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Getúlio Vargas colocou-se na história como chefe vitorioso de uma revolução do povo

Para Nelson Werneck Sodré, eminente historiador, havia duas correntes políticas no Brasil, ao final do Estado Novo. Confira:
Ceci Juruá
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Na segunda década do século XX, o Ocidente foi sacudido por dois eventos de porte mundial. Em pleno início da produção dos bens de consumo de massa, graças ao aprofundamento da Revolução Industrial em direção a tecnologias vinculadas à química e à  eletricidade, ocorreram a Revolução Soviética e a Primeira Guerra Mundial, sendo esta de cunho intra-imperialista. A respeito deste evento, lê-se em wikipedia:

O conflito envolveu as grandes potências de todo o mundo, que se organizaram em duas alianças opostas:  os aliados (a Triplice Entente) e os Impérios Centrais (a Triplice Aliança, Alemanha/Austria/Hungria)… mais de setenta milhões de militares, sendo sessenta milhões de europeus.

Muitas foram as consequências diretas e indiretas do grande conflito. No imediato pós-guerra formou-se a União Soviética, o primeiro desafio de fato ao monopólio capitalista das nações que transitaram do colonialismo para o imperialismo. Nações de imenso poder que foram capazes de submeter as duas principais economias orientais (China e Índia) a um processo cruel de pilhagem e estrangulamento social na virada do século XVIII para o XIX.  

Derrubado o  monopólio mundial do imperialismo capitalista,  iniciou-se o desmonte dos antigos impérios coloniais, nos quais o maior destaque fora o Império Britânico, do qual o Brasil era súdito desde o Tratado de Methween (1703), com a mediação de Portugal.  A independência do Brasil (1822) afastara Portugal do xadrez político que oprimia e impunha os seus “padrões civilizatórios” à nossa sociedade. Permaneceram no Brasil,  em posição de poder, Inglaterra, Estados Unidos, e Holanda.  A Alemanha gozou de certos privilégios durante algum tempo, graças ao parentesco das famílias reais governantes nos dois países.  

Os interesses materiais dessas nações, com relação ao território do Brasil, e  suas riquezas e população, passaram à salvaguarda dos norte-americanos, constituídos em “polícia” da América Latina a partir da imposição da Doutrina Monroe, popularmente conhecida como “A América para os americanos”.  Na verdade, aquela doutrina foi muito mais do que uma expressão da solidariedade continental, como pensam as almas demasiadamente generosas. Vejamos o que nos diz um historiador da economia e do desenvolvimento brasileiro.

Para Nelson Werneck Sodré, eminente historiador, havia duas correntes políticas no Brasil, ao final do Estado Novo. Confira:

Reprodução
Conhecido como “pai dos pobres”, Getúlio Vargas iniciou seu governo há 90 anos.

Na América Latina prevalece a consciência generalizada … Sabe-se que a margem de autodeterminação na busca de meios para atacar os problemas do subdesenvolvimento vai-se reduzindo, à medida que os imperativos da “segurança” dos Estados Unidos vai exigindo crescente alienação de soberania por parte dos governos nacionais. (…)

Os Estados Unidos se diferenciam de qualquer outra nação moderna pelo fato de sua formação histórica ter-se realizado em condições ideais de segurança externa. (…) Os ingleses preservaram o Canadá, mas ao mesmo tempo transformaram a sua poderosa frota no principal instrumento de segurança externa dos Estados Unidos. (…) Esta foi a chamada Doutrina Monroe, cuja formulação teve a decisiva contribuição dos ingleses. … uma política inglesa cuja intenção era afastar das Américas as demais potências europeias, formando um espaço econômico sob sua regência.

…os Estados Unidos tiveram que ocupar, ao término da Segunda Guerra Mundial, uma outra posição: exercer uma complexa política de poder em bases totalmente novas. (…) a doutrina da guerra fria surgiu nos Estados Unidos como uma hábil alternativa ao uso da força militar na política de contenção da União Soviética.

…existe uma doutrina perfeitamente firmada. Assim, cabe às empresas privadas norte-americanas um papel básico no desenvolvimento latino-americano como principais intermediárias  da política de ”ajuda” dos Estados Unidos.  Essa doutrina tem suas raízes na própria evolução estrutural do capitalismo americano, no qual o poder econômico tende a concentrar-se,  ao mesmo tempo que a estrutura da grande empresa se diversifica funcional e geograficamente.”  (Celso Furtado. RAIZES DO SUBDESENVOLVIMENTO, p.  13 a 37. RJ: Civilização Brasileira, 2003)

