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Bolsonaro e seus capangas não enganam. Quando na história cristãos ajudaram judeus?

Foram as Cruzadas Cristãs que, em nome de Deus, se predispuseram a matar todos os judeus (assim como os muçulmanos) da Europa
Carlos Russo Jr
Espaço Literário Marcel Proust
São Paulo (SP)

Tradução:

Jair Bolsonaro e a maioria de seus sequazes se intitulam “Cruzados pela civilização judaico-cristã”. 

De onde teria surgido essa invenção perversa e absurda, repetida agora por antidemocratas, antiglobalistas, conspiracionistas, populistas autoritários de extrema-direita, gurus depravados ao estilo Olavo de Carvalho e falsos profetas tipo Edir Macedo?

Ora, foram as Cruzadas Cristãs que, em nome de Deus, se predispuseram a matar todos os judeus (assim como os muçulmanos) da Europa. Os massacres nos séculos X e XI se tornaram tão sangrentos que, bando após bando, os judeus se foram agrupando no recém-criado Reino da Polônia onde foram bem recebidos, confundindo-se, mesmo, com o princípio da própria Polônia.

Uma série de “pans” poloneses garantiram liberdade religiosa e proteção para os judeus vindos principalmente da região da Boêmia, pois como não havia uma classe média entre os aristocratas e os camponeses, os judeus trouxeram as artes, ferramentas de trabalho, comércio e profissões manuais, enfim, cultura e civilização.

Os judeus, no entanto, viveram com certa liberdade e foram mesmo prósperos por um curto período, até que a Igreja Católica crescesse em poderio e se consolidasse como religião de Estado. Os senhores feudais e os jesuítas contando com o  apoio dos comerciantes alemães emigrados impuseram o “imposto judeu”, provocaram a expulsão de ofícios competitivos, comércio e profissões. Finalmente, os “pans” feudais proibiram que judeus tivessem a posse de terras, que antes lhes haviam concedido.

Foram as Cruzadas Cristãs que, em nome de Deus, se predispuseram a matar todos os judeus (assim como os muçulmanos) da Europa

Acervo Histórico
Quanto mais a ocupação se consolidava, mais o caráter antissemita dos cristãos se reforçava.

Então, depois dos massacres promovidos pelas Cruzadas, na Polônia deu-se a criação de um dos primeiros guetos judeus do mundo, sendo estes segregados e emparedados. Esse fator foi determinante para que diversos grupos judeus principiassem uma longa experiência de autogestão. Falavam iídiche ao invés da língua local, criaram sua própria cultura e literatura.

 Varsóvia com seu um milhão de habitantes, antes da Segunda Guerra Mundial, era a Paris da Europa Oriental. Os judeus, então, representavam mais de um terço da população, embora ocupassem apenas 3% da área total da cidade.

Em 1º de setembro de 1939, soldados nazistas atravessaram a fronteira e marcharam para a Polônia. Era o primeiro teste da “blitzkrieg” (ataque relâmpago alemão). Em 27 de setembro, Varsóvia se rendeu. A ocupação nazista foi mais longa na Polônia do que em qualquer outro país, o que deu mais tempo para a implantação de políticas racistas e segregacionistas contra aqueles considerados “inferiores racialmente”, como ciganos, judeus, homossexuais e deficientes físicos e mentais. 

Quando tomaram a cidade, os nazistas ofereceram uma série de incentivos à população cristã local, encorajando-os para estes expusessem e delatassem os judeus. E quanto mais a ocupação se consolidava, mais o caráter antissemita dos cristãos se reforçava.

A única solidariedade prestada aos judeus veio de segmentos intelectuais comunistas ou de esquerda independente. Jamais partiu de poloneses cristãos, mesmo daqueles engajados na resistência nacionalista contra o invasor nazista.

E o povo polonês foi levado pelos seguidores de Hitler e Goebbels a compreender que “reserva” era a nova nomenclatura de gueto; que “despojo” legítimo de guerra eram os bens roubados ou confiscados aos judeus e aos inimigos políticos; que “contaminado” era o nome da propriedade a ser confiscada; “medidas sanitárias”, significavam execuções em massa; que “abatido quando tentava escapar” era sinônimo de assassinato na prisão; “reinstalação”, era confisco de propriedades; “trabalho voluntário”, igual a trabalho escravo; “sub-humanos” designava os judeus, os ciganos, presos políticos, homossexuais ( exceto os arianos); “mestiçagem” requeria execução para evitar a mistura de sangue sub-humano com o ariano; que “bolchevique, especulador, belicista” era um cognome para judeus e que “dispensa de tratamento especial”, simbolizava o extermínio. 

Finalmente, tendo em vista o nível de privações a que os judeus eram submetidos no gueto, a população polonesa foi “convencida” que, a fim de viver em um gueto, um homem precisa contrariar a lei. Daí, todos os confinados eram criminosos, inclusive crianças, logo, passíveis de execução.

Aos judeus de Varsóvia foram agregados milhares de judeus provenientes de países ocupados na Europa Orienta. O gueto de Varsóvia chegou, em seu auge, a conter 380 mil pessoas. 

