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Nova corrida do ouro é dominada por empresas estrangeiras e garimpo ilegal; perdas para o país são incalculáveis

Ouro que poderia financiar o desenvolvimento continua a enriquecer estrangeiros. São os canadenses que extraem e os chineses que compram
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

O Brasil teve um ciclo de ouro no século 18 que criou uma plutocracia de governança local no Brasil e em Portugal, enriqueceu os membros da corte e financiou a revolução industrial na Inglaterra. Esse modelo adotado na colônia se eternizou. 

A cada nova fronteira mineral aberta no país se vive um novo ciclo de ouro

Nos anos 1980, a Serra Pelada, no sul do Pará, levou para lá uma multidão de garimpeiros, que extraíram 100 quilos de ouro por ano. Ninguém ficou rico e ninguém ficou sabendo para onde foi todo esse metal. 

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O ouro parece inesgotável, assim como a cobiça pelo metal. O quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, onde no século 18 se deu o ciclo do ouro, continua produzindo. As novas fronteiras se estendem pela Amazônia, Sul e Norte, agora explorado não mais manualmente, mas com máquinas, produzindo um dano ecológico muito maior. 

Com a economia paralisada há pelo menos quatro décadas, desemprego estrutural e sem alternativa, o trabalhador vai à cata de ouro, invadindo terras indígenas e reservas florestais. Atrás do garimpeiro vem a grande empresa — 99%  delas estrangeiras, a maioria canadense.

A Constituição de 1988 diz que a exploração de minério nas terras indígenas tem que ser amparada por lei aprovada pelo Congresso

A Lei… ora a lei. Ninguém liga para isso. As maiores vítimas da predação ecológica do garimpo e das mineradoras são as terras indígenas

Em Jacareacanga, por exemplo, destruíram a sede dos mundurucus e dos ianomâmis, o mesmo acontecendo com a Proteção Ambiental Tapajós, na Vila São José. Na região dos mundurucus, extraem 700 quilos de ouro por mês, 70% através de atividade ilegal, segundo o Greenpeace. Um negócio de R$ 4,5 bilhões por ano.

O ouro no Brasil tem duas fontes: a cata manual — garimpo — e a extração industrial — subterrânea ou a céu aberto — praticadas por grandes empresas

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Estima-se que de 1500 a 2000 foram extraídos 3 mil toneladas de ouro. Segundo estudo publicado em maio de 2020 pelo Instituto Escolhas, o garimpo corresponde a 20% do total produzido. Isso considerando o que é controlado, mas deve ser muito mais, dado o descontrole do garimpo ilegal

Entre janeiro de 2015 e maio de 2018, 610 quilos de ouro clandestino foram negociados por R$ 70 milhões, segundo o Ministério Público, e entre 2019 e 2020, com a nova corrida do ouro foram extraídas 85 toneladas de ouro.

Em 2020, o país exportou 29 toneladas de ouro, a maioria de extração ilegal. Com os preços melhores, houve um incremento de 11% na receita alcançando R$ 37 bilhões. A China, em 2019, levou 62% do exportado, em 2020, levou 72%. O país é também um dos maiores produtores.

A tabela, feita pelo Instituto Escolhas, mostra os municípios maiores produtores em 2020, de acordo com o valor da operação, em R$ e a quantidade de dinheiro recolhido pelo Contribuição Financeira sobre Exploração Mineral (CFEM). 

Fonte ANM, consulta em 05 de maio. Disponível aqui. Retirado do Instituto Escolhas

Os valores acima são oficiais, ou seja, do mundo legal, não contabilizando o que é a economia informal e ilegal na produção de ouro. Aí as opiniões divergem e vão de 20% até os que estimam que o informal seria o dobro do formal.

Quem é que pega e leva esse nosso ouro?

Pesquisando, descobrimos que todo o ouro do país é produzido oficialmente é por empresas estrangeiras, como revelam os dados de cada um dos municípios produtores.

