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Para salvar o Brasil, vale a pena dialogar com quem ajudou a produzir Bolsonaro?

Banqueiros, empresários, o PSDB: em face do desastre nacional, muitos tentam dissociar-se do presidente
Antonio Martins
Outras Palavras
São Paulo (SP)

Tradução:

Cachorro que late, não morde, poderia ter dito o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), para comentar as novas ameaças de Jair Bolsonaro, proferidas este domingo (22/3), diante de uma horda de apoiadores… Mas o parlamentar preferiu ser mais polido.

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Informado de que o ex-capitão prometera “fazer qualquer coisa” e insinuara mobilizar “o nosso exército”, Randolfe ponderou: “A ameaça do presidente é proporcional à fraqueza. (…) Ele poderia ao menos começar a governar e se preocupar com o que é importante”…

De fato: no mesmo fim de semana em que tentou outra vez “fazer o macho”Bolsonaro viu sua potência reduzida por pelo menos três fatos importantes:

O lançamento de um manifesto crítico de banqueiros, empresários e economistas “de mercado” – que, em seu grande maioria, apoiaram a candidatura e sustentaram o governo do presidente. Agora, enxergam: sua descoordenação causou a explosão de mortes; é preciso enfrentar o atraso nas vacinas e tomar medidas de “distanciamento social” articuladas nacionalmente; se o ministério da Saúde continuar paralisado, um “consórcio de governadores”, devidamente “orientado por uma comissão de cientistas e especialistas” deve assumir o “combate à pandemia”.

> Os acenos recíprocos entre o PSDB e o PT, buscando uma saída de emergência. Estão relatados em matéria dos repórteres Pedro Venceslau e Marcelo Godoy, no Estado de São Paulo. O gesto mais marcante foi o apoio de João Dória ao petista Wellington Dias, do Piauí, que passou a coordenar o Fórum dos Governadores, em seu esforço conjunto para obter mais vacinas. Mas os jornalistas relatam, além disso, movimentos envolvendo, além dos dois, o governador baiano, Rui Costa, o ex-governador mineiro, Fernando Pimentel, e, pelo lado dos tucanos, ninguém menos que FHC.

> Os repetidos sinais de que o Centrão, embora ainda sem romper com Bolsonaro, percebeu que talvez tenha de se desfazer da mala mais cedo do que calculava. Eleitos com apoio do Palácio do Planalto há menos de três meses, os presidentes da Câmara e Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) já sinalizam desejo de distância. 

“Não será uma minoria desordeira e negacionista que fará pautar o povo brasileiro e o Brasil”, afirmou Pacheco em São Paulo, nesta segunda (22/3).

Mas talvez tenha sido o deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP) quem resumiu melhor a atitude do bloco: “ninguém vai querer se expor em um governo que pode acabar mal por causa da pandemia. Acredito que os líderes estão se afastando de Bolsonaro até ver no que vai dar esse ministro da Saúde e qual plano será adotado (…) Se não mantiver um cronograma de vacinação, e as mortes aumentarem, não terá como segurar (uma CPI)”, disse ele.

“Não será uma minoria desordeira e negacionista que fará pautar o povo brasileiro e o Brasil”, afirmou Pacheco

Que fazer, diante da possível debandada dos que até há pouco sustentavam o governo? Desprezá-los, por terem participado ativamente na produção da tragédia? Acolhê-los, já que o país mergulhou em crise humanitária e qualquer apoio é bem-vindo para o resgate?

Talvez caiba uma atitude mais complexa. Implica explorar as possibilidades abertas pelo novo ambiente. Ele equivale ao início de desautorização do governo; pode produzir rapidamente sua paralisia e a abertura de polos paralelos de articulação, como sinaliza a própria nota do baronato financeiro. Seria ótimo, tanto para iniciar, enfim, um combate à pandemia, quanto para interromper a marcha dos retrocessos.

Mas, ao lidar com companheiros de viagem tão instáveis, a esquerda deveria se precaver. Os riscos de que uma série de conversações termine em nada, ampliando a espiral de mortes e o descrédito da política, são grandes. A melhor maneira de evitá-los é voltar a suscitar uma visão alternativa de país. Para torná-la clara basta começar com duas ou três propostas simples e viáveis, que deveriam ser difundidas amplamente, como caminho para sair da tragédia e iniciar um resgate.

Banqueiros, empresários, o PSDB: em face do desastre nacional, muitos tentam dissociar-se do presidente

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Que fazer, diante da possível debandada dos que até há pouco sustentavam o governo?

Ei-las:

a) Volta do Auxílio Emergencial de R$ 600:

São indispensáveis para o isolamento social e os eventuais lockdowns. São muito modestos: nos EUA, um pacote de US$ 1,9 trilhão distribuiu cheques de US$ 1,6 mil (R$ 8,8 mil) por cidadão. Mas tornaram-se tabu no Brasil, onde o baronato financeiro quer voltar a impor o desmonte dos serviços públicos e as privatizações. No momento, Centrão e Executivo unem-se para acabar com os R$ 600 e substituí-los por esmolas de R$ 250 ou menos, sem sequer votar o surrupio no Congresso. Exigir o retorno do benefício apontará um caminho necessário para a contenção da tragédia e expressará um passo mínimo para um país menos brutal.

b) Comissão de Salvação Nacional:

O Brasil só evitará um morticínio ainda mais dramático se agir imediatamente, pela vacinação em massa e – enquanto ela não for possível – por todas as medidas de isolamento social necessárias, inclusive lockdown rígido das regiões mais atingidas… Porém, há pelo menos um ano, o governo sabota o enfrentamento da pandemia. Esta atitude resulta, a cada dia, em novos desastres bizarros e inaceitáveis – como a perda de milhões de testes PCR, a falta de oxigênio em hospitais de todo o país e o posto de ministro da Saúde vago, há pelo menos uma semana. Em meio à emergência, a gestão da crise precisa passar para outro órgão. A base deve ser a proposta do neurocientista Miguel Nicolelis: uma Comissão de Salvação Nacional formada por cientistas, gestores e defensores da Saúde Pública, respeitados e com capacidade de pensar e adotar saídas.

c) Contenção imediata da crise social e econômica:

Milhares de indústrias, comércios e serviços estão à beira da falência. No setor público, Estados e Municípios vivem graves dificuldades financeiras e vão se tornar insolventes em breve, por queda abrupta de arrecadação. A volta do Auxílio Emergencial é imprescindível, mas não basta. Um enfrentamento da tragédia que abra caminho para o resgate do país precisa impedir que a base produtiva continue se deteriorando. Enfrentar a pandemia é, também, adotar medidas imediatas para salvar as pequenas e médias empresas e os entes públicos.

As apostas estão sendo feitas, neste exato momento. É preciso entrar no jogo: ninguém pode ficar indiferente diante da tragédia. Mas deve ficar claro que não será possível escapar do desastre sem mudar radicalmente a orientação que levou a ele.

Antonio Martins é jornalista e editor de Outras Palavras


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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