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Ignorante e irresponsável: mesmo após exame, Bolsonaro contribui para ampliar contágio

Ocupante do palácio cometeu crimes (também) contra a Saúde Pública. E mais: a importância da pesquisa brasileira que eliminou o HIV em paciente pioneiro
Maíra Mathias
Outras Palavras
São Paulo

Tradução:

Jair Bolsonaro escolheu um punhado de emissoras de televisão parceiras para fazer o anúncio de que, sim, está com a Covid-19. Aos jornalistas da CNN, Record e TV Brasil ele assegurou: “Confesso a vocês, estou perfeitamente bem. Estou tomando medidas protocolares, para evitar contaminação de terceiros”. A entrevista aconteceu naquele formato em que os jornalistas seguram os microfones, bem próximos do presidente. Ao final, ele pediu às equipes que continuassem filmando. “Espera um pouco que vou afastar aqui para vocês verem minha cara”, afirmou, se distanciando alguns metros. E retirou a máscara de proteção do rosto. O objetivo? De acordo com ele, mostrar que está “tranquilo”.

No anúncio (e ao longo do dia), Bolsonaro acionou o discurso de sempre, minimizando a pandemia. Mas as ações do presidente são mais eloquentes. De acordo com o Ministério da Saúde, o que deveria fazer Bolsonaro, ou “qualquer cidadão brasileiro”, como ele gosta de frisar? Com sintomas, evitar contato com outras pessoas. Diagnosticado, e com sintomas leves, isolar-se em casa.  Jamais tirar a máscara em espaços públicos. Não há nada que o presidente tenha afirmado na entrevista que não pudesse ser dito em uma transmissão pelas redes sociais – que é, aliás, a forma como ele se comunica semanalmente com seus apoiadores. A entrevista serve a outro propósito: tem uma carga simbólica. Reforça a narrativa de que as medidas de isolamento não passam de “exagero” e coloca os jornalistas na posição de cúmplices da irresponsabilidade. 

Ocupante do palácio cometeu crimes (também) contra a Saúde Pública. E mais: a importância da pesquisa brasileira que eliminou o HIV em paciente pioneiro

Palácio do Planalto
Jair Bolsonaro, em Brasília, na comemoração ao 244º Aniversário da Independência dos Estados Unidos da América.

A Associação Brasileira de Imprensa e o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) consideram que houve conduta criminosa por parte do presidente. Segundo a ABI, que pretende entrar com uma notícia-crime no Supremo, Bolsonaro infringiu os artigos 131 e 132 do Código Penal e colocou a saúde de terceiros em perigo. Já Freixo vai acionar o Ministério Público Federal para que o presidente responda por crime contra a saúde pública. Para criminalistas ouvidos pela BBC Brasil, a conduta é reprovável, mas não preenche os requisitos para sustentar um processo penal.

Mas tem mais: a Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou ontem um documento em que afirma que “não há protocolo médico, seja do Ministério da Saúde ou da Organização Mundial da Saúde que recomende medida de isolamento pelo simples contato com casos positivos”. É mentira. No caso de quem esteve em contato próximo com pessoas doentes, a OMS recomenda que “o melhor a fazer é ficar em casa”. 

Já o Ministério da Saúde dá essa recomendação a familiares, mas não a colegas de trabalho que estiveram perto de quem se revelou infectado – o que diz muito sobre a situação de cerceamento da pasta sob Bolsonaro. No início da pandemia, várias empresas enviaram para casa funcionários que tiveram contato com outros contaminados. É, aliás, o que fizeram as emissoras de televisão da entrevista de ontem: afastaram as equipes que se aproximaram de Bolsonaro. E também um dos executivos que almoçaram com o presidente na última sexta-feira: Francisco Gomes, da Embraer, está seguindo o protocolo da empresa, “que prevê quarentena para qualquer pessoa que teve contato com alguém contaminado”. 

Bom senso que não se aplica à Secretaria-Geral da Presidência, que recomenda que seus funcionários adotem o isolamento apenas após o surgimento de sintomas. No Planalto já foram confirmados 108 casos – e mais de 90% deles se revelaram assintomáticos ou de pessoas que apresentaram sintomas leves. Como o número representa apenas 3,8% da força de trabalho da Presidência, o vírus ainda tem muito espaço para correr. Mas testagem em massa e rastreamento de contatos parecem ser conceitos extraterrestres para o governo. 