Ouro que poderia financiar o desenvolvimento continua a enriquecer estrangeiros. São os canadenses que extraem e os chineses que compram

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A Constituição de 1988 diz que a exploração de minério nas terras indígenas tem que ser amparada por lei aprovada pelo CongressoOu

1 Paracatu – Canadense Kinross Gold Corporation em Paracatu, Minas Gerais, mina de 110 km², considerada a maior mina de ouro em céu aberto do mundo e, desde 1987, a população local está exposta à intoxicação maciça sem que as autoridades tomem providências.

2 Itaituba – Serabi Gold, dona da Palito Mining e da Coringa Gold Projets, está localizada no Tapajós,  em área de 53 mil hectares, com matriz em Londres. A canadense Kenai Resources Ltd., opera nos EUA e no Brasil e quem fez as prospecções para o projeto de ouro São Chico, distrito Jardim do Ouro, região de Tapajós, uma jazida pequena, mas de alto teor, localizada a 30 quilômetros da Mina Palito. A Kenai pertence integralmente à Serabi. Em 2020, foram produzidos um total de 32.003 onças.

3 Sabará – A AngloGold Ashanti é uma empresa sul-africana que veio para o Brasil ainda no tempo em que o apartheid separava, oficialmente, a população africana e negra dos brancos colonizadores. Hoje, opera em mais de 10 países e produz milhões de onças de ouro, equivalentes a 10% da produção mundial. No Brasil, ela assumiu o lugar da inglesa Saint John d’el Rey Mining Co, que explorava a mina do Morro Velho, em São João del Rei, Minas Gerais. Em 2004, houve a fusão entre a Anglo Gold e a Ashanti Goldfields, dando origem à Anglo Gold Ashanti, cuja mina Cuiabá, a mais de mil metros de profundidade, produziu o recorde de 7 milhões de onças. Em 2018, assumiu o controle da Mineração São Bento, em 2012 da Mineração Serra Grande (4 milhões de onças), em Goiás. Em 2019, o país investiu US$ 120 milhões no Brasil.

4 Jacobina – Jacobina Mineração e Comércio Ltda, controlada pela canadense Yamana Gold, explora minas de ouro da Argentina, Brasil, Chile, México e Canadá. Está há 15 anos no Brasil. Na Bahia, explora cinco minas de ouro subterrâneas: Canavieiras, João Belo, Morro do Cuscuz, Morro do Vento e Serra do Córrego. Parte da barragem rompeu afetando a cidade A produção total da empresa, em 2018, foi de 1.041.350 onças equivalentes, incluindo 940.619 onças de ouro e 8,02 milhões de onças de prata. Este ano espera produzir mais de 1,1 milhão de onças de equivalentes de ouro e 120 milhões de libras de cobre este ano com um dos menores custos da indústria. 

5 Santa Bárbara – em Minas Gerais, a Mina de Ouro Pilar da Jaguar Mining que também explora o Complexo de Minas de Ouro Caeté (Pilar e Roça Grande e a Planta Caeté) que produz 95 mil onças de ouro, além da mina de ouro Paciência, perto de Belo Horizonte, adquirida da canadense Leagold. 

6 Godofredo Viana – pequeno município no Norte de Maranhão, onde opera a Mineração Aurizona, do grupo canadense Equinox Gold. A barragem já rompeu uma vez, alagando e destruindo estradas. Produção 120,000-130,000 oz. Opera minas na Califórnia, EUA e Sonora, no México. No Brasil, além da Aurizona tem a mina de ouro Fazenda, na Bahia com produção de 60,000-65,000 oz., Em Goiás, explora a mina Pilar produzindo 25,000-30,000 oz  e em Minas Gerais a RDM com produção de 55,000-60,000 oz. e está em fase de construção da mina Santa Luz, projetada para produzir ~100,000 OZ PER YEAR

7 Crixás – pequeno lugarejo em Goiás possui Operação Serra Grande, complexo com quatro minas, uma das mais rentáveis minas de ouro do país, explorada pela sociedade formada pelo Anglo Gold Ashanti, e a Newinco Comércio Participações, subsidiária da canadense Kinross, que explora ouro em céu aberto em Paracatu, e opera em uma dezena de países das Américas e da África. A AGA se diz a maior produtora de ouro do Brasil e a terceira do mundo. Operam com indústria química, energia e gestão imobiliária. Em Minas Gerais opera duas minas, Cuiabá, em Sabará, e Lamego, em Caeté, e uma planta metalúrgica em Nova Lima e três minas em Santa Bárbara. A produção global da empresa foi de 15 toneladas em 2020, 15% disso no Brasil, equivalente a 1.027 oz. A empresa chegou no Brasil no século 19 como Saint John del Rey Mining Co. em Nova Lima e hoje opera em nove países.

