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É preciso armar uma frente revolucionária contra o pacto bolsonarista, diz Dilma

Em entrevista para meio de comunicação argentino, a ex-presidenta fala sobre a crise que vive o Brasil, relação com a Argentina e sobre o golpe que sofreu em 2016
La Pizarra
Buenos Aires

Tradução:

Em entrevista à Radiola Pizarra, meio de comunicação argentino, Dilma Rousseff, ex-presidenta da República Federativa do Brasil, falou sobre coronavírus, seu ativismo político na ditadura militar brasileira, sua carreira política e sobre o Golpe de Estado que sofreu em 2016.

A brasileira também foi questionada sobre a crise sanitária que está acontecendo aqui no Brasil e a entrevista também tratou de nomes como Jair Bolsonaro, Alberto Fernández e Mauricio Macri.

Confira:

Em entrevista para meio de comunicação argentino, a ex-presidenta fala sobre a crise que vive o Brasil, relação com a Argentina e sobre o golpe que sofreu em 2016

Ricardo Stuckert
“Bolsonaro é a saída neofascista que viabiliza uma agenda neoliberal.”

Sobre seu ativismo político na clandestinidade e na tortura

Eu cresci naquela época em que os governos progressistas que haviam construído os Estados Nacionais, como Perón na Argentina e Getúlio Vargas no Brasil e seus sucessores, foram impedidos de governar por golpes de estado militares. 

Minha juventude se inicia com um golpe ditatorial, então eu decidi consagrar minha vida a mudar a realidade e construir a democracia no Brasil. Naquela época meu povo estava despojado de direitos, tinha imensas dificuldades para sobreviver, então esse processo me leva a tomar uma posição de enfrentamento da ditadura. 

Nós militamos nestas circunstâncias, quando fomos presos encaramos a morte e nos levaram ao limite. Compreendemos com absoluta clareza como é um governo que usa o terror, a tortura e as ameaças de morte para criar as condições que facilitem seu governo. 

Eu não creio que as pessoas mereçam passar por uma experiência como a minha para entender a importância da democracia. 

Sobre sua carreira política e sua etapa como presidenta

Naquele momento os meios davam a vitória ao meu oponente. Meios como o Jornal Nacional diziam que a votação dava ao meu opositor o triunfo eleitoral e informavam sobre a celebração ridícula da sua derrota. 

Foram muito precipitados como sempre, e ao mesmo tempo, no dia da minha eleição, só um pouco antes da apresentação dos resultados oficiais o “jornalismo” da Rede Globo dizia “e agora começa o impeachment”. 

O resultado ainda nem tinha sido proclamado oficialmente pelo Tribunal Eleitoral, mas já os meios falavam de um impeachment contra mim.

Segundo a lei brasileira se pode julgar e condenar com um impeachment no transcursos do mandato; então foi incrível que os meios tenham anunciado meu impeachment antes de que o resultado da minha eleição fosse comunicado. 

Em termos futebolísticos eu diria que a Rede Globo fabricou um pênalti contra mim. 

Sobre o golpe de Estado e a perseguição política

Todos os golpes são um processo e têm um ato inaugural; no golpe de 2016 o ato inaugural foi o impeachment, mas não terminou aí.

Nós fomos golpeados porque tínhamos uma agenda de fortalecimento das políticas sociais, industriais e por nossa posição internacional que defendeu o multilateralismo e que não estava ancorada aos Estados Unidos. 

Eles deram o golpe para impor uma pauta neoliberal, porque o Brasil não tinha essa pauta. Nós tínhamos três bancos públicos, tínhamos Eletrobras, Petrobras, Banco do Brasil, uma sólida reserva econômica e 370 milhões de dólares de reservas, então não tínhamos nenhuma fragilidade estrutural maior. 

Quando eu ganhei as eleições eles viram que por quatro vezes consecutivas nós tínhamos derrotado suas pautas. 

Eu sofri o impeachment no dia seguinte da minha eleição e eles aplicaram a pauta que perdeu a eleição. Também (depois da minha eleição) começa a perseguição através da operação Lava Jato, o chamado lawfare.