E, se a apuração do Estadão estiver correta, há outra obviedade ignorada por praticamente todo o governo. O jornal informa que ao menos 13 autoridades que se encontraram com Bolsonaro fizeram exames. Só que oito deles – incluindo Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Braga Netto (Casa Civil) – teriam feito testes rápidos, como são conhecidos os exames sorológicos que servem para detectar se uma pessoa contraiu o vírus (no mínimo oito dias depois do início dos sintomas), não se está com ele na fase inicial da contaminação. Para isso, o exame deveria ser o RT-PCR – que foi feito por cinco ministros, incluindo gente que se abraçou ao presidente no final de semana, como Ernesto Araújo (Relações Exteriores). De posse do resultado negativo do teste rápido feito na segunda-feira (que não quer dizer nada nessa situação), Ramos recebeu pessoalmente dois parlamentares ontem, segundo a Folha

O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal emitiu comunicado pedindo que veículos suspendam a cobertura presencial no Palácio do Planalto. Por precaução, o ideal seria fazer o mesmo nos ministérios e órgãos comandados por pessoas que fizeram os testes errados. Talvez exposto, o governo tivesse de fazer por si o que não consegue fazer pelo Brasil: testar, isolar, rastrear. 

Reações

A notícia de que Jair Bolsonaro está com Covid-19 rodou o mundo, é claro. O assunto foi tratado na coletiva de imprensa diária da OMS. “Todos somos vulneráveis, nenhum país está imune, nenhum indivíduo está completamente seguro”, notou o diretor-geral da Organização, Tedros Adhanom. “Ninguém é especial, todos estamos potencialmente expostos ao vírus. Sejamos quem formos, todos temos a mesma vulnerabilidade. Para o vírus, não importa se você é um príncipe ou um plebeu”, emendou Michael Ryan, diretor do Programa de Emergências da OMS. Ambos estimaram melhoras ao presidente. 

Outra pessoa que teve de lidar com Bolsonaro muito de perto na pandemia foi mais direta: “É crime quando alguém tem consciência que está com doença infecciosa e contamina o outro intencionalmente. O presidente precisa tomar cuidado com o protocolo e com seu temperamento”, constatou Luiz Henrique Mandetta, para quem Bolsonaro “passou a acreditar” na narrativa criada por ele mesmo, de que a doença não passava de gripe. Mas notou o que sempre passa desapercebido pelo presidente: o novo coronavírus não tem uma letalidade tão alta, se comparado a outras doenças, mas como contamina muita gente “é mais letal para o sistema de saúde”. 

No mundo político, os adversários usaram o caso para criticar Bolsonaro direta ou indiretamente. O presidente da Argentina, Alberto Fernández, afirmou: “Este vírus não diferencia entre governantes e governados. Todos e todas estamos ameaçados e por isso os cuidados devem ser extremados. Acho que assim o entendem nossos povos que enfrentam esta tragédia com integridade e responsabilidade”. Por aqui, os rivais mais comuns do presidente – os governadores de SP, João Doria (PSDB), e do Rio, Wilson Witzel (PSC) – recomendaram que ele siga recomendações médicas e desejaram recuperação. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), foi mais enfático: “Espero que ele não utilize para cuidar da saúde nenhuma das bravatas que ele utilizou neste período. (…) A melhor forma de recuperar a saúde é não usar ideologia e política, mas o bom senso e a ciência”, afirmou.

A imprensa internacional deu ênfase à contradição. New York Times, Washington Post e The Guardian lembraram que Bolsonaro negou sistematicamente a gravidade da pandemia, ou trivializou-a, e sempre se disse cético em relação ao vírus. A revista especializada Foreign Affairs deu como manchete no site: “Bolsonaro transformou o Brasil em pária da pandemia”.   

