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O que dizer quando jornalistas calam a boca e a burrice se alastra pelo país?

O governo pauta a mídia e a mídia pauta a mídia. Um círculo vicioso de mesmice. A coisa está se tornando cada dia mais grave
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Impressiona a quantidade de informação e desinformação que circulam nesses dias de quarentena. Já se tornou tradição neste nosso Brasil, talvez desde a década de 1980, sob a ditadura do capital financeiro: o governo pauta a mídia e a mídia pauta a mídia. Um círculo vicioso de mesmice. Agora com a pandemia e esse governo de ocupação, a coisa está se tornando cada dia mais grave.

São páginas e páginas sobre a pandemia e outras tantas pautadas pelo governo de ocupação. Muito espertos e bem preparados, eles não perdem um só dia de ser manchete nos jornais e assunto dos comentaristas. Parece que nada mais acontece no país.

O governo libera geral para desmatamento e matança dos nossos indígenas e só se fala da Covid-19 e das bobagens proferidas pelos porta-vozes do governo de ocupação. Chamar de governo, me perdoem, o que temos é um desgoverno com o propósito de confundir e destruir-confundir você, nós, o povão, e destruir a economia do país, entregar as riquezas, favorecer o lucro dos mais ricos. É só o que se vê de concreto.

O governo pauta a mídia e a mídia pauta a mídia. Um círculo vicioso de mesmice. A coisa está se tornando cada dia mais grave

Palácio do Planalto
Já se tornou tradição neste nosso Brasil, talvez desde a década de 1980: o governo pauta a mídia e a mídia pauta a mídia.

Acontece tudo isso e o cara que ocupa a cadeira presidencial manda os jornalistas calarem a boca. A única vez que eu vi jornalista calar a boca foi por vontade própria. Lá pelos idos dos 1961, o sindicato decidiu fazer greve geral dos jornalistas. Teve lances divertidos. O governo do Estado mandou a Força Pública (antes da PM) com o Brucutu, um carro de assalto com um canhão de jato de água pra dissolver piquetes. Jornalista que não é bobo se fez fotografar como se estivesse tomando banho de esguicho. Com jornalista de boca calada não tem jornal.

Claro que não se pode subestimar a pandemia. Seus efeitos são reais, concretos, está matando muita gente, precisamente por ter este governo subestimado a gravidade do vírus. Um vírus danado que se multiplica com uma velocidade incrível e de fácil contaminação. 

O papel da imprensa, nesta hora, deve ser o de orientar, mostrar o que está certo e o que está errado, partindo do princípio de que só está certo quando se trata de uma enfermidade mortal o que diz a ciência.

O isolamento é necessário? Claro que é, mas, é certo também que nem todo mundo pode ficar em casa, há trabalhos que são essenciais para dar continuidade à vida. Quem são os que não podem parar? Há uma escala de prioridade, naturalmente.

1º  setor de saúde. Médicos, enfermeiras, pessoas que trabalham nos hospitais e nas farmácias, não pode parar.

2º setor de alimentação. Ninguém pode parar de comer e não há como estocar comida para um ano inteiro. A saída esporádica para as compras essenciais são inevitáveis.

3º setor de transporte. Toda essa gente que cuida da sua saúde e garante a sua alimentação tem que se deslocar de sua casa para o local de trabalho. Alguns levam uma hora ou muito mais para fazer esse percurso.

4º setor de jornalismo. Sem os jornalistas, estamos bem encrencados, sem informação de qualidade e à mercê das mentiras e meias verdades criadas pelo gabinete do ódio para nos distrair e dividir.

Mais burrice 

Veja quanta coisa errada estão fazendo.

Aqui em São Paulo, primeiro bloquearam a entrada de automóveis. Foi um verdadeiro pandemônio. Se deram conta da burrice e agora implantaram um rodízio radical, dia ímpar circulam carros com placa ímpar e dia par, carros com placas de final par.

Fazem tudo isso e, ao mesmo tempo, diminuem a circulação dos ônibus, do metrô e dos trens. Com isso, pretendem que as pessoas fiquem em casa compulsoriamente. Pera aí, cara pálida. E aqueles que precisam sair para atender às necessidades especiais de saúde, alimentação e transporte?

