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“Se não impusermos medidas restritivas, outras cidades entrarão em colapso”, diz pesquisador

"Vale destacar que o Brasil tem vários brasis. São diferentes estados, com diferentes perfis epidemiológicos", afirma o médico infectologista Julio Croda
DAIANE BATISTA
CEE Fiocruz
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Boletim epidemiológico da Covid-19 do Ministério da Saúde, divulgado em 22/01/2021, apontou que o país bateu recorde de casos por semana desde o início da pandemia. De acordo com levantamento feito pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), o país contabiliza, até o momento, os números acumulados de 9 milhões de casos e 221 mil mortes por Covid-19. Nos últimos dias, a confirmação de novas infecções e óbitos pela doença tem se mantido num patamar considerado alto.

Em entrevista ao blog do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, o médico infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, explica que o número de casos acelerou muito em consequência do processo de campanha eleitoral e das festas de final de ano.

“Estamos vivendo um recrudescimento da doença, com aumento de casos de internações e óbitos”, destaca, lembrando que o cenário se agrava quando associado ao surgimento de uma nova variante do coronavírus, que tem apresentado maior nível de transmissibilidade. “O surgimento de uma nova variante, predominante em Manaus, que guarda semelhanças com a variante da África do Sul e do Reino Unido, representa um risco muito grande de intensificar a pandemia”, avalia Croda.

A variante identificada como P1, surgiu em Manaus, ainda em dezembro de 2020, e já confirmaramos três primeiros casos no estado de São Paulo. Para Croda, a nova cepa tem grande potencial de trazer mais impacto ao serviço de saúde, já sobrecarregado. “Essa nova variante associada à falta de medidas restritivas de contatos preocupa”.

"Vale destacar que o Brasil tem vários brasis. São diferentes estados, com diferentes perfis  epidemiológicos", afirma o médico infectologista Julio Croda

Agência Brasil
O médico infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz.

Leia a entrevista, a seguir.

CEE Fiocruz – O Brasil vive um recrudescimento da Covid-19, a que se pode atribuir esse aumento do número de casos?

Julio Croda – O recrudescimento da doença, com aumento de casos de internações e óbitos se acelerou muito a partir do processo de campanha eleitoral, quando observamos mais aglomeração, que se intensificou com as festas de final de ano, em dezembro. Isso marca claramente o aumento importante do número de casos, associado ao relaxamento das medidas de distanciamento, tanto do ponto de vista individual como do ponto de vista coletivo, e das restrições de abertura de algumas atividades econômicas. A nova variante, com mais transmissibilidade, a variante P1, que guarda semelhanças com a variante da África do Sul e do Reino Unido, se tornou predominante em Manaus e está se tornando predominante no estado do Amazonas, portanto é muito grande o risco de intensificar a pandemia. Diversos países já adotaram medidas mais restritivas, com interrupção de voos comerciais, proibição de entrada de brasileiros e quarentena obrigatória para aqueles que viajaram recentemente para o Brasil. Isso porque há uma preocupação em trazer mais impacto aos serviços de saúde. Portanto, – é preciso destacar – que essa nova variante preocupa, principalmente, por estar associada a uma falta de medidas restritivas de contatos. O Brasil vive neste momento sua média diária de mil óbitos, patamar muito elevado.

Como avalia a curva que o Brasil descreveu desde o início da pandemia? Chegamos a atingir algum tipo de estabilidade? É correto falarmos, no Brasil, em primeira e segunda onda?

Tivemos, em um dado momento, uma redução de número de casos diários e de óbitos no Brasil todo, uma média de 300 e 400 óbitos diários, ainda que esse também seja um patamar bastante elevado. Já recentemente, tivemos um aumento progressivo. Portanto, vivemos momentos de maior tranquilidade, mas nada similar ao que a Europa viveu. A Europa conseguiu, com medidas mais restritivas de lockdown, uma redução de 90% no número de casos e de óbitos. No Brasil, tivemos sim uma queda, mas não tivemos duas curvas, características de primeira e segunda ondas. A curva do Brasil reduziu com platô muito elevado e voltou a subir.

Mas vale destacar que o Brasil tem vários brasis. São diferentes estados, com diferentes perfis  epidemiológicos. Se pegarmos o estado do Amazonas, por exemplo, temos claramente duas ondas marcantes, a primeira decorrente da história natural da doença, e essa segunda onda , principalmente, associada à nova variante. Existem locais, por exemplo, que tiveram duas ondas marcantes por falta de medidas de restrição, de distanciamento social. Nesses locais, houve uma taxa de ataque muito elevada,  muitas pessoas se infectando e ficando imunes à doença, e uma redução muito rápida de casos. Diferente de outros estados e cidades que implementaram medidas mais efetivas, com número de casos em platô ainda elevado, mas com redução mais gradual e permanente, ao longo do tempo e com menos impacto nos serviços de saúde.

Como podemos analisar as mutações do coronavírus? Por que isso ocorre?

