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Para que serve a oposição se o governo de Jair Bolsonaro opõe-se a si mesmo?

Mais de 100 militares ocupam postos nas mais diferentes hierarquias num governo que herda um país que oferece uma total subserviência aos EUA
Paulo Cannabrava Filho
São Paulo (SP)

Tradução:

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), em lúcida entrevista à revista Época, da Editora Globo, reconhece que os maiores oposicionistas do governo Bolsonaro são os próprios governistas e conclui que “este governo acabou ao não conseguir articular a Previdência”.

Esse papo de que é a “velha política” que atrapalha, segundo o experiente senador, é desconhecer a política ou deliberadamente desprezá-la para poder mandar sozinho. É o típico caso de Jânio Quadros. Quis dar o golpe, avaliou mal os militares que raciocinaram: se é para dar golpe, vamos dar e assumir, não dar a cadeira para outro.

Renan — que está na oposição desde o governo de Michel Temer (2016-2018) — também abriu o jogo com relação ao que foi a eleição para a mesa do Senado em que ele era o candidato favorito para gregos e troianos. Houve interferência externa, através das redes, conspiração no Palácio do Planalto e até mesmo do Supremo Tribunal Federal (STF), preocupado com a tramitação da Lei contra o Abuso da Autoridade.

Raposa velha, Renan segue no comando através de seu fiel escudeiro, o secretário da Mesa, Luis Fernando Bandeira de Melo Filho, enquanto Davi Alcolumbre (DEM-AP) o presidente de ocasião, está meio isolado sem um governo a quem servir.

Para o senador, tanto Temer como o ex-presidente Lula são vítimas da mesma injustiça e considera que a criminalização da Política só contribui para a ingovernabilidade e para a insegurança jurídica que inviabiliza a democracia. 

Renan identifica os fatores desagregadores manejados pelo presidente, como elogiar o golpe de 1º de Abril e pretender mudar a história, quando até as enciclopédias de todos os países do mundo já consagraram isso como um golpe de direita contra um governo constitucional seguido de duas décadas de ditadura repressiva.

Mais de 100 militares ocupam postos nas mais diferentes hierarquias num governo que herda um país que oferece uma total subserviência aos EUA

UJS
Jair Bolsonaro

Pergunta sem resposta

A pergunta ainda sem resposta é: 

As diatribes do presidente são produto de sua insensatez ou estratégia dos generais que conspiraram e realizaram a operação de inteligência que o levou ao poder?

São os militares que devem dar essa resposta. E rápido porque já estão sendo motivo de chacotas por esse mundo afora. Vão ficar na história como ridículos pretorianos que a serviço do império impuseram o caos e acabaram com as possibilidades de desenvolvimento do país por pelo menos um século, ou quatro gerações. 

São oito generais, um almirante e um brigadeiro e já chega a uma centena os militares ocupando cargos em todos os escalões do governo. Para o mundo e para a história eles ficarão como a imagem refletida do capitão trapalhão. 

O núcleo militar do Governo Bolsonaro

Quem é que manda? 

Os dez cinco estrelas (oito generais, um almirante e um brigadeiro) ou a turma do Olavo de Carvalho?

Veja bem. Um dos principais assessores do presidente — senão o principal o mais próximo o tempo todo — na função de assessor para Assuntos Internacionais, Filipe Martins Pereira, é discípulo fiel de Olavo de Carvalho, quem lembra a figura sinistra de Lopes Rega, que no poder ao lado de Isabelita na Argentina, implantou o terror, caçando e matando opositores.

Foi, segundo fontes palacianas, Filipe quem indicou, certamente assoprado por seu guru Olavo de Carvalho, o diplomata de início de carreira Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores, o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez e o economista Abraham Weintraub para o Ministério da Educação, trio sem a mínima qualificação para exercer as funções para as quais foram designados. 

O segundo de Filipe, contratado como adjunto, Henry Carrières, é um obscuro diplomata de carreira e é nada menos que genro de Olavo de Carvalho. Foi este genro, que antes trabalhou no departamento de economia da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, quem articulou o contato da família Bolsonaro com o coordenador do Moviment, Steve Bannon — uma espécie de internacional da ultra-direita.

A turma do Olavo de Carvalho inclui os neopentecostais sionistas, ou seja, que estão a serviço do expansionismo do Estado sionista de Israel, cabeça de praia, só expansionismo dos Estados Unidos. O que eles pensam? Se é que pensam!!!

Jantar em Washington teve a presença do astrólogo e guru do Clã Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Foto: Facebook

O discurso uníssono: 

“Somos contra o politicamente correto e a ideologia de gênero”. Encaram a mídia como inimiga, pregam a queima dos livros de Paulo Freire, encaram a homossexualidade como doença ou coisa do demônio, são contra o aborto, contra a igualdade de gênero, e dizem que a salvação do mundo está nos Estados Unidos. Por isso, veneram tanto a Trump como a Israel. Para eles é preciso combater o marxismo cultural e o globalismo que se infiltrou em todas as instituições. Administram o portal Terça Livre, difusor de notícias falsas e calúnias.

Funestas consequências

O Ministério da Educação está um caos, ninguém se entende, e a diplomacia deixou de ser política de Estado, para satisfazer egos pessoais e grupos ideológicos extremistas.

Pior, se antes havia controle dos centros de decisão, pelas transnacionais, agora há submissão, servilismo, puxa-saquismo, embarcando numa via totalmente contrária aos interesses do Brasil e de difícil retorno.

