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Na periferia de SP, isolamento de 87% pouparia 3.600 vidas somente em Sapopemba

Distrito lidera o ranking da Covid-19 e tem alta densidade populacional; governo do Estado diz que ideal seria que 70% das pessoas permanecessem em casa
Deborah Moreira
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Estudo indica que o enfrentamento à pandemia nas periferias de São Paulo não pode ser feito da mesma maneira do que no centro e bairros ricos da cidade. Somente no bairro de Sapopemba, na Zona Leste, 3.642 vidas seriam poupadas com o aumento do isolamento social para 87%. Distrito lidera número de mortes com 327 registros até o final de junho.

Levantamento exclusivo obtido pela reportagem aponta que a taxa deisolamento social em Sapopemba precisaria sair dos 27%, taxa médiado município antes das medidas de isolamento, para 87% para ter umimpacto mínimo de mortes. O índice é maior do que os 70% preconizados como ideal desde o início da crise sanitária pelo Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, criado pelo governo do Estado de São Paulo.

O estudo foi realizado pela Ação Covid-19, grupo formado por pesquisadores da Universidade Federal do ABC e colaboradores de outras instituições brasileiras. Eles compararam os resultados da curva de contaminação em três bairros da capital paulista: Sapopemba; Brasilândia, na Zona Oeste, e Jardim Paulista, área nobrenos arredores da Avenida Paulista. A partir de um simulador, os estudiosos analisaram possíveis cenários de contágio pelo vírus da Covid-19.

Distrito lidera o ranking da Covid-19 e tem alta densidade populacional; governo do Estado diz que ideal seria que 70% das pessoas permanecessem em casa

Elineudo Meira
Distrito lidera o ranking da Covid-19 e tem alta densidade populacional.

A conclusão é de que o isolamento de 70% bastaria para atenuar os efeitos da pandemia no Jardim Paulista, região nobre da cidade — e até na Brasilândia, um dos bairros mais pobres da capital. Porém, a marca seria insuficiente em Sapopemba, o quarto mais denso e o terceiro mais populoso da cidade. 

“Quanto mais precário o território, menos proteção ele vai ter. Sempre as regiões mais pobres são impactadas — se não em nível de infecção, em número de óbitos. Sempre se morre mais e isso está relacionado diretamente ao IPC [Índice de Proteção ao Coronavírus] menor. Em Sapopemba, existe um fator associado que foi determinante para o resultado: a densidade demográfica”, explicou Bruna Gaudencio Guimarães, formada em Relações Internacionais pela UFABC e pesquisadora na área de segurança ambiental, biológica e alimentar.

Índice de Proteção 

Desde o início da quarentena no estado, a capital nunca alcançou o almejado índice de isolamento de 70%. Nesta terça-feira (21), dados do governo do Estado apontam que, em média, apenas 44% das pessoas estão em casa.

José Paulo Guedes Pinto, que atua com economia política (nacional e internacional), tecnologias sociais e economia solidária explica como  pesquisadores da UFABC desenvolveram o simulador:

“Comecei a partir de um modelo feito para o vírus da gripe, modificando para o novo coronavírus. São consideradas duas variáveis importantes: a densidade populacional e o que a gente chama de chance de transmissão, quando duas pessoas se encontram. E isso depende do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do local e do IPC, que é baseado em variáveis de entorno, que tem a ver com a infraestrutura social do bairro.”

O IPC foi desenvolvido por outros pesquisadores do Ação Covid-19, como a jornalista Maira Begalli, doutora em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC, tendo em vista que o IDH poderia não refletir a realidade. 

Na cidade de São Paulo, seguindo os critérios usados para medir o IDH, que varia de 0 a 1, a maioria dos distritos está classificada entre “Alto” e “Muito Alto”. Begalli explica que “isso não reflete a realidade dos bairros. Por isso, criamos o nosso próprio índice usando variáveis do IBGE que determinam situações do entorno como iluminação publica, coleta de lixo, acesso à água e saneamento, tipo de habitação, renda, número de mulheres que são chefes de família”.

A inclusão desses critérios possibilitou a calibração da ferramenta, que tornou possível saber qual é a dinâmica da pandemia em diferentes bairros. Com isso, constatou-se que, em geral, os mais ricos têm maior proteção e os mais pobres, menor.

Como funciona o simulador

A ferramenta está disponível na página da Ação Covid-19. Ao abrir, basta escolher na busca, no canto direito inferior do gráfico, qual bairro será simulado. Ao escolher Sapopemba, por exemplo, sabe-se que a densidade populacional é de 21.076 habitantes por quilômetro quadrado, com IPC “Alto”.

Então, é preciso preencher os espaços determinados para esses critérios. Depois, selecione para qual porcentagem de confinamento quer realizar a simulação, por exemplo, 70%. Antes de clicar em “iniciar” que é a mesma tecla usada para “parar” a simulação, clique em “resetar” e, em seguida em “Iniciar/Parar”. 