O lawfare tem como objetivo criminalizar a política.

Sobre Jair Bolsonaro e Mauricio Macri

Hoje há vários pedidos de impeachment contra Bolsonaro. 

O que o sustenta é um pacto porque ele é a saída neofascista que viabiliza uma agenda neoliberal.

A direita neoliberal sempre viu Bolsonaro como um político que podia ser manipulado, tutelado, e sabiam que ele queria uma possibilidade de acomodar-se em uma cadeira presidencial. 

Há partes da sustentação desse pacto que se romperam, mas o pacto ainda se mantém.

Os mercados continuam aprovando o Bolsonaro e diante deste pacto é preciso armar uma frente revolucionária.

Quando chega a eleição de 2018, os setores mais pobres da população já estavam em uma situação difícil, porque eles criaram uma austeridade dentro da Constituição e acabaram com os gastos em educação, saúde, moradia etc. Então, quando chegam as eleições eles sabem que se permitissem, Lula ganharia a contenda e impedem que ele chegue. 

Os candidatos de centro direita e de direita, que eram a maior força política depois de nós, tinham só 4% de aprovação; eles destruíram a centro direita e a direita e o que sobrou foi Bolsonaro. Disseram: nós o enquadraremos (a Bolsonaro) quando seja presidente. 

O aspecto neofascista de Bolsonaro é extremamente desagradável para os integrantes das elites, mas não o suficientemente desagradável como para não apoiar suas reformas.

Thomas Piketty diz que há uma característica da globalização e da financeirização que é a chamada curva do elefante. Como é essa curva do elefante na América Latina? Os mais pobres, 50% da população que integra esse segmento, ganharam; mas também ganharam, inclusive mais do que eles, os ricos que estão na tromba do elefante; mas no meio do elefante onde estão as classes médias, não houve o mesmo ganho, ganharam, mas muito menos que o resto e isso provoca ressentimento. Esta é uma das razões que influi também no impacto do surgimento de personagens como Macri, que chega ao poder com votos e não com um golpe. 

O que explica que Macri tenha sido vitorioso na Argentina? Pode ser a chamada curva do elefante, ou seja, que a proporcionalidade do crescimento entre as diferentes classes sociais prejudica uma certa classe média que se mostra rancorosa e que quer outra solução. 

Eu não creio que as pessoas votem por moda no não, não votam em contra, as pessoas votam por aquilo que precisam. As pessoas votam pelas propostas. 

No Brasil as pessoas votaram no Bolsonaro porque acreditaram que ele era antissistema, confiaram nisso, mas não suspeitavam que Bolsonaro era a fase mais negra do sistema. 

Criminalizar a política e construir o relato do não, não e não passa a ser algo que não respeita a vida da pessoas e isso abre o caminho para salvadores da pátria, aqueles que dão respostas incultas, como Trump, que diz que o problema são os mexicanos, ou no Brasil que diziam que o problema era o PT. 

Sobre a crise sanitária no Brasil

Aqui no Brasil temos um presidente que não acredita que exista a pandemia e que pensa que tudo o que há são cérebros que maquinam contra a população. Ele é um absurdo vivo que considera que a Covid-19 é uma gripezinha. 

Brasil é hoje o principal lugar onde se desenvolve a pandemia. Vamos chegar ao primeiro lugar tanto em contágios como em mortes, porque não se tomam as precauções necessárias. 

A pandemia poderia ser enfrentada perfeitamente (no Brasil) se tivéssemos um presidente como Alberto Fernández da Argentina

Sobre Alberto Fernández

Eu creio que hoje o papel de Alberto Fernández transcende a Argentina porque é um presidente que tem a capacidade para guiar um caminho nesta crise nunca vista para o povo argentino, que sabe como conduzi-lo para não apenas enfrentar a pandemia do ponto de vista sanitário, mas também da defesa das condições de vida para que as pessoas sobrevivam e as empresas também.

Alberto dá neste momento uma força que é muito importante, é a segurança de uma liderança que tem rumo e clareza, que fala com as pessoas e que é democrático. Ele desempenha um papel que é de grande relevância para a América Latina; todos nós o situamos como uma referência. 

