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A Lava Jato pós-Vaza Jato e as medidas necessárias à recuperação do Estado de Direito

Como pode ter idoneidade moral uma pessoa que utiliza de seu cargo anterior de juiz federal para macular a justiça e imparcialidade judicial?
Assis da Costa Oliveira
Diplomatique Brasil
São Paulo (SP)

Tradução:

Agora, com as informações reveladas pelo The Intercept, em quatro matérias que revelam os bastidores das relações entre os procuradores federais envolvidos na Lava Jato e também o ex-juiz Sergio Moro, atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, tudo faz sentido: os agentes jurídico-judiciais envolvidos com atos ilícitos são os próprios que conduziram a operação Lava Jato.

Desde que a Operação Lava Jato iniciou as atividades em 17 de março de 2014, sempre me perguntei por que no meio de todas estas investigações sobre corrupção política tão poucos membros do Sistema de Justiça, sobretudo do Judiciário e do Ministério Público, tinham sido denunciados ou condenados. Uma das únicas exceções a isto foi obtida com a delação premiada – sempre ela – de Delcídio do Amaral, ainda em maio de 2016, em que relatou que a nomeação do ex-procurador da República e ex-desembargador federal Marcelo Navarro Ribeiro para o Superior Tribunal de Justiça havia ocorrido com a finalidade de obstruir as investigações da própria Lava Jato, ou seja, não num sentido de discutir o envolvimento deste agente com a corrupção em si, mas com o andamento do processo penal.

Agora, com as informações reveladas pelo The Intercept, em quatro matérias que revelam os bastidores das relações entre os procuradores federais envolvidos na Lava Jato e também o ex-juiz Sergio Moro, atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, tudo faz sentido: os agentes jurídico-judiciais envolvidos com atos ilícitos são os próprios que conduziram a operação Lava Jato. Por certo, há tempos já se dizia que as investigações da Lava Jato estavam eivadas de parcialidade do juiz investigador (e, posteriormente, também julgador, numa violação ao Código de Processo Penal que impede isto) e dos acusadores do Ministério Público Federal que fazem parte da Força Tarefa da Lava Jato e, mais do que isso, da descarada intenção – oficialmente sempre negada – de conduzirem  juntos (literalmente) o andamento do processo penal para a culpabilização do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Porém, os dados obtidos pelo The Intercept são contundentes em mostrar este conluio entre os procuradores do Ministério Público Federal e o juiz Sergio Moro, não apenas no sentido de violar o dever de imparcialidade do juiz e o direito constitucional à ampla defesa, mas revelando o quanto estes julgamentos contra Lula – e diversos outros sujeitos envolvidos – se tornaram um Tribunal de Exceção – exatamente nos termos vedado pela Constituição Federal, no art. 5°, inc. XXXVII – com a intenção central de prender Lula, impedir que o Partido dos Trabalhadores pudesse concorrer com melhores condições nas eleições presidenciais de 2018 – veja, a respeito, a troca de conversa na segunda matéria do The Intercept sobre as estratégias dos procuradores federais para impedir a entrevista de Lula nas vésperas do primeiro turno da eleição do ano passado – e manipular a opinião pública brasileira.

Estamos diante de um Moro Gate ou uma Vaza Jato, como alguns já mencionaram em tons anedóticos nas redes sociais, ante o conteúdo e o impacto dos dados revelados pelo The Intercept. De antemão, estas informações ensejam a representação contra os procuradores federais envolvidos e o juiz Sergio Moro perante o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça, respectivamente.

Por segundo, torna-se imperiosa a revisão dos julgamentos realizados com pedido de anulação, inclusive os que foram vencidas as instâncias recursais, ante a descoberta de dados que demonstram o vício absoluto dos julgamentos frente a parcialidade do juiz Sergio Moro. Isto possui fundamentação nos arts. 254, inc. IV (suspeição do juiz por aconselhamento das partes), e  621 (revisão de processos findos) do Código de Processo Penal, podendo ser combinado e do art. 966 do Código de Processo Civil e pelo art. 8° do Código de Ética da Magistratura, este último que define expressamente: “[o] magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.”

Como pode ter idoneidade moral uma pessoa que utiliza de seu cargo anterior de juiz federal para macular a justiça e imparcialidade judicial?

Imagem por José Cruz/Agência Brasil
Ex-juiz Sergio Moro, atual Ministro da Justiça e Segurança Pública

Um terceiro elemento é a própria destituição de Sergio Moro da função de ministro do governo Jair Bolsonaro. Acredito que isto seria mais difícil, pois ele, junto com Paulo Guedes no Ministério da Economia, é um dos eixos de sustentação política da já combalida gestão presidencial de Bolsonaro, que em menos de seis meses consegue ter mais gente avaliando como ruim, do que satisfatória. Porém, como está regulamentado pelo Decreto n. 9.727, de 15 de março de 2019, que define as regras para nomeação para cargos comissionados no governo federal, o primeiro critério geral para nomeação, disposto no art. 2°, inc. I, é o da pessoa ter “idoneidade moral e reputação ilibada”, o que as revelações do The Intercept colocam frontalmente em questionamento em relação ao atual ministro Sergio Moro, pois: como pode ter idoneidade moral uma pessoa que utiliza de seu cargo anterior de juiz federal para macular a justiça e imparcialidade judicial?

Dito isso, concluo que a Lava Jato tornou-se, a partir das revelações do The Intercept, uma operação que somente revela o poder dos membros do Sistema de Justiça em manipular a própria Justiça em favor de seus interesses políticos, corrompendo-a de uma maneira nunca antes vista, o que exige urgente ação dos próprios órgãos para que isto não macule o próprio Estado de Direito e recupere a honradez do Sistema de Justiça.

 

*Assis da Costa Oliveira é advogado e professor de Direitos Humanos da Faculdade de Etnodiversidade da Universidade Federal do Pará

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Assis da Costa Oliveira

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