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8 Pedra Branca do Amapari – município no Amapá, onde talvez mais prolifera o garimpo informal, cujo ouro vem sendo explorado pela australiana Beadell Resources, na mina de ouro Tucano comprada em 2003 da Anglo Gold, cuja produção em 2014, a terceira maior do país foi de quase 154.000 onças e 120,000 to 130,000 onças de ouro em 2020.  Em Tartarugalzinho, explora o projeto Tartaruga, com recursos auferidos em 337,ooo oz. Em 2019 a Geadell foi adquirida pelo grupo canadense Great Panther Silver Limited, que opera no Brasil, México e Peru. A empresa também produz minério de ferro na região. Aí também opera a britânica Zamin Amapá Mineração que está paralisada, em recuperação. 19 sítios arqueológicos foram classificados como destruídos

9 Peixoto de Azevedo – município ao Norte de Mato Grosso, na Amazônia, já foi responsável por 10% de todo o ouro produzido no país. Terra indígena e de garimpo ilegal. P.A. Gold Mineração e Metalurgia, controlada pela canadense Gold & Silver Mining Industry. Também opera no município a Fides Gold Mineradora S.A, cujo principal projeto é a Mina União, no município de Matupá, que parece ser propriedade brasileira, capitalizada com fundos de investimentos

10 Barrocas – no Nordeste baiano, ouro extraído pela Fazenda Brasileiro Desenvolvimento Mineral Ltda, empresa da Leagold, que explora ouro e prata e comprou essa mina da Brio Gold, que antes comprara da canadense Yamana. Essa mina subterrânea processa mais de mil toneladas por ano. Em 2020, Leia Gold e a Equinox Gold se fundiram, que passou a explorar seis minas nos EUA, México e Brasil e produzindo cerca de 20 toneladas em 2020. No Brasil, pela Equinox, a Mineração Aurizona, Luna Gold Pesquisas, Luna Gold Participações e Luna Gold Investimento e Desenvolvimento Mineral; pela Leagold: Mineração Riacho dos Machados e Pilar de Goiás Desenvolvimento Mineral. A empresa resultante é Equinox, uma das maiores do mundo

Vale anotar que neste primeiro decênio do século 21 a Bahia se destaca como uma nova grande província mineral, atraindo mineradoras do mundo inteiro. Ouro e tálio, de grande valor, níquel, bauxita e ferro. É o maior produtor de urânio, cromo e outros minerais raros.

11 Poconé – no Pantanal de Mato Grosso, há pouco tempo se cavava no chão das ruas para catar ouro. Virou a capital do ouro com tanta gente que bamburrou. Quem leva? O Projeto ouro Lima, a Poconé Mining Co e outro projeto Livramento Gold project, controlada pela canadense Valterra Resource, que explora minas no Canadá e no México.  

12 Nossa Senhora do Livramento, nascida de um garimpo perto de Cuiabá, no Mato Grosso. Em outubro de 2019, rompeu a barragem. A V & M Mineração, é responsável por 60% da produção anual de minério de ferro do mercado interno brasileiro. A V & M é uma joint venture entre a francesa Vallourec e a alemã Mannesmann.