O Caso Schwartsman

O colunista da Folha, Hélio  Schwartsman, escreveu um artigo de opinião poucas horas depois da confirmação do resultado explicando ‘por que torce para que Bolsonaro morra’. Ele começa o texto citando uma doutrina filosófica, o “consequencialismo”, segundo a qual “ações são valoradas pelos resultados que produzem”. “A vida de Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo, tem valor e sua perda seria lamentável. Mas, como no consequencialismo todas as vidas valem rigorosamente o mesmo, a morte do presidente torna-se filosoficamente defensável, se estivermos seguros de que acarretará um número maior de vidas preservadas. Estamos?”, questiona, para citar na sequência um estudo que comentamos por aqui e, até semana passada, não havia sido revisto por pares. 

“No plano mais imediato, a ausência de Bolsonaro significaria que já não teríamos um governante minimizando a epidemia nem sabotando medidas para mitigá-la. Isso salvaria vidas? A crer num estudo de pesquisadores da UFABC, da FGV e da USP, cada fala negacionista do presidente se faz seguir de quedas nas taxas de isolamento e de aumentos nos óbitos. (…) Ficaria muito mais difícil para outros governantes irresponsáveis imitarem seu discurso e atitudes, o que presumivelmente pouparia vidas em todo o planeta. Bolsonaro prestaria na morte o serviço que foi incapaz de ofertar em vida.”

O governo reagiu – e, mais uma vez, tenta lançar mão da Lei de Segurança Nacional, editada em 1983 em plena ditadura, contra a imprensa. O ministro da Justiça, André Mendonça, anunciou no Twitter que pedirá a abertura de um inquérito pela Polícia Federal para ‘investigar’ o texto opinativo. Embora não tenha explicado direito, parte do argumento de Mendonça parece ser o de que Schwartsman usa as liberdades de expressão e imprensa – direitos fundamentais, mas não absolutos – para caluniar o presidente. Um pouco parecido com o episódio da charge de Aroeira, em que Bolsonaro aparece mudando o símbolo dos serviços emergenciais de saúde (uma cruz vermelha) para uma suástica. 

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, também se pronunciou. Disse que o artigo é “um ataque claro à instituição da Presidência da República” e argumentou que, no país, “foi estabelecida uma linha invisível e subjetiva onde qualquer ministro, senador, deputado ou até mesmo um apoiador que participa ou expressa opiniões ditas ‘antidemocráticas’, a responsabilidade é sempre atribuída ao presidente Jair Messias Bolsonaro”.  

O secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten, também usou a falsa comparação, mas com o agravante de que, na sua avaliação, pedir sistematicamente intervenção militar em frente ao Quartel General do Exército ou lançar fogos contra o prédio do STF é menos grave do que assinar um artigo de opinião em um jornal de grande circulação. “Desejar a morte do presidente é um ato antidemocrático e carregado de significações. Por muito menos, algumas pessoas foram presas recentemente”, disse.   

AINDA EM CAMPANHA

Além da entrevista coletiva em que tirou a máscara, Jair Bolsonaro também divulgou um vídeo ontem. Na gravação ele toma hidroxicloroquina e propaga: “Eu confio, e você?”. Mais cedo, ele havia dito aos jornalistas que se tivesse tomado a hidroxicloroquina “como preventivo, como muita gente faz”, estaria sem sintomas da covid-19, “trabalhando até”. “Obviamente poderia estar contaminando gente”, refletiu. Segundo o presidente, a sua equipe médica “resolveu aplicar a hidroxicloroquina, também a azitromicina”. A propaganda presidencial fez com que o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, gravasse um vídeo desmistificando o uso.

Lembramos que, a essa altura do campeonato, a eficácia da substância para o tratamento da covid-19 já foi descartada e seu uso proibido pela agência sanitária dos EUA – e que, diante das evidências científicas, a OMS desistiu dos testes clínicos em seu projeto de pesquisa.  

A propósito: uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina conclui que quase metade dos médicos (48,9%) relatam pressão de pacientes e familiares por tratamentos que não têm qualquer comprovação científica

ENQUANTO ISSO…

Totalmente fora dos holofotes, e 18 meses após a primeira convocação, o senador Flávio Bolsonaro compareceu ao Ministério Público do Rio para prestar depoimento no caso das rachadinhas. 