Quanto mais o vírus circula maior a chance de ocorrer uma mutação. A mutação ocorre devido à transmissão, portanto quanto maior for a transmissão em determinada sociedade, maior a chance de mutações no vírus. Aumentando a taxa de mutação, a chance de haver novas variantes com impactos epidemiológicos também aumenta. Existem medidas que fazem com que o vírus circule menos na população, uma delas é a imunidade coletiva através da vacinação, ou medidas de distanciamento social, com uso de máscara, evitando-se aglomeração, instituídas de forma mais severa para evitar o contato, o que consequentemente evita transmissão. Quanto maior transmissão, também, maior a chance de não só aumentar a taxa de transmissão numa região específica, como de favorecer um escape imunológico dos pacientes que já tiveram a doença, portanto, maior a chance de reinfecção com uma nova variante e maior a necessidade de atualização da vacina com componente genético dessa nova variante.

A partir do que estamos vendo em Manaus, qual a possibilidade de essa nova cepa se espalhar pelo país? E, isso acontecendo, que tipo de cenário pandêmico teremos?
Nós estamos atrasados, diversos países já tomaram medidas de restrição por conta da introdução dessa nova variante em um novo cenário epidemiológico. Manaus é uma cidade eminentemente isolada do resto do país, comunica-se com algumas estradas apenas para região Norte, principalmente, com Pará e Roraima. E então, é possível, sim, ainda, impedir ou postergar a chegada dessa nova variante a outros pontos do país, com restrição importante em relação aos voos. Caso não haja essa restrição, deve haver o monitoramento mais adequado dos passageiros que vëm dessa região, principalmente, de Manaus, que devem ser avaliados em relação aos sintomas. Deveria ser recomendada uma quarentena obrigatória para esses passageiros, no sentido de evitar uma transmissão local, produzir novas variantes em outras cidades e novos cenários epidemiológicos. É primordial que toda pessoa que vier de Manaus seja avaliada, até se ter certeza de que ela não tem infecção. Hoje, a maioria das infecções em Manaus se dá pela nova variante. Portanto, prevenir introduções dela nas outras cidades brasileiras é fundamental. Já se sabe que, assim como essa P1, outras podem trazer impacto importante no aumento no número de casos. O que observamos, tanto pelo Ministério da Saúde como pelas secretarias estaduais e pela Anvisa, é que se tem pouco entendimento e pouca ação, do ponto de vista preventivo e do ponto de vista de uma vigilância ativa para controle adequado da disseminação dessa nova variante.

Sabemos que essa nova variante pode infectar mais pessoas, é possível saber se ela também é mais letal?

Uma variante mais transmissível, do ponto de vista epidêmico, tem um maior impacto sobre o sistema de saúde do que uma variante com mesmo poder de transmissibilidade, porém mais letal, isso porque a transmissão se dá de forma exponencial, com um crescimento exponencial de casos, um crescimento exponencial de internações e um crescimento exponencial de óbitos. É mais perigoso ter uma variante mais transmissível do que uma variante mais letal.

Como vê a retomada das aulas presenciais, neste momento em que o Brasil ainda não conseguiu vacinar parcela significativa da população e que temos esse avanço no número de casos?

Cada estado e cidade vive um padrão epidemiológico diferente. Considero que o retorno das aulas deve acontecer, pois trata-se de uma atividade essencial, principalmente, para que não tenhamos um patamar ainda maior de desigualdade social, especialmente, em relação às crianças mais pobres. Essa é a população que mais sofre, tanto do ponto de vista de alimentação quanto de aprendizado. Mas saliento que esse retorno tem que se dar de maneira segura, principalmente, no momento que tivermos um maior controle da pandemia. Cada cidade e estado tem que entender que o retorno das atividades escolares deve se dar no momento em que houver uma queda importante do número de casos, das hospitalizações e dos óbitos, e em que exista uma tendência clara de controle da doença. Assim, a realidade deve ser avaliada em cada cenário epidemiológico e essa decisão tem que ser colocada na balança em termos de custo-benefício, apesar de sabermos que a criança transmite menos, se estivermos num momento epidêmico muito ruim, com uma taxa de ocupação de leitos hospitalares muito elevada, o retorno da atividade escolar pode favorecer um aumento relativamente não tão importante no número de casos, mas isso pode gerar um impacto no sistema de saúde que já está no limite. Portanto, a situação tem que ser trabalhada de acordo com o cenário epidemiológico de cada lugar, considerando a escola como uma atividade essencial.

Que recomendações teria para enfrentarmos a pandemia neste momento?

Estamos no momento com uma transmissão muito elevada do novo coronavírus, em vários estados e cidades. A vacinação se iniciou, e já são mais de 1 milhão de brasileiros vacinados e isso é muito bom. Mas temos um cenário de restrição de número de doses, não iremos vacinar grande parcela da população até o meio do ano, muito provavelmente iremos vacinar o grupo de risco, idosos acima de 60 anos e com comorbidades, numa velocidade menor do que o número de casos e de óbitos. Dessa forma, o impacto da vacinação ainda vai demorar muito e sem medidas restritivas de distanciamento iremos continuar tendo mil óbitos por dia, o que é um patamar muito elevado para o Brasil, principalmente, se vier uma transmissão por essa nova variante que pode piorar ao longo do tempo. Nossa velocidade de vacinação está sendo 100 mil pessoas ao dia, isso significa que a velocidade de transmissão é maior que a velocidade de vacinação. Portanto, se não impusermos medidas mais restritivas, ao longo do primeiro semestre – de 2021 – e mantivermos esse ritmo de crescimento, não só Manaus, mas outras cidades entrarão em colapso.

Daine Batista para a CEE Fiocruz.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

   

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