13 Pontes e Lacerda, também na Amazônia mato-grossense, zona de garimpo desenfreado, industrialmente explorado pela Apoema Mineração do o mesmo grupo do Mineração Tarauacá, controlada pela canadense Aura Minerals com exploração nos EUA, México e América Central. Aura está iniciando o projeto aurífero Alma no Tocantins. Também explora o projeto Serra da Borda Mineração e Metalurgia, nos municípios de Pontes e Lacerda e Porto Esperidião em Mato Grosso, era da Yamana Gold foi comprada pela Aura em 2016

14 Matupá – Projeto Ouro de Matupá, em Alta Floresta também da Aura Minerals que Já explora Projeto Ernesto Pau-a-Pique também em Mato Grosso, controla a Mineração Apoema, que explora a mina de ouro São Francisco, em Nova Lacerda, Mato Grosso, e a Mineração Vale Verde, na mina Serrote da Laje, em Craíbas, Alagoas. No primeiro trimestre de 2021 a Áurea bateu recorde produzindo 66.782 onças equivalentes de ouro, 68% mais que em 2020 e pretende dobrar a produção até 2024. Em 2020, produziu 205 mil onças e pretende chegar a 400 mil. A Aura Minerals teve lucro líquido de US$ 57 milhões no quarto trimestre de 2020; a receita líquida trimestral foi recorde, de US$ 100 milhões.

15 Riacho dos Machados – Pequeno município no Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha, cuja mina de ouro vem sendo explorada pela Leagold Mining, adquirida da também canadense Carpathian Gold que manteve a mina fechada por 12 anos. Nos anos 1990, a mina pertencia à Vale do Rio Doce. Sindicatos e entidades vêm denunciando práticas ilegais como alteamento de barragem e utilização de água de poços artesianos, mas embalde.

16 Conceição do Pará, no Oeste de Minas Gerais, a Mineração Turmalina,  da Jaguar Mining, atingiu em 2020 mil metros de profundidade. A Mina de Ouro Turmalina, na região ferrífera, a 130 Km de Belo Horizonte, onde já foi grande produtora de ouro em séculos passados e, até 1983 foi responsável por 40% da produção nacional de ouro. Agora é propriedade da Jaguar Mining Inc, detém a maior área de ouro no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, algo em torno de 26 mil hectares. 

17 Novo Progresso – município no Sudoeste do Pará, na Terra Indígena Baú, um dos campeões em garimpo ilegal, a mina Coringa Gold Project, de ouro e prata, da Mineradora Chapleau Exploração Mineral, (registrada como Anfield Gold Corp), que em 2017 foi adquirida pela também canadense Serabi Gold . Vale observar que a maioria dos projetos na Amazônia estão em áreas indígenas.

18 Pilar de Goiás – Cidade tombada pelo Iphan, com pouco mais de dois mil habitantes, com a mina de ouro explorada pelo Brio Gold comprada recentemente pela Leagold Mining, que tem a Yamana como sócia. A Brio explora minas no Brasil e no México.  Com a aquisição a produção passa a 400 mil onças por ano.

19 Nova Xavantina, Getúlio Vargas pensou em transferir a capital para essa região na serra do Roncador, onde os bandeirantes descobriram ouro, que hoje está sendo explorado pela NX Gold.  A Mina Santo Antônio produz anualmente umas 40 mil onças de ouro e 25 mil onças de prata. Controlada pela canadense Ero Copper, proprietária da Caraíba Mineração que explora três minas de cobre na Bahia (Vermelho, Surubim e Pilar) e no Pará (Carajás).

20 Porteirinha, na árida região Norte de Minas Gerais, nova fronteira para mineração de ferro e ouro, este explorado pela Mineração Riacho dos Machados, do grupo canadense Carpathian Gold. Sindicato dos trabalhadores denunciou alteamento ilegal na barragem de rejeitos de ouro. Capacidade de produzir 8 mil onças de ouro por mês. 

O projeto de Mineração Volta Grande, da Belo Sun, canadense, está com problemas com ambientalistas e povos indígenas. Conseguiu uma área de 2.400 hectares em Altamira e três Palmeiras, Sul do Pará, na região do médio Xingu, onde também está o projeto da represa da usina de Belo Monte. Situada na Terra Indígena Trincheira Bacajá, do povo M ̃ebengo Kreo Xikrin.

Paulo Cannabrava Filho, é jornalista e editor da Diálogos do Sul

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Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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