No resultado da simulação, com 70% de isolamento social (abaixo), é possível perceber que no 69º dia de infecção, 16,16% da população se contaminaria e 0,6% morreria.

“Para que o distrito de Sapopemba tenha um percentual de infectados simultâneos inferior a 10% de sua população no pico da curva epidêmica, como observados para Jardim Paulista e Brasilândia, seria necessário aumentar o isolamento social para 87%”, diz um trecho do estudo, que utilizou um simulador mais potente do que o disponibilizado online na plataforma Ação Covid-19. 

Na simulação acima, realizada na ferramenta disponível online, é verificado que, mesmo com os 70% desejável, 0,6% da população local iria a óbito, ou seja, 5.462 pessoas. Já com os 87%, verifica-se que o pico da contaminação se daria no 125º dia, com 3,73% da população atingida e 0,1%, 1.820, mortos decorrência da doença.

Mais transparência 

Diversas organizações da sociedade civil, como a Transparência Brasil – juntamente com o grupo de pesquisadores – devem divulgar nos próximos dias uma nota conjunta alertando sobre a falta de divulgação de dados mais detalhados sobre a pandemia do novo coronavírus. A ausência de informação sobre a situação real das localidades causa desinformação geral na população, que precisa ser orientada adequadamente, além de impossibilitar a implementação de ações específicas para cada região.

Na capital paulista, o último dado oficial divulgado no site da PMSP com informações por distrito é do dia 29 de maio. Desde então, não se conhece quantas pessoas estão infectadas e morreram, por bairro, e qual a taxa de isolamento social em cada uma dessas localidades.

“Sempre foi difícil encontrar os números desagregados na menor unidade territorial disponível, por bairro, que é o ideal para analisar. Esse mapa que você teve acesso, nós também tivemos, mas não explica muito, teria que ter um relatório explicando esses dados. E, agora, existem relatórios diários, mas com nível de detalhe muito baixo e isso dificulta checar a veracidade dos dados”, explica o cientista social Guilherme Prado Almeida de Souza, também da UFABC, referindo-se a um mapa recebido da PMSP pela Comunicação do SEESP (abaixo). 

“Não se tem acesso a todos os dados de forma transparente, o que dificulta afirmar qualquer coisa. Então, estamos fazendo uma nota com o portal Transparência Brasil, e outras organizações, que pede uma série de dados como: número de leitos hospitalares, em UTIs, nas redes pública e privada, divisão por gênero, raça, idade. Em outros países esses dados são informados e aqui não são. Isso dificulta”, completa Souza.

Ainda de acordo com os pesquisadores, os dados que vinham sendo divulgados demonstravam que o vírus “não é democrático”. “A gente percebe que tem duas curvas: uma dos ricos, outra dos pobres. Mas, como não se tem mais os dados por bairro, não é possível constatar isso claramente. Há indícios de que a doença foi controlada nos bairros ricos e que há uma internalização da doença, que está penetrando no interior do estado e no interior da cidade”, completa Guilherme Souza.

A reportagem obteve, além do mapa acima, outros três iguais a esse de períodos diferentes, o que dá para apontar que muitos bairros já davam sinais de alta no número de contaminados e mortes. Em 15 de abril, o número de óbitos em Sapopemba era de 28 pessoas, só perdendo para a Brasilândia, que registrava 33. Em 27 de maio, o número já era de 205 mortes, se aproximando do número da Brasilândia (209). Em 18 de junho, ultrapassou a Brasilândia (277), com 300 pessoas mortas por causa do novo coronavírus.

Outro lado

Questionada sobre medidas especificas para conter a pandemia nos bairros mais pobres, a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), respondeu que mais de nove mil Agentes Comunitários de Saúde realizaram, até o dia 19 de junho, 1,3 milhão de abordagens, com visitas e orientações em cerca de 8.800 ações comunitárias. Também afirmou que o isolamento social é orientado de acordo com a realidade do local, sem detalhar de que forma é feito e quais os índices orientados.

Em um vídeo institucional da PMSP sobre o Inquérito Sorológico de Prevalência da Covid-19, é informado que as coletas ocorrerão durante quatro meses em 45 mil pessoas maiores de 18 anos. 

Mesmo sem o mapeamento nos distritos, a capital reabriu sua economia desde o dia 10 de junho — como ocorre em quase todo o estado. Conhecer os dados, como alerta Solange Saboia, coordenadora da Coordenadoria de Vigilância em Saúde, no mesmo vídeo, “impacta inclusive no processo de reabertura da economia, né? Vamos conhecer melhor, por região, do município de São Paulo, como está essa população, se ela está suscetível, se ela está com a doença aguda ou se já tem anticorpos para a doença”.

* Deborah Moreira, do SEESP

** Com edição de Vanessa Martina Silva, do Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Deborah Moreira

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