O guru Olavo de Carvalho, autor de livros de cabeceira de seus discípulos, como O imbecil coletivo (1996) ou O Mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (2013), foi quem sistematizou e implantou a acusação de que o Foro de São Paulo era uma internacional comunista e o maior perigo para os povos de Nossa América. Vale lembrar que dito foro, na realidade, reunia partidos e líderes de uma esquerda meio sem rumo e destituída de ideologia.

Olavo de Carvalho, para quem o vice-presidente do Brasil, general Mourão “é um idiota”, cozinhou a ideia de que o PT tinha que ser tratado como inimigo, não como adversário, e sua turma trabalhou seus argumentos para demonizar o partido, seus líderes e seus feitos, mesmo os mais acertados. 

O que está acontecendo combina com os objetivos estratégicos da Cambridge Analytica, de Robert Mercer, cujo fiel escudeiro, Steve Bannon, com seu Moviment, trabalha pela implantação do caos, aonde quer que seja.

Balanço de uma turnê catastrófica

Chile, Estados Unidos e Israel: tal como havia prometido em campanha, Jair Bolsonaro visitou os três países e só fez aumentar as perplexidades, agora entre dirigentes dos principais países do mundo. A prestigiosa revista de economia The Economist goza o “aprendiz de presidente” mencionando algumas das gafes cometidas.

a) Elogiar a ditadura de Pinochet como responsável pelo que o Chile é hoje, como se o Chile fosse uma maravilha é mais que estupidez.  Ofendeu até a direita chilena. Ignorância total do que está a ocorrer no Chile pós-Pinochet. Tal barbaridade fez com que os presidentes da Câmara de Deputados e do Senado, Jaime Quintana e Ivan Flores, respectivamente, não comparecessem à recepção que o presidente Sebastián Piñera, por obrigação protocolar, ofereceu ao visitante.

A ditadura custou ao povo chileno mais de 40 mil mortos e desaparecidos, milhões de exiliados políticos ou econômicos, e diante da busca pela verdade e dos desaparecidos, com as Comissões da Verdade, até o Estado Maior das Forças Armadas chilenas admitiram que erraram e pediram perdão ao povo. Os que cometeram crimes, inclusive o Pinochet, foram julgados e punidos.

b) Retornando da turnê internacional, Bolsonaro pediu aos quartéis que comemorassem a tomada do poder pelos militares em abril de 1964. 

Há 55 anos do golpe, o que eles têm a comemorar?

Quando assumiram o poder os militares sumiram com milhares pessoas, entre civis e militares. Não havia mais lugar nos cárceres, transformaram um velho navio em navio prisão. Fecharam o Congresso, interviram nos Sindicatos e Universidades e  esmagaram a inteligência, a criatividade, as artes, culminando em mais de dez mil asilados políticos.

Acertaram em dar continuidade ao projeto de desenvolvimento do que os intelectuais de ontem chamavam de Era Vargas, e que os de hoje chamam de lulopetismo. O Brasil se situou entre as sete maiores potências industriais. Fabricava tratores e tanques, aviões e locomotivas, automóveis e carros de assalto, blindados e anfíbios.

Petrobras, Nuclebrás, Eletrobrás, indústria pesada, indústria química e petroquímica, tudo era estatal. Diziam jocosamente que havia mais estatais no Brasil do que na Rússia, e com isso manteve taxas de desenvolvimento altíssimas, chegando a 14% no PIB industrial. 

Bem, o golpe não foi financiado nem armado para isso. O golpe foi dado para entregar os centros de decisão do país às transnacionais e a Washington. Começou então a ocupação do país através da captura do setor produtivo. A começar pelas mais dinâmicas, claro, aquelas que propiciam retorno mais rápido do capital. 

Um a um foram desnacionalizando, indústria de linha branca, eletrodomésticos, indústria farmacêutica, alimentícia, autopeças, química, petroquímica (veja isso não tem nada a ver com globalização, pois todas as empresas brasileiras compunham o comércio mundial). Preservaram as estratégicas como Petrobras, Vale do Rio Doce, setor de produção e distribuição de energia elétrica, telefonia e comunicações.

Mas a captura do Estado já estava consumada. Uma oligarquia retrógrada, uma burguesia que não conseguiu se firmar como classe, e a corrupção intrínseca ao capitalismo fez o resto. A partir da década de 1980/90 impõe-se a ditadura do capital financeiro e do pensamento único e assim chegamos ao que estamos hoje.

O Brasil, aos olhos de intelectuais sérios, jogou fora a oportunidade de ser, se não uma grande potência, um país grande e rico, democrático e justo, com segurança alimentar e com todas as crianças nas escolas.

O que os levou a abandonar um projeto que estava dando certo? É isso que querem comemorar? É realmente incrível.

Dizer que os militares salvaram o Brasil… Salvaram do quê?

E hoje o que é que estão oferecendo?

Mais de 100 militares ocupam postos nas mais diferentes hierarquias num governo que herda um país com os centros de decisão ocupados por interesses externos e oferece uma total subserviência aos Estados Unidos.

É isso o que temos que comemorar? O beija-pés ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump? 

E veja bem. Os militares, verdadeiramente patriotas, ainda podem assumir um papel protagônico, e formar com as demais forças populares uma ampla Frente de Salvação Nacional.

*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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