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Disputa entre China e EUA terá como resultado caos ou fim da hegemonia estadunidense

Enquanto os Estados Unidos tentam manter poder com terrorismo desestabilizador, chineses chegam com projetos de infraestrutura e financiamento para desenvolvimento
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Diante da paralisação parcial da atividade industrial regiões da China por causa da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), a Casa Branca reagiu dizendo que chegou a hora da rendição econômica. Há que se lembrar que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, havia declarado guerra comercial contra a China e conseguiu um acordo pífio no mês passado, acordo este que mal disfarça a derrota sofrida pelo decante império diante do poderoso país asiático.

Diante disso, o Ministério de Relações Exteriores da China, por meio de sua porta-voz, Hua Chunying, respondeu colocando as coisas no lugar:

“O que terminou é sua capacidade de intimidação econômica. É a sua hegemonia que acabou. Os EUA devem voltar a respeitar as leis internacionais, deixar de impor direitos ou mandatos extraterritoriais. Devem reaprender a respeitar seus semelhantes para assim salvaguardar intercâmbios diplomáticos e comerciais transparentes e não discriminatórios”.

Ela lembra que China e Estados Unidos tiveram, no passado, conflitos que foram negociados com bons resultados e, portanto, deixa a porta aberta para o diálogo, sempre sob a base do respeito e benefício mútuo.     

E adverte: “enquanto persistam essas novas sanções comerciais, a China, de maneira recíproca e unilateral, informa ao governo dos Estados Unidos e ao mundo inteiro que de imediato decretou impor tarifas alfandegárias sobre 128 produtos de origem estadunidense. Ao mesmo tempo, começa a considerar a ideia de parar de comprar títulos da dívida pública dos EUA. É tudo. Boa noite”.

Essa declaração oficial foi emitida 24 horas depois de a China ter lançado o Yuan Ouro, ou seja, ter abandonado o dólar como referência. Acrescente-se que desde que iniciou o megaprojeto da Nova Rota da Seda, vários países já estão realizando intercâmbio comercial nas moedas locais. 

Enquanto os Estados Unidos tentam manter poder com terrorismo desestabilizador, chineses chegam com projetos de infraestrutura e financiamento para desenvolvimento

The White House
"Sem ter ideia do que é cutucar um tigre com vara curta, Trump resolveu provocar a fera, digo a China."

China sustenta os EUA

A China deixar de comprar títulos da dívida do tesouro dos Estados Unidos de per se dá um grande susto no mercado financeiro global. Afinal, é com esses títulos que estão pagando a conta no final do mês, já que China, Rússia e Japão são os maiores credores dos EUA desde a crise de 2008, que provocou quebradeira geral da banca ocidental. A Rússia ainda em 2018 vendeu 85% dos títulos que possuía e passou a acumular ouro no tesouro nacional.

Só de não comprar, a China já provocou um choque. Imagine se ela resolver vender os mais de US$ 1 trilhão de títulos de seu estoque a preço de banana? O dólar simplesmente vira lixo. 

Aliás, já é lixo. A economia dos EUA se sustenta com a maior dívida do mundo. Divida que vem crescendo a cada ano porque o país norte-americano não consegue fazer deslanchar sua economia. 

Em 2008, ano da crise do subprime que custou US 1 trilhão para salvar os bancos, a dívida pública dos Estados Unidos era de US$ 10 trilhões para um PIB de US$ 14 trilhões. Em 2018, para um PIB de US$ 20 trilhões, a dívida era de US$ 21 trilhões. Em 2019, a dívida já era de US$ 22 trilhões para um PIB estacionado em torno dos 20 trilhões.

Em 2019, em represália às sanções econômicas, a China vendeu uma grande quantidade de títulos e talvez não tenha vendido mais por bom senso, pois poderia causar danos a muita gente inocente que tem sua economia fundada no dólar. No final de 2019 ainda possua US$ 1,12 trilhões em títulos.

A China, convenhamos, teve muita paciência com os Estados Unidos de Trump, que parece governar para aplicar sanções ao mundo. A lista de castigos unilaterais impostos à China é enorme, daria um livro. Vale mencionar os mais significativos:

  • Há anos os EUA vêm impondo sanções à Huawei, a maior empresa de alta tecnologia de informação e comunicação, tentando barrar a tecnologia 5G. Não satisfeitos, impuseram sanções a cinco outras empresas que utilizam componentes chineses.
  • Os EUA se negaram a entregar motores da General Electric (GE) para aviões da frota chinesa.
  • Sancionaram uma empresa petroleira chinesa por ter comprado petróleo iraniano. É isso, os EUA querem que o mundo inteiro bloqueie o Irã, como está fazendo com Cuba e Venezuela.
  • Mais recentemente, impediram a entrada de estrangeiros que estiveram na China e proibiram viagens de cidadãos estadunidenses àquele país.
  • Em novembro de 2019, promulgaram uma lei que pune autoridades de Hong Kong em meio a um cenário de grandes protestos contra a administração local. Como se Hong Kong fosse Porto Rico.

