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Anistia a perseguidos políticos no Brasil corre risco como em nenhum outro país

Passados 40 anos, não se conseguiu fazer Justiça contra os que cometeram crimes durante a ditadura e é esta história que vou contar no meu novo livro
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Meu livro Resistência e Anistia resgata a história das lutas do povo brasileiro contra a ditadura repressiva e regressiva de 1964 a 1985, contada pelos seus protagonistas e por meio de exaustiva pesquisa documental.  A obra relata o que foi o processo de Justiça de Transição, a luta do povo pela pela democracia, o movimento por eleições diretas e pela anistia a todos os presos e perseguidos políticos. A partir da Lei de Anistia, inicia-se outro capítulo dessa luta, que persiste ainda hoje, a de fazer com que se cumpram as Leis.

O livro é lançado no marco da comemoração aos 40 anos da promulgação da Primeira Lei de Anistia, que se dá num momento dos mais críticos da história brasileira, confrontada por um poder que quer mudar o curso da história, em que os algozes do povo são heróis e as vítimas desses algozes são demonizados. Um livro mais que oportuno para mostrar à sociedade a verdade contada pelos protagonistas da história e fundada em farta documentação pública.

É o confronto da verdade com aqueles que querem mudar o curso da história. Diante de Resistência e Anistia não há como tergiversar com a história.

Passados 40 anos, não se conseguiu fazer Justiça contra os que cometeram crimes durante a ditadura e é esta história que vou contar no meu novo livro

Juca Martins
Resistência e Anistia resgata a história das lutas do povo brasileiro contra a ditadura repressiva e regressiva de 1964 a 1985

Lugar de fala

Comecei minha carreira de jornalista em 1957 e em 1960 eu já era correspondente de agência internacional de notícias e repórter político do Correio da Manhã. Em 1º de abril de 1964, cheguei ao jornal para trabalhar, estava cercado por tropas. Eu estava no Última Hora. Esses dois jornais não resistiram à ditadura, foram extintos. Os jornais que apoiaram o golpe se enriqueceram à sombra da ditadura, das constantes violações aos Direitos Humanos. 

Perseguido por minhas ideias e por fazer oposição a um governo autoritário e repressivo, que entregava os centros de decisão do país às grandes corporações transnacionais, em 1968, com prisão decretada, tive que abandonar o país com esposa e duas crianças que, apesar de menores, também eram ameaçadas.

Nos doze anos de exílio sobrevivi sempre como jornalista e me aperfeiçoando em temas relativos à comunicação e no combate aos injustos sistemas de exploração patrocinados pelos Estados Unidos. 

Resistência

Pude voltar ao Brasil em 1980 graças à luta do povo brasileiro pela restauração da democracia e respeito aos direitos humanos. Uma luta que teve as mulheres na vanguarda. Mães e Avós de presos e perseguidos políticos que queriam de volta seus filhos e netos encarcerados, asilados ou protegidos na clandestinidade.

Desde que implantada a ditadura regressiva e repressora, a sociedade se sublevou contra o regime. A repressão foi brutal, em todos os setores da sociedade, mas com mais violência contra os militares que não concordaram com a quebra de legalidade e com a juventude. Juventude rebelde, inconformada com a perda da liberdade de criar, de ser dona de seu futuro.

Na campanha por eleições diretas esse povo brasileiro realizou as maiores concentrações de gente de nossa história. Mais de um milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, na Avenida Brasil, atrás da Candelária no Rio de Janeiro… Manifestações que se repetiam em todas as capitais e grandes cidades deste país. Em todas elas o grito era por democracia com eleições diretas e anistia ampla, geral e irrestrita.

A pressão social foi tão grande que o governo militar teve que ceder e promulgou a Anistia de 1979 que em agosto deste ano está completando quarenta anos. Todos os anos o Congresso Nacional e as entidades da sociedade civil realizam atos para preservar a memória desta data.

Anistia

O primeiro projeto de anistia apresentado pelo general Figueiredo foi pura enganação, visava quase que exclusivamente os funcionários públicos, civis e militares. Porém, o Congresso eleito para ser Constituinte conseguiu aprovar a Lei 6683, em 27 de agosto de 1979, com um texto que se não ideal, palatável dada as circunstâncias.

Essa Lei de Anistia de 1979 inaugura o processo de Justiça de Transição no país. “O conceito consagrado pelo direito internacional para nomear o conjunto de medidas políticas e judiciais utilizadas para reparação de violações em massa de direitos humanos”explica o advogado Victor Mendonça Neiva, representante dos anistiados na Comissão Nacional de Anistia, em artigo publicado pelo Correio Braziliense, em 23/07/19.

Ameaça

Como em nenhum outro país, a Justiça de Transição tem sido objeto de todo tipo de obstáculos por agentes públicos. Passados 40 anos, não se conseguiu fazer justiça contra os que cometeram crimes durante a ditadura e tampouco concluir o processo de reparação aos injustiçados, àqueles que tiveram suas carreiras interrompidas por razões políticas, os que foram presos, torturados, os que tiveram que deixar a pátria para refugiar-se no exílio.

Recorrendo ainda a Moreira, representante dos anistiados, “o fato é que o Brasil está vivenciando, também na sensível área da Justiça de Transição, um populismo renovado e intransigente, que, sem respeito à Constituição e mesmo aos mais comezinhos princípios de moralidade, ganha apelo apenas pela ofensa a direitos, a pessoas ou à verdade. E, lamentavelmente, continuamos aumentando a conta de problemas do passado a serem resolvidos, que continuam a assombrar o país como cadáveres insepultos”.

Em outras palavras, a Justiça de Transição e a própria anistia estão sendo questionadas e ameaçadas de retrocesso. 

Ameaçadas por agentes do governo que reverenciam como heróis aqueles que praticaram os mais infames crimes em nome do Estado: crimes de sequestro e desaparecimento de pessoas, crimes das más vis torturas a homens e mulheres, não respeitando nem mães recém paridas; crimes de roubo de crianças nascidas nos cárceres da ditadura.

Militares e civis despeitados, inconformados com a imagem que herdaram das gerações anteriores, a má fama dos que foram algozes de nosso povo, querem mudar a história transformando as vítimas de seus atos em criminosos.

Para que esta história possa ser contada para mais gente, a Alameda Casa Editorial está com uma campanha de financiamento coletivo, que tem como objetivo viabilizar a impressão e distribuição do livro. Para cada faixa de contribuição é oferecida uma recompensa exclusiva, como é possível verificar aqui.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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