida em frente ao Masp para deixar claro o recado do protesto nacional: “Sangue indígena: nenhuma gota a mais!”. “É um genocídio declarado”, resumiu a líder Sônia Aramirim, da Terra Indígena do Jaraguá. Segundo ela, o maior receio dos povos em São Paulo é a retirada dos povos tradicionais de seus atuais territórios.

A ameaça pode ser sintetizada no território indígena no Jaraguá, localizado na zona oeste de São Paulo, que foi reconhecido em 1987 com 1,7 hectare e já foi a menor TI no Brasil. Em 2015, o Ministério da Justiça assinou portaria declaratória atestando a tradicionalidade da ocupação Guarani em 532 hectares no entorno do Pico do Jaraguá. Mas, espremido pela especulação imobiliária e empurrado para as franjas da metrópole, o povo Guarani vive ameaçada por reviravoltas nos gabinetes oficiais, incluindo na própria Funai (Fundação Nacional do Índio), que perdeu suas funções no novo governo de Jair Bolsonaro.

Em São Paulo, mais de 70% das terras indígenas não foram demarcadas pela Funai, segundo Davi Karai Popyguá, líder também da TI Jaraguá. Para ele, Bolsonaro, a quem ele chama de “Bozo”, permitiu que ruralistas e mineradores fincassem um pé no governo. “O que ele fez foi extinguir a política indigenista no Brasil, que incomodava os poderosos.” O ex-senador e atual vereador Eduardo Suplicy (PT), que compareceu à manifestação pacífica, esses direitos são resguardados pela Constituição e “não podemos permitir qualquer retrocesso”.

O ato em São Paulo ocupou quatro faixas da Avenida Paulista a partir das 18h30. Aos indígenas se juntaram vários brancos, e muitos jovens até pintaram seus rostos e corpos para engrossar o protesto. Houve vários cantos Guarani, que aconteciam ao redor da faixa vermelha estendida na Paulista. No carro de som, logo no início das falas, foram ouvidos gritos de “Lula Livre” e críticas ao crime ambiental de Brumadinho, em Minas. Do outro lado da pista, a reportagem  da Amazônia Real ouviu motoristas e ciclistas retrucando com “Lula preso”. Mas não houve atritos.

Vieram índios das localidades: São Vicente e Mongaguá (litoral sul), Miracatu (Vale do Ribeira), Bauru e Votuporanga (Oeste Paulista), São Bernardo do Campo (ABC Paulista) e as Terras Indígenas do Jaraguá e Parelheiros, na capital. A maioria vive em situações instáveis, como os Guarani da aldeia Paranapuã, de São Vicente, que enviou um grupo de 35 indígenas para participar do ato no Masp. Desde 2004, uma centena de Guarani retomou uma área dentro do Parque Estadual Xixova-Japuí e resiste pelo direito de permanecer no local. “Com a perda da função da Funai, vamos ter de brigar ainda mais. Agora nossa luta é no Ministério da Agricultura, que está nas mãos dos ruralistas, os maiores inimigos dos povos indígenas”, diz Ronildo Uiramirim.

Ato dos indígenas na Avenida Paulista (Foto: Eduardo Nunomura/Amazônia Real)

Pará

No Pará, protestos incluem questões da saúde, educação e até venezuelanos

Ato na capital Belém vê como ‘ameaça viva’ à sobrevivência dos povos indígenas no Brasil após o decreto da MP 870 

Por Moisés Sarraf*

Lideranças de povos indígenas e movimentos sociais realizaram, na capital do Pará, ato que mirava o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai), mas acabou juntando outras demandas, como as questões de saúde, educação e a situação dos venezuelanos. “Em reunião, no Conselho Nacional de Saúde, o governo disse que vai tomar medidas para municipalização da saúde indígena por causa de corrupção. Mas por que isso existe? Porque são os próprios indicados pelos políticos que fazem isso”, protestou Ronaldo Amanayé, vice-presidente do Conselho Deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

“Assim como nossos ancestrais lutaram pra resistir, o nosso tema sempre é resistir para existir. Não simplesmente pela morte, mas pela invasão das terras e pela ação de missionários. Agora, nesse atual governo, isso se torna uma ameaça viva porque desmontou a Funai, passando a responsabilidade para o agronegócio”, criticou Eliniete de Jesus Fidélis, estudante de Medicina e liderança das etnias Baniwa e Baré.