Também ontem, o pedido de habeas corpus da defesa de Fabrício Queiroz chegou ao Superior Tribunal de Justiça. Por conta do recesso, caiu no colo de um ministro, João Otávio de Noronha, que já recebeu elogios públicos de Jair Bolsonaro. Na cerimônia de posse do Ministério da Justiça e da AGU, o presidente disse que sentiu por Noronha “amor à primeira vista” e que as conversas com o ministro o ajudaram a formar sua opinião sobre o Poder Judiciário.  

Um vírus, duas boas novas 

Cientistas presentes à Conferência Internacional de Aids esta semana trouxeram duas notícias muito animadoras. Uma partiu do Brasil, e chegamos a falar sobre ela na segunda-feira, antes do seu anúncio formal: um homem brasileiro pode ter sido a primeira pessoa a ficar livre do HIV usando apenas medicamentos orais. Os únicos dois outros casos de remissão conhecidos são de pacientes que receberam transplante de medula óssea – o que é complicado e arriscado.

Os novos resultados vieram de um ensaio clínico coordenado pelo infectologista Ricardo Sobhie Diaz, da Unifesp. A pesquisa envolveu ao todo 30 pessoas que já faziam tratamento com antirretrovirais e tinham carga viral de HIV indetectável no organismo. Para investigar diferentes abordagens de tratamento, os pacientes foram divididos em seis grupos, cada um recebendo uma combinação de medicamentos além do tratamento padrão. O homem que teve boa resposta ficou em um grupo que recebeu as drogas antirretrovirais dolutegravir e maraviroc, além de outras substâncias como nicotinamida e a auranofina. 

O tratamento foi interrompido depois de 48 semanas; outras 57 semanas depois, os testes de detecção do HIV no sangue continuavam dando negativo. São, portanto, mais de dois anos sem o vírus no organismo. Há limitações: trata-se de um grupo muito pequeno e, dentre os cinco participantes, só um teve esse desfecho positivo. É preciso repetir o ensaio em maior escala para ver se os resultados preliminares se confirmam.

A outra novidade é sobre prevenção. Um estudo comparou a eficiência da profilaxia pré-exposição (PrEP) usada atualmente – o medicamento oral Truvada, ingerido todos os dias – com uma injeção de cabotegravir tomada a cada oito semanas. E o resultado foi que a injeção se mostrou 66% mais eficaz do que as pílulas. A pesquisa envolveu mais de 4,5 mil mulheres trans e homens em 43 locais na África do Sul, Argentina, Brasil, Peru, Estados Unidos, Tailândia e Vietnã. A taxa de infecções foi baixa: 0,41% no grupo que tomou as injeções e 1,22% no do Truvada.  Embora já se saiba que as pílulas funcionam bem (reduzem entre 92% e 99% as chances de contaminação), a necessidade de tomá-las diariamente pode ser um problema. A adesão a uma droga de ação prolongada tende a ser mais fácil. A pesquisa, no entanto, ainda não foi publicada com revisão de pares, e não conhecemos os detalhes. 

A saída dos EUA 

Os Estados Unidos ultrapassaram ontem os três milhões de casos conhecidos de covid-19. No mesmo dia, o governo Donald Trump notificou formalmente as Nações Unidas sobre a saída do país da Organização Mundial da Saúde. O aviso foi enviado pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, e estabelece que a retirada se dará em um ano, no dia 6 de julho de 2021. Ainda não está claro como (e se) isso vai acontecer. Especialistas em Direito argumentam que a decisão precisa passar pelo Congresso, num debate que pode se estender por meses – e não vingar. 

Mesmo parte dos republicanos são contra a medida. No mês passado, quando o presidente já ensaiava a saída, alguns deles pediram que reconsiderasse a ideia. Entre os democratas, obviamente a oposição é maior. “O Congresso recebeu a notificação de que o presidente está oficialmente retirando os EUA da OMS em meio a uma pandemia. Chamar as ações de Trump contra a covid-19 de caóticas e incoerentes não lhes faz justiça. Isso [a saída] não protegerá vidas ou interesses norte-americanos – mas vai deixá-los doentes e sozinhos”,  tuitou o senador Robert Menendez. Joe Biden prometeu reverter a situação caso vença a eleição presidencial.