Alberto Fernández nos dá esperança e as pessoas pensam então (no Brasil): Ah, nós também podemos ter um Alberto Fernández!

Sobre a Espanha e a crise na União Europeia

Eu estou muito preocupada pelo que vejo na Espanha. O partido Vox, de extrema direita, quer atribuir o custo da epidemia ao desgaste do governo de Pedro Sanchez. 

Eu creio que há outros problemas sérios na Europa; por um lado está a decisão da Corte Constitucional da Alemanha que questiona as relações de ajuda econômica dentro da União Europeia. Eu creio que há dois propósitos: o primeira é a posição de Merkel e Macron que falam de uma ajuda (econômica) que não é um empréstimo, mas sim uma contribuição não reembolsável, e a posição dos chamados “quatro frugais” que são os austríacos, os dinamarqueses, Holanda e Suécia; eles minam a União Europeia porque não têm uma política de ajuda e solidariedade. Para que serve então a UE!

Eu creio que se houvesse uma posição mais consistente da Europa não haveria esse espaço para partidos como o Vox que tentam penetrar e desestabilizar a relação política do governo do Pedro Sánchez.

Os dois grandes problemas globais são o confronto de Trump com a China e a crise dentro da EU; um novo mundo dentro das relações multilaterais pode surgir, mas eu não sei qual…

Confissões mais íntimas

Dilma nos confessou que na sua infância se destacou sempre como uma menina “estudiosa e muito rebelde”, e que era particularmente boa com os números. 

Disse a “a rebeldia é uma forma de estar no mundo” e que por isso sempre quis saber o porquê das coisas e formar seus próprios conceitos. 

Nos contou que na sua casa se falava de política e que quando seu pai, um imigrante búlgaro que chegou ao Brasil depois da Segunda Guerra Mundial, sempre comentava tudo o acontecia no Brasil e em outros países do mundo. “Ele acompanhava os acontecimentos da União Soviética, gostava muito dos povos da Alemanha e da França, não dos governos, mas sim de sua gente porque viveu nesses dois países”. 

De seu padre nos confessou também que foi ele quem lhe transmitiu um olhar mais global, e que da Argentina soube desde muito cedo porque acompanhava seu pai às óperas do teatro Colón, em Buenos Aires, com apenas 12 anos. “Meu pai ia à Argentina só para isso e minha mãe não gostava de ópera, então eu o acompanhava”. 

Sobre a histórica imagem de seu julgamento no Tribunal da ditadura militar, onde aparece com a cabeça levantada, nos confessou que seu único pensamento nesse momento era denunciar a tortura. “Naquele momento eu só pensava que tinha que denunciar a tortura. Quando nos levaram diante do juiz eu disse: senhor juiz, eu fui torturada pelas minha ideias”. 

“Eu pensava simplesmente que havia que enfrentá-los e fazê-lo sem medo, porque como dizia um grande literato brasileiro, Guimarães Rosa, “o que a vida quer de nós é coragem”. 

Também nos confessou que a vitória eleitoral em 2014 foi o momento mais emocionante de sua carreira política.

Tic Tac

Comida preferida do Brasil: O churrasco

Séries que recomenda: “Downtown abbey” e “O mentalista”.

Personagens históricos que a fascinam (fora do Brasil): Napoleão e Deng Xiaoping.

Político com o que mais riu junto na América Latina: Hugo Chávez

País onde gostaria de viver fora do Brasil: Argentina (Mendoza) e na Itália (Florença).

Cristina Fernández: Amiga e uma grande estadista latino-americana.

Donald Trump: Não tem método em sua loucura, tem loucura no seu método. 

Lula da Silva: O maior líder brasileiro de todos os tempos.

Sergio Moro: Um pequeno juiz.

Papa Francisco: De todos os papas do mundo, em todo o tempo histórico, é o melhor que pode haver acontecido neste século XXI. 

Pelé o Maradona?: Pelé, mas adoro o Maradona.

Tradução: Beatriz Cannabrava /Ana Corbusier

*Publicado originalmente em espanhol pela Radio Pizarra, escute a entrevista completa aqui: www.radiolapizarra.com


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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