Não é assim. Uma administração civilizada garantiria maior circulação dos transportes coletivos. É a única maneira de diminuir a circulação de automóveis. E mais, cada veículo de transporte coletivo tem que ser desinfetado ao final de cada viagem; álcool em gel precisa ser distribuído nas estações, assim como máscaras descartáveis para a população usar.

O metrô de Nova York, por exemplo, que normalmente circula 24 horas por dia, agora está parando à meia-noite para que as equipes de desinfeção tenham mais tempo para desinfectar os carros e as estações e as pessoas possam ser transportadas com menor risco.

Mais burrice 2

O uso de máscaras é obrigatório. Tudo bem, no mundo inteiro é assim. Aqui, na capital, destacaram a polícia militar para cuidar do assunto. Pelo amor às deusas e deuses deste universo! Tive um pesadelo esta noite, vendo um franco-atirador da PM com mira telescópica num fuzil matando gente sem máscaras. 

Botar a PM para cuidar de um assunto desses… esses caras atiram primeiro e perguntam depois. Para isso foram treinados! Para eles, bandido bom é bandido morto.

Para dar à PM essa responsabilidade, teriam que tirar deles a cartucheira com a pistola ou o trezoitão e dar no lugar uma sacola com máscaras descartáveis. “Ei você aí! Tá sem máscara por quê?” E, em vez de dar-lhe um tiro, dar-lhe gentilmente uma máscara. Isto é trabalho educativo e caritativo, pois muita gente não sabe como obter uma máscara.

E a economia?

Com relação à economia, o que vemos é um desentendimento entre um projeto das forças armadas, o projeto do banqueiro Paulo Guedes e a vontade de gastos do Congresso Nacional. Todos os três setores parecem viver em um outro país. Perderam completamente o sentido da realidade, da realidade aqui longe da Ilha da Fantasia que é Brasília.

A última do Congresso foi aprovar um aumento para o funcionalismo. Tudo bem… todo mundo merece ter um aumento, pois desde há muito tempo estamos vivendo sob um arrocho terrível. Porém, onde menos pesa esse arrocho é no funcionalismo público.

O trabalhador do setor privado está com salário arrochado, precarização e perda de direitos e, ainda por cima, por conta da pandemia, estão reduzindo os salários. Desemprego e subemprego em massa já atinge mais da metade da população ativa. Enquanto o governo chora para dar R$ 600 para a população que mais necessita, o funcionalismo quer ganhar aumento e os deputados aprovam.

Onde é que estamos? 

O governo já estava quebrado e com o país em recessão antes da pandemia chegar aqui. Já são dez anos de recessão e PIB negativo. A Pandemia veio pra agravar essa situação. A arrecadação que já era insuficiente, com a economia paralisada, fica menor ainda. De onde é que vai sair o dinheiro para pagar o aumento do funcionalismo?

Os adoradores da política fiscal sabem que não têm mais por onde sangrar para pagar os gastos públicos. O que arrecadam já não dá pra pagar a conta. E os economistas sérios sabem que não é anulando o Estado que se reduzem os gastos públicos, mas sim pondo a economia produtiva pra funcionar. Com trabalho e produção é que se resolve a crise.

Trabalho

Nós já falamos aqui que como consequência da crise todos, veja bem, todos vamos sair mais pobres. Claro que isso não afeta os que estão entre os 1 e 10% da população. Este é um outro país. Um outro país que se nega a prestar atenção ao país verdadeiro em que vivem 200 milhões de pessoas.

Vamos sair mais pobres, porém, em compensação, mais ricos em humanidade, mais dispostos a pensar um mundo novo porque este em que estamos, com esse modelo hegemônico que só favorece os mais ricos não dá mais. Aproveitar que ficou evidente a essencialidade do trabalho para fazer que o trabalhador seja o condutor do processo.

Crise, em chinês, é oportunidade. Sempre há quem ganhe na crise, e sempre há oportunidade de se construir algo novo. A crise sanitária, que está obrigando as pessoas a permanecerem em casa está levando ao desespero gente que não consegue viver sem estar explorando alguém. Dondocas tendo que ir à cozinha. “Aí já é demais”.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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