Os Estados Unidos são os maiores financiadores da OMS (uma posição que sempre dividem com a Fundação Bill & Melinda Gates), injetando cerca de US$ 400 milhões na entidade todos os anos. Há, com razão, o receio de que sua saída acabe com o financiamento de importantes iniciativas. Mas, se recentemente Trump começou a justificar seu embate com a OMS por uma suposta má atuação durante a pandemia, a verdade é que antes disso ele já vinha desidratando a relação. O financiamento destinado ao organismo este ano deve ser só metade dos US$ 553 milhões estimados em 2019. Além disso, os EUA estão devendo cerca de US$ 200 milhões.

A OMS ainda pode se segurar em outros países que, diante dessa situação, começam a liberar mais verbas, como a Alemanha. Mas segundo a reportagem do Health Policy Watch, o maior problema deve ser a sobrevivência da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o escritório regional da OMS nas Américas, que já vai muito mal – mais especificamente, está  “à beira da falência”, como descreveram três de seus assessores técnicos numa carta recente publicada na Lancet. Os países-membros acumulam juntos mais de US$ 160 milhões em dívidas com a entidade. Só do Brasil, são US$ 24,2 milhões.

Dois terços da verbada Opas, cujo orçamento é separado do da OMS, vêm dos EUA. Talvez o país decida manter os pagamentos, mas nem isso seria um alívio: nesse caso, é possível que o dinheiro passe a vir com restrições, fazendo com que a adminsitração da Opas precise se alinhar às políticas estadunidenses – o que teria resultados catastróficos para países como Cuba e Venezuela, ou ainda para a ações relacionadas à saúde sexual e reprodutiva, por exemplo. 

Ainda não 

Após cobranças de parte da comunidade científica, a OMS reconheceu ontem que estão surgindo “evidências” da transmissão do novo coronavírus pelo ar. Mas tudo indica que ainda não vão ser emitidas, por enquanto, novas diretrizes sobre o assunto. Segundo a organização, é preciso ter mais provas. “Temos que ser abertos a essa evidência e entender, ao mesmo tempo, suas implicações nas formas de transmissão e nas precauções que devem ser adotadas. Estão surgindo evidências, mas elas não são definitivas. A possibilidade de transmissão aérea em espaços públicos, principalmente em ambientes com ventilação inadequada e grandes aglomerações, não pode ser descartada”, disse a líder técnica da OMS no controle de infecções, Benedetta Allegranzi. Na mesma direção, Soumya Swaminathan, cientista-chefe do organismo, pediu cautela: “Todo nosso trabalho faz parte de um processo bem estabelecido, claro que estamos melhorando este processo. Fazemos uma revisão sistemática das evidências e isso demora, pois temos um grande número de estudos. É um método estatístico para ver em que direção as evidências apontam, mas as evidências nem sempre estão em concordância com estudos anteriores, temos especialistas. Agora, precisamos ver quais são os dados e ver a direção específica”.

Sobre as origens 

Seis meses depois, ainda não sabemos direito de onde veio o novo coronavírus e como ele chegou até humanos. Neste fim de semana a OMS vai enviar uma equipe à China para planejar pesquisas nesse sentido. Não deve ser fácil, advertiu Michael Ryan, diretor-executivo de emergências sanitárias: “Passamos décadas tentando fazer isso com o ebola, passamos anos tentando fazer isso com a MERS, com a SARS. Leva tempo”.

O consenso é queo SARS-CoV-2 provavelmente veio de um morcego, mas a partir daí a história é nebulosa. O vírus deve ter passado dele para outro animal e sofrido mutações até conseguir saltar para humanos e, finalmente, passar de uma pessoa para outra. Para saber a rota exata, encontrar um animal com o vírus correspondente ao dos primeiros pacientes seria o a melhor saída, mas isso pode não acontecer nunca

“O vírus pode ter desaparecido, pode não estar circulando naquele animal – pode ter pulado para as pessoas e agora estar se espalhando só por meio delas”, explica Wanda Markotter, diretora do Centro de Zoonoses Virais da Universidade de Pretória, na África do Sul, na matéria do South China Morning Post. A teoria de que os hospedeiros intermediários seriam bichos do mercado de Wuhan perdeu força porque o vírus nunca foi encontrado em amostras de animais de lá. Testes descobriram coronavírus semelhantes em pangolins, mas não são parecidos o suficiente com o SARS-CoV-2 a ponto de eles serem considerados ancestrais. Nem mesmo o paciente zero foi encontrado.

