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Milhões de brasileiros esperam há mais de 30 dias por auxílio que deveria ser emergencial

Enquanto Jair passeia de JetSki e torra milhões em "gastos secretos", trabalhadores esperam que o Governo Federal libere ajuda financeira para sobreviver a pandemia
Luciano Velleda
Sul 21
Porto Alegre (RS)

Tradução:

A artesã Ana Maria Cardozo dos Santos nunca passou por uma situação tão complicada como a que vive agora. Aos 57 anos de idade, tem dependido da ajuda e doação dos filhos para sobreviver. Moradora de São Leopoldo, está acostumada a expor seu artesanato em feiras pelo Estado, atividade por ora suspensa — e sem previsão de retorno — devido à crise do novo coronavírus. “Onde tem feira, costumo ir, mas agora estou com meu artesanato todo encaixotado”, lamenta. “Não quero que os outros fiquem me dando as coisas, quero trabalhar, trabalhei uma vida inteira”. 

Para organizar suas finanças, Ana Maria abriu, em 2019, um CNPJ como microempreendedor individual (MEI). Foi com esse perfil profissional que ela fez o cadastro no aplicativo desenvolvido pelo Governo Federal, ainda no início de abril, para receber o auxílio emergencial de R$ 600 aprovado no Congresso Nacional. Na ocasião, contou com a ajuda da sobrinha para preencher os dados, enquanto a filha fez do seu marido, João Batista dos Santos, de 57 anos.

No dia 23 de abril, a artesã e seu marido receberam a mensagem de que seus cadastros estavam “inconclusivos”. No mesmo dia refizeram o pedido, sem saber, no entanto, qual poderia ter sido o erro. “Não tinha motivo pra ser inconclusivo e (a mensagem) não dizia por quê. Não deram uma razão do porque ser inconclusivo. Seria mais fácil se dissessem, pra arrumar”, reclama Ana Maria.

O pedido dela e do marido para receber o auxílio emergencial está agora em fase de análise. “Emergencial, pra mim, é pra ontem”, afirma a artesã. “O negócio é esperar, mas a gente vai ficando nervoso… não gosto de ficar parada.”

Ana Maria diz que, pra ela, “não tem tempo ruim”, e que já conciliava o trabalho de artesanato com outros serviços, alguns “bicos”, como pintura de casa ou uma instalação de chuveiro. Todavia, neste momento, nem esses serviços têm proporcionado renda. “Agora não aparece nada, o pessoal não chama. E a gente não tem renda nenhuma, se não trabalhar, não tem.”

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Agência Brasil
Mais de um mês após ser lançado, se acumulam relatos de problemas no pagamento do auxílio emergencial. Foto: Marcello Casal Jr

A emergência que falta

Assim como a artesã de São Leopoldo, a jovem Kamila Matos, 24 anos, também fez o cadastro para receber o auxílio emergencial de R$ 600 no começo de abril, logo no primeiro dia em que o Governo Federal lançou o aplicativo. Dias depois, recebeu a mensagem de que seu pedido não havia sido aprovado.

Moradora de Alvorada, mãe de uma menina de quatro anos, Kamila é beneficiária do programa Bolsa Família há cerca de um ano e recebe R$ 180 por mês. Como o governo anunciou que os beneficiários do Bolsa Família que ganham menos de R$ 600 receberiam, automaticamente, o auxílio emergencial, Kamila concluiu que essa devia ser a explicação para a negativa do seu cadastro.

Segundo o Executivo explicou na ocasião do lançamento do auxílio emergencial, integrantes do Bolsa Família com o perfil de Kamila receberiam os R$ 600 na mesma data do tradicional pagamento do programa de transferência de renda. Porém, quando o dia 20 de abril chegou, o valor que entrou na conta de Kamila foi o mesmo R$ 180 de todo mês.

Ela então foi até uma agência da Caixa Econômica Federal (CEF) entender o que estava acontecendo. No banco, foi orientada a esperar o próximo dia 20 de maio, porque agora “talvez” o valor do auxílio emergencial seja depositado. Ainda assim, Kamila Matos não alimenta muita expectativa. “Não sei se vai funcionar, porque agora no aplicativo diz que só está liberado os R$ 180.”

Os trabalhos de serviços gerais que fazia para ganhar um pouco mais também estão parados. Enquanto isso, ela segue contando com a ajuda da mãe para viver e cuidar da filha.

Efeito bumerangue

Natural de Camboriú, Santa Catarina, Ariana Pereira da Silva, 35 anos, prefere ser chamada de Ariana Perfi, uma abreviação adotada pela família. Cuidadora de idosos, em 2018 ela largou o trabalho para se dedicar exclusivamente ao cuidado do idoso mais importante do mundo: seu pai. Na ocasião, morava em Caxias do Sul e retornou à cidade catarinense para ficar ao lado dele, acometido por problemas de saúde.

A dedicação não evitou “a passagem” do pai. Após o falecimento dele, decidiu então ficar mais um ano em Camboriú, dessa vez ao lado da mãe. Em dezembro de 2019, entretanto, regressou a Caxias do Sul, cidade onde sua filha mais velha, de 15 anos, mora com o pai — Ariana é mãe de outra menina, de apenas dois anos.

Poucos meses depois de retornar à serra gaúcha, a crise do novo coronavírus revirou sua vida e a de todo o planeta. Com o problema sanitário veio a crise econômica, e logo as estórias de pessoas em dificuldades em Caixas e arredores fez com que ela e amigos começassem a criar uma rede de solidariedade para ajudar quem precisasse. Inicialmente, o grupo formado no WhatsApp tinha a função de socorrer pessoas conhecidas, mas não demorou para a demanda crescer.

O anúncio do auxílio emergencial de R$ 600 logo virou pauta, diante da quantidade de relatos de pessoas com dificuldades no cadastramento ou no recebimento do benefício. Sem renda desde quando parou de trabalhar para cuidar do pai, em 2018, Ariana também entrou com o pedido para ganhar o auxílio. E assim como tantas outras pessoas, se viu na situação de uma espera quase infinita.

Primeiro, seu pedido ficou em análise por quase 30 dias, até receber a mensagem de que havia um erro no cadastro. Refez o cadastro e, dias depois, novamente recebeu mensagem acusando erro, dessa vez na ausência do número de CPF da filha mais velha. Ela está agora na terceira tentativa. O pedido encontra-se em análise. Enquanto isso, a cuidadora de idosos tem sido auxiliada pela própria rede de solidariedade que ajudou a criar, ainda no início da crise do coronavírus. Dos casos de Caxias e arredores, a rede, batizada de comunavírus — uma provocação calculada em função do termo criado por bolsonaristas —, tem atuado na ajuda de pessoas em dificuldades em outros estados, com Santa Catarina, Paraná, São Paulo e até Pernambuco.

“Se não fosse essas redes de solidariedade, e nem falo da minha, falo de todas, porque ninguém consegue sozinho, é através da solidariedade alheia. É assim que funciona uma rede, como vários pontinhos que se ligam, porque sozinhos, não pescam nada”, explica Ariana Perfi, feliz em poder ajudar e receber ajuda. “Uma pessoa só não dá conta. São mesmo vários pontinhos até fechar uma rede bem fechadinha.”

Luciano Velledajornalista da Rede Brasil Atual

As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Luciano Velleda

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