Entretanto, sob o mais inacreditável terror nazista, a resistência do povo judaico fez-se presente de diferentes formas. Principiou pela organização de instituições de autoajuda e de caridade, como a “Centos”, com as cantinas de sopa gratuita, de tal maneira que a certa altura, dois terços da população dependia destas cantinas. 

Havia também um extenso sistema escolar clandestino organizado por vários movimentos juvenis, que cobria todos os níveis básicos e de ensino secundário e oferecia até cursos de nível universitário aos domingos, disfarçados frequentemente de refeitórios. 

Um orfanato, liderado pelo pediatra e autor Janusz Korczak, era chamado da República das Crianças. Este e outros orfanatos foram destruídos em 1942 e os seus ocupantes enviados para Treblinka, onde foram todos assassinados. 

A vida cultural no gueto de Varsóvia jamais deixou de existir. Incluía uma imprensa diária trilingue (iídiche, polaco e hebreu), atividade religiosa (incluindo uma igreja para judeus convertidos ao cristianismo), aulas, concertos de música clássica, teatro e exposições de arte. 

Um dos mais notáveis esforços de preservação cultural foi liderado pelo historiador Emmanuel Ringelblum e o seu grupo, que coletou importantíssima documentação para preservar a história social da vida no gueto. Estes documentos foram escondidos dos alemães em três locais separados, dois dos quais foram recuperados e fornecem-nos hoje a história da vida no gueto.

Entre julho e setembro de 1942, levas de deportações removeram mais de 300 mil judeus para o campo de concentração de Treblinka e, dentro deste, o de Bikernau, de extermínio por câmaras de gaz. 

Foi quando os judeus do gueto de Varsóvia, reduzidos a 60 mil pessoas decidiram organizar a resistência armada aos genocidas alemães. 

O primeiro conflito ocorreu em 18 de janeiro de 1943, quando vários batalhões da SS marcharam rumo ao gueto e foram atacados. Os comandos judeus, armados precariamente, provocaram mais de doze mortos nas tropas de elite de Hitler.

“A batalha na rua Niska nos encorajou. Pela primeira vez desde a ocupação vimos os alemães colados às paredes, engatinhando no chão, correndo para se cobrir, hesitando antes de dar um passo, com medo de uma bala ou uma faca judia. Os gritos dos feridos nos deram alegrias e aumentaram a nossa vontade de lutar,” escreveu Tuvia Boryskowski.

Duas organizações de resistência, a ZOB e ZZW tomaram o controle do gueto, montando vários postos de combate e eliminaram fisicamente a Milícia Judaica, assassinos judeus que operavam a mando dos alemães.

Durante os três meses seguintes, todos os habitantes do gueto prepararam-se para aquilo que eles sabiam ser a luta final. Foram cavados túneis por baixo das casas, a maioria ligada pelo sistema de esgotos e de abastecimento de água. Acima das casas, cada telhado era um ponto de sentinelas. 

A resistência possuía um único objetivo: uma morte digna, que era em si um misto de orgulho e esperança. 

A batalha final começou na noite da Páscoa Judaica, no domingo 19 de abril de 1943. Os guerrilheiros judeus dispararam e atiraram granadas contra patrulhas alemãs a partir de becos, esgotos, janelas. Os nazis responderam detonando as casas bloco por bloco e cercando e matando todos os judeus que conseguiam capturar. Ao mesmo tempo, toda a rede de esgotos era inundada por gases venenosos.

Um exército improvisado, de algumas centenas de combatentes, sob o comando do ex-oficial do Exército Polonês, Mordechaj Anielewicz, fez frente à mais poderosa potência militar que o mundo já conheceu, resistindo com bravura inaudita durante três meses àquele que era considerado o mais fulminante exército do mundo. Em 8 de maio, os últimos rebeldes foram cercados. Muitos preferiram o suicídio.

Os autointitulados “Cruzados pela civilização judaico- cristã” são farsantes, uma canalha que tenta subverter os fatos históricos para estabelecer seu poder destruidor dos valores humanistas e civilizatórios que tão arduamente foram construídos no único intuito de, disseminando a barbárie, apossarem-se do poder absoluto e enriquecerem “per saecula saeculorum”.

 Obs: Em Sobibor, campo de concentração dirigido pelo SS Gustav Wagner, 250 mil assassinados tiveram os corpos, antes de incinerados, fervidos para retirada de gordura para sabão. Gustav Wagner, como tantos genocidas, conseguiu evadir-se da Alemanha derrotada e exilou-se no Brasil. Condenado à morte em Israel, procurou a Ditadura Brasileira para “entregar-se”, ou melhor, proteger-se, pois o pai do atual Ministro do Exterior, o católico da opus dei Ernesto Araújo, então Procurador da República em conluio com o STF, negou a extradição do mesmo para Israel, Polônia ou Alemanha. E aqui, o genocida de judeus morreu em paz! 

Afinal, a que se referem os “Cruzados pela civilização judaico- cristã”?

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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