Voltou a acelerar 

Ontem foram registradas mais 48.584 infecções e 1.313 mortes no Brasil, segundo as secretarias estaduais de saúde. No total, são 66.868 óbitos e 1.674.655 casos conhecidos. A taxa de contágio, que vinha caindo, voltou a subir. Segundo estimativas do Imperial College de Londres, na última semana ela saltou de 1,03 para 1,11. Hoje, portanto, 100 pessoas contaminam em média outras 111; estes 111, para outros 123; estes, para mais 136, e assim por diante.

Confesso que omiti 

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta explicou ontem por que, na liderança da pasta, optou deliberadamente por não revelar ao público suas estimativas “duras” sobre o possível número de mortos no Brasil. “Nós tínhamos cenários. O mais otimista era o do Gabbardo [João Gabbardo dos Reis, ex-número dois da pasta], o intermediário era o do Wanderson [Oliveira, ex-secretário de Vigilância em Saúde] e o meu sempre foi o mais duro. Eu coloquei o cenário tanto para a Casa Civil quanto para o presidente. Mas nunca coloquei em público porque sempre achei que isso, primeiro, não ajudava. Esse era o número contra o qual nós tínhamos que lutar para que ele não acontecesse, nossa meta era lutar. E eu achava que se falasse 100 mil, 80 mil, 120 mil (óbitos), eu estaria colocando todo mundo em um pacote só – quando, atrás de cada número desse, tem uma pessoa família”, disse, em entrevista à GloboNews.

Desnecessário dizer que são justificativas muito ruins. Mas Mandetta prometeu que vai liberar as previsões… Quando a pandemia acabar. “Quando terminar, eu prometo que vou mandar pra vocês qual era a nossa previsão e vocês vão poder ver”, garantiu. Por ora, ele se ateve a falar o óbvio: que temos tido em média mais de mil mortes por dia e que vai ser “difícil não chegar aos três dígitos”.

O novo secretário 

Depois da saída de Alberto Beltrame do Conass (conselho que reúne secretários estaduais de saúde), alvo de operações de desvios de verbas durante a pandemia no Pará, quem assumiu foi Carlos Lula, do Maranhão. Segundo a Folha, sua primeira medida foi uma visita a Eduardo Pazuello. Afirmou que, com medo de investigações com motivações políticas, alguns secretários estão deixando de assinar contratos. Pediu a criação de uma câmara de conciliação com a participação de tribunais de contas e Ministério Público, para evitar judicialização. No Estadão, criticou a atuação do governo de modo geral na pandemia (“É uma gestão muito confusa”) mas elogiou o ministro interino: “Pazuello se colocou à disposição, disse que faz questão, semanalmente, de conversar para que possa fazer avaliações constantes e apontar caminhos”.

Carlos Lula fez mais dois pedidos: agilizar um pregão eletrônico da compra de medicamentos para pacientes intubados e garantir que os estados tenham apoio do Itamaraty para resolver os problemas de compras de equipamentos e remédios para a covid-19 no exterior.

Indenização 

O Senado aprovou ontem um projeto segundo o qual o governo federal precisa pagar uma indenização de R$ 50 mil a profissionais de saúde que, após contaminação pelo novo coronavírus, ficarem incapacitados permanentemente para o trabalho. Vale para profissionais de nível superior e técnico, além de agentes comunitários e de serviços de apoio a estabelecimentos de saúde (copa, lavanderia, segurança, limpeza, condução de ambulâncias), e deve ser estendido a coveiros, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais e trabalhadores de necrotérios, além de laboratórios que fazem testagem para covid-19. O texto partiu da Câmara, mas, como sofreu modificações, volta para análise dos deputados.

Agenda 

Nossa editora, Maíra Mathias, participa hoje do debate virtual ‘Como garantir acesso ao tratamento e medicamentos para a covid-19?’. Ela será mediadora da conversa, que conta com os deputados federais Carmen Zanotto (Cidadania -SC) e Alexandre Padilha (PT-SP), além dos especialistas Pedro Villardi e Matheus Falcão. A iniciativa é do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Começa às 18h e pode ser acompanhada por esse link.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Maíra Mathias

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