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Prisão de brigadistas em Alter do Chão marca semana de escalada fascista no Brasil

Em artigo, Instituto Socioambiental criticou a série mais recente de manifestações autoritárias de integrantes do governo Bolsonaro e outras autoridades
Márcio Santilli
Revista IHU On-line
Porto Alegre (RS)

Tradução:

Em artigo publicado no portal do Instituto Socioambiental – Isa, o sócio Márcio Santilli critica a prisão de brigadistas em Alter do Chão (PA) e a série mais recente de manifestações autoritárias de integrantes do governo Bolsonaro, entre outras autoridades.

Em artigo, Instituto Socioambiental criticou a série mais recente de manifestações autoritárias de integrantes do governo Bolsonaro e outras autoridades

Foto: Jáder Paes / Agência Pará
Incêndio florestal que atingiu Alter do Chão, em setembro

Eis o artigo.

Uma semana de escalada fascista

por Márcio Santilli*

O bolsonarismo não é um movimento propriamente fascista, pois este governo é, na verdade, o mais entreguista que tivemos e responde por interesses de segmentos muito específicos da formação social e política do Brasil. Mas um conjunto de episódios ocorridos, nesta semana, escancarou uma sua vertente bem aparentada.

Na terça feira (26/11), uma estranha operação policial prendeu quatro brigadistas em Alter do Chão (PA), acusando-os de – pasmem – colocarem fogo deliberadamente numa área de floresta legalmente protegida, do qual teriam perdido o controle, provocando significativo impacto na natureza, com o intuito de obterem doações para a continuidade do seu trabalho.

Os brigadistas de Alter do Chão vivem naquela região e atuam como voluntários no combate a incêndios florestais, que têm sido frequentes. Para justificar a arbitrariedade, a Polícia Civil do Pará apresentou um vídeo dos combatentes do fogo em que eles, segundo os investigadores, estariam colocando fogo num ponto específico da floresta. Um juiz local autorizou a prisão preventiva desses voluntários que, em menos de 24 horas, tiveram suas cabeças raspadas e foram encaminhados para o presídio local, sem prova efetiva de qualquer crime.

A organização Projeto Saúde e Alegria, que tem uma longa lista de serviços prestados às populações da região do Tapajós, teve a sua sede invadida pela Polícia Civil, todos os computadores foram apreendidos, sob o pretexto de ter, entre outras organizações, contribuído financeiramente com o trabalho dos brigadistas e de um deles ser funcionário da organização. O intuito da polícia foi claramente político, de simular o envolvimento de uma instituição para atribuir uma impressão de veracidade a afirmações absurdas do governo no sentido de transferir responsabilidades por sua omissão criminosa no combate ao desmatamento e às queimadas. A operação policial foi tão suspeita que o governador do Pará, Hélder Barbalho, resolveu trocar o coordenador do inquérito.

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Criaram uma cena fake de criminalização da sociedade civil, procurando responsabilizá-la pelo vexame de devastação que nós vimos este ano no país, especialmente na Amazônia, expressa no maior aumento havido neste século, de um ano para outro, nas taxas de desmatamento. Além disso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a culpar o Greenpeace pelo desastre criminoso com óleo do Nordeste. A organização entrou com uma ação contra Salles exigindo que ele esclareça e seja punido por suas declarações. Todo tipo de violência vem sendo praticada contra os povos indígenas e outras populações locais.

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O principal responsável pelo aumento da devastação e da violência é o senhor Jair Bolsonaro que, com sua retórica belicosa e medidas de desmonte das políticas socioambientais, incita predadores e criminosos locais a invadirem áreas públicas e florestas protegidas e, ainda por cima, fabrica farsas para transferir sua culpa para outros brasileiros, que ele deveria, como presidente, antes de mais nada, respeitar.

Brigadistas, bombeiros e voluntários combatem o fogo que se alastrou desde sábado (14) no distrito de Alter do Chão, Santarém, no Pará. Foto: Brigada De Alter.

Mas esse episódio não vai passar batido! Vamos reagir a esse tipo de coisa e não se trata de um fato isolado. Ainda na semana passada, o Movimento Xingu Vivo, realizando uma reunião em Altamira (PA), se viu surpreendido pelo ingresso de um bloco de fascistas para tumultuar e impedir, com violência, a reunião, a menos que se fizessem mudanças na sua programação. Por acaso esses grupos chamam outros setores para os seus próprios eventos, para debater e discutir decentemente os problemas do país? Não! Mas recorrem a essa atuação miliciana para tumultuar o trabalho que a sociedade civil está fazendo na Amazônia – heroicamente – neste momento sinistro em que vivemos.

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Pode-se acrescentar a esse contexto a fala do procurador de justiça Ricardo Albuquerque da Silva, também do Pará, que, num surto de imbecilidade, declarou, nesta quarta-feira (27/11), que os índios brasileiros não trabalham e que a isto se deve o evento da escravidão no país. É incrível que um cidadão que trabalha no Poder Público, com o seu salário pago por nós, possa desrespeitar dessa forma justamente a quem ele deveria defender.

Para completar, Paulo Guedes, em viagem aos EUA, abandonou a postura esperável de um ministro da Economia para assumir a de um autoritário mercadológico, ao defender, nada mais, nada menos, que a reedição do AI-5. Ofendeu, gratuitamente, a memória das inúmeras pessoas que foram assassinadas sob a égide daquele instrumento da ditadura. Enquanto ele implementa políticas que vão nos levando para uma convulsão social, fala em reeditar o AI-5 para reprimir o povo.

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Esse conjunto de sinais está indicando, muito claramente, que as contradições do bolsonarismo estão se acirrando e estão nos levando para um momento de enfrentamento e que 2020, ao que tudo indica, será decisivo para se enfrentar essa ameaça. Temos que nos preparar, conscientizar as pessoas e reunir alianças. Esse enfrentamento não se limitará ao campo socioambiental, mas se estenderá à juventude, às mulheres, aos trabalhadores, aos universitários, aos artistas e aos empresários que não queiram se confundir com a degeneração política do país.

O horizonte do Brasil é de liberdade, de prosperidade, de bem viver para todos os brasileiros, porque este país é suficientemente abundante e generoso para poder bancar isso. Vale a pena aproveitarmos esse momento de reflexão, ensejado pelo final do ano, para nos prepararmos para o que vem pela frente.

*Márcio José Brando Santilli é um político e ativista dos direitos dos povos indígenas brasileiros. Foi deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e, durante o seu mandato parlamentar, foi membro da Comissão de Relações Exteriores, além de presidir a Comissão do Índio na Câmara dos Deputados. 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Márcio Santilli

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