Impressionante poder de síntese de Celso Furtado! Contar em duas dezenas de páginas o essencial ocorrido em séculos de dominação anglo-saxã sobre a América Latina e sobre o Brasil. Essencial, sim! Porque trata da permanência do traço estrutural do subdesenvolvimento brasileiro: a dependência externa. Como ele próprio confessou, admitiu, em livro imediatamente anterior a este sobre Raízes do Subdesenvolvimento, ele relata que ao pensar na especificidade do subdesenvolvimento, na juventude, verificou ser necessário introduzir a dimensão histórica, a exemplo da Escola francesa dos Anais. E ficou convencido, desde então, “de que o subdesenvolvimento era a resultante de um processo de dependência, e que para compreende-lo era necessário estudar a estrutura do sistema global: identificar as invariâncias no quadro de sua história.” (Celso Furtado. EM BUSCA DE NOVO MODELO. REFLEXÕES SOBRE A CRISE CONTEMPORÂNEA, p.73.  RJ: Paz e Terra, 2002)

Faltou esta percepção, tanto a Getúlio quanto aos estudiosos da Revolução de 1930, a revolução vitoriosa desencadeada pelo povo brasileiro, através dos tenentes e do longo passeio revolucionário de Luis Carlos Prestes por terras brasileiras. Partiu deles e das lutas sindicais tão bem narradas por alguns historiadores brasileiros, o grito de “basta! estamos fartos de colonialismo e do novo imperialismo anglo-saxão!” Getúlio foi, acima de tudo, um porta-voz do seu povo.  Falava pouco e ouvia muito.  E soube posicionar-se até a luta derradeira. Colocou-se na história como o chefe vitorioso de uma revolução do povo, com o povo e para o povo. 

Uma revolução que soube acompanhar as oscilações da geopolítica mundial. Perfilou-se solidariamente ao lado do operariado mundial, contra a opressão e o empobrecimento decorrentes de três séculos de colonialismo. Contra as oligarquias primário-exportadoras, associadas ao colonialismo e ao recém implantado imperialismo, aqui presente na empresa canadense Light and Power, solidamente implantada em solo paulista. 

A contra-revolução paulista de 1932 não conseguiu desvirtuar o sentido de 1930. Sobre esse tema, merece resgate o depoimento de  um ex-prefeito de São Paulo: 

...[havia] um comitê secreto, o ‘Buschenchaf’, criado por Julio Frank e que dirigia a política do país por intermédio dessa sociedade secreta. O chefe era Abreu Sodré… A ele obedeciam cegamente os demais, capitaneados por Júlio de Mesquita Filho… que mandava na política de São Paulo diretamente de seus tronos, erigidos no Automóvel Clube e na redação do jornal O Estado de São Paulo, que sempre foi o órgão oficial do grupo que orientava o capital estrangeiro aqui aplicado e unido em torno da empresa Light. (…) Em meu depoimento no Museu da Imagem e do Som… comecei assim:

“1932, como espetáculo cívico foi um espetáculo belíssimo. Como expressão social, uma luta contra-revolucionária para impedir a ascensão do povo. Lutamos, os moços, do lado errado.”

A grande  liderança, aquela que reunia milhares de trabalhadores a qualquer hora e em poucos minutos, sempre pertenceu a Getúlio Vargas e, por extensão, ao PTB. (Wladimir de Toledo Piza. POR QUEM MORREU GETÚLIO VARGAS, p. 18-19 e 25.  RJ: Ampersand, 1998)

Na verdade, são inúmeros os depoimentos sobre o caráter revolucionário de 1930 e sobre o notável personagem, GETULIO VARGAS. Deposto por golpe militar em 1945, dois meses antes de terminar seu governo e de realização de uma Assembléia Constituinte, já  no ano seguinte Getúlio elegeu-se deputado por nove estados e senador por dois outros – Rio Grande do Sul e São Paulo.  

Para Nelson Werneck Sodré, eminente historiador, havia duas correntes políticas no Brasil, ao final do Estado Novo. Os que depuseram Getúlio eram teleguiados do exterior, tinham aliados domésticos e procuravam o comando do  processo de redemocratização, “de sorte que ele não excedesse os limites  formais, mantendo, portanto, as velhas estruturas.” A outra corrente era comandada pelo próprio Getúlio, estava empenhada em aproveitar a Constituinte para liquidar estruturas arcaicas, ainda dominantes entre nós, e abrir “perspectivas para a estruturação de um regime não apenas formal em suas franquias democráticas, mas fundado em condições materiais que fundamentariam a democracia.” (NW Sodré. A Época de Vargas. In Ensaios de Opinião.  RJ: Ed. Inúbia, 1975.

Assim NW Sodré termina seu artigo:

… Vargas, passando à eternidade, marcou com indelével ferrete os que o procuravam infamar. Pena que para vítima de tal porte, fossem tão insignificantes os adversários. 

* Ceci Vieira Juruá é economista, mestre em planejamento e desenvolvimento econômico, doutora em Políticas Públicas.  Integra a diretoria do Centro Internacional Celso Furtado e o Conselho Consultivo da CNTU. (artigo em homenagem a Getúlio Vargas e à Revolução de 1930, em comemoração dos 90 anos.  RJ, dezembro de 2020)


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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