O Império do Meio

Muito antes da Roma Imperial e da era Cristã, a China era uma florescente civilização, de elevada cultura. Era o Império do Meio, entre o império do ocidente e o do Japão no oriente. 

O expansionismo imperialista e colonialista da Inglaterra massacrou a China para impor sua hegemonia econômica e cultural. Só conseguiu com as armas e uma guerra total, como fazem até hoje para subjugar os povos. 

Corromperam as elites do poder gananciosas; alienaram o povo por meio da guerra psicossocial levada ao extremo intoxicando e idiotizando a população com o ópio. 

Livrou-se da Inglaterra, teve que enfrentar a invasão japonesa. Livrou-se do Japão, veio a guerra civil patrocinada pelas potências vencedoras, com intenção de colonizar o país. Nesta guerra, emergiu a Revolução Libertadora e socialista liderada por Mao Tsé-Tung.

Foram o ex-presidente estadunidense Richard Nixon e o ex-secretário de Estado do país Henry Kissinger que reconheceram que os EUA e seus aliados não poderiam continua ignorando e isolando a China, na época quase um terço da população mundial. Reconheceram, mas não abandonaram o plano de manter um cerco estratégico, abrangendo a China e a Rússia, para evitar a todo custo o desenvolvimento desses países.

Todas as doutrinas de segurança, desde Ronald Reagan até Trump, passando por Jimmy Carter ou Barack Obama, tiveram China e Rússia como adversários a serem contidos, principalmente a primeira, tratada como a inimiga a ser abatida, o novo demônio.

Confiando e utilizando as próprias forças, a China venceu mais essa batalha e se fez potência. 

Sem ter ideia do que é cutucar um tigre com vara curta, Trump resolveu provocar a fera, digo a China.

O episódio põe de relevo a burrice dos novos bilionários que hoje conduzem a política nos Estados Unidos. Reconhece-se que há entre eles alguns gênios matemáticos, capazes de ganhar milhões de dólares por minuto, mas totalmente destituídos de cultura mundo, de senso de humanidade. Revela também, neste caso, a extrema burrice de governantes que, em países como o Brasil, seguem obsequiosos as ordens de Washington, abdicando da soberania.

Como manter um cerco à China e à Rússia já não funciona, Trump resolveu declarar a guerra comercial, sem avaliar corretamente a força do adversário. A China respondeu com a paciência de Confúcio e a inteligência do maior estrategista de todas as guerras:

A cada aumento de tarifas decretado por Trump, o país retaliava, ferindo onde mais afetava a economia e o eleitorado estadunidense. 

Ao cerco imposto pelo Ocidente, o país respondeu com o projeto da Nova Rota da Seda. Começou com 70 países e hoje são mais de 100 os envolvidos na Ásia, na África e na Europa, onde já é possível pegar um trem em Madri ou Berlim e ir até Pequim. 

Enquanto os Estados Unidos tentam manter sua hegemonia pelas armas de destruição em massa, por meio do terrorismo desestabilizador, como fez no Afeganistão, no Iraque e na Líbia e como está fazendo na Síria e quer fazer com Irã e Venezuela, a China chega com projetos de infraestrutura e financiamento para o desenvolvimento.

Mais difícil ainda está manter a hegemonia do capital financeiro e do pensamento único por esse mundo afora. A economia mundial está em crise, está estagnada a bordo de uma depressão e não há saída dentro do sistema. 

Até a Igreja de Roma, a mais antiga das corporações transnacionais já se deu conta de que é preciso buscar alternativas, outro modelo. A Economia de Francisco, proposta pelo Vaticano é isso: salvar o capitalismo enquanto ainda é possível, enquanto é tempo, senão… o caos.

A estratégia do caos está em andamento faz tempo conduzida por aquela fração que se arvora o governo mundo. A China disse basta e o papa Francisco propôs uma nova economia. 

Eis o dilema crucial que nos coloca a conjuntura. O caos ou um novo modelo livre da hegemonia dos Estados Unidos.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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