O ato partiu do Teatro da Paz, na praça da República, e percorreu as ruas do centro da capital paraense no fim da tarde dessa quinta-feira, 31, unindo-se ao #JaneiroVermelho nacional. “Estamos felizes por contar com não-índios na luta”, afirmou Ronaldo Amanayé, da aldeia Ararandewa, no município de Goianésia do Pará, no sudeste do estado. “Somos os verdadeiros donos da terra, verdadeiros brasileiros, mas nesse governo somos os mais prejudicados. Demarcação já, saúde para indígenas, para que possamos sobreviver. Digo uma coisa: junte-se a nós! Para que possa ser esse um país de todos.”

A principal reivindicação dos indígenas na educação se refere à Bolsa Permanência dos indígenas. “A escola pública é para todos: indígena, ribeirinho, pobre. O ministro [da Educação, Ricardo Vélez Rodrigues] disse que é para a elite, mas a universidade pública é para todos”, declarou Virginia Arapaso, presidente da Associação dos Estudantes Indígenas da Universidade Federal do Pará. “Estamos juntos afirmando que essa luta é de todos contra essa conjuntura.” Na UFPA, há cerca de 180 estudantes indígenas, pertencentes a 40 povos indígenas de todo o Brasil.

Indígenas venezuelanos também participam da manifestação. A principal reivindicação da etnia Warao é a construção de um abrigo que possa receber os cerca de 530 indígenas que vivem na cidade. Hoje, a prefeitura de Belém garante abrigo para 100 venezuelanos. “Temos muito tempo pedindo ajuda para todos os indígenas, para que vivam bem, para que comam bem. Há crianças vivendo pela rua, há mulheres vivendo pela rua”, denunciou Fred Cardona, liderança dos Warao.

Lideranças indígenas reunidas na Praça da República, Belém. (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real) 

Maranhão

No Maranhão, lideranças dizem que “ato é o primeiro sinal de que vai haver resistência”

Indígenas leram uma carta na qual pedem ao presidente Jair Bolsonaro respeito aos direitos indígena

Por Erisvan Guajajara*

Ao som do maracá, cantos de resistência  e gritos de guerra, cerca de 450 indígenas da etnia Guajajara, Awa Guajá, Ka’apor, Tremembé e Gamela ocupou as ruas de Santa Inês, no Maranhão. O ato teve início às 8 horas na praça da rodoviária, com uma marcha que percorreu as principais ruas da cidade. Os indígenas carregavam faixas com os dizeres  “Demarcação Já”, “Pelo fortalecimento da Funai”, “Não à municipalização da Sesai”.

Marcilene Guajajara, da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão, afirma que o ato é o primeiro sinal de que vai haver resistência. “Estamos aqui unidos para defender os nossos direitos, queremos a Funai inteira e não pela metade”, disse ela. “Vamos pintar as ruas desse Brasil de urucum, para dizer que basta de tanto sangue indígena derramado, chega de nos matar.”

Outro que seguiu no mesmo tom foi o coordenador dos guardiões da Terra Indígena Caru, Claúdio Guajajara. “Vamos resistir até o último indígena parar de respirar, não vamos entregar nossas terras, não queremos que acabem com nossas florestas, com nosso povo, vamos resistir e vamos enfrentar o que for preciso”, disse o guardião. “Já resistimos há 519 anos, não vão ser quatros anos que vai nos amedrontar.”

A marcha se encerrou na frente da Funai em Santa Inês, onde os indígenas fizeram um canto e leram uma carta pedindo ao presidente Jair Bolsonaro respeito aos direitos indígenas. A cidade fica distância a 250 quilômetros da capital São Luís. “Ou então iremos parar o Brasil com mais manifestações”, ameaçou. A líder indígena Eliana Tremembé, ressaltou que o momento é de união. “Estão querendo nos matar a qualquer custo, várias terras já foram invadidas e parentes nossos estão feridos, mais com nossos cantos e nossa espiritualidade vamos pedir justiça e proteção” diz Eliana.

Indígenas leram uma carta na qual pedem ao presidente Jair Bolsonaro respeito aos direitos indígenas (Foto: Erisvan Guajajara/Amazônia Real) 

Edição: João Baptista Pimentel Neto

Muitas outras Imagens da cobertura estão disponíveis no Flickr 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Redação Amazônia Real

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