Tasso Jereissati, senador e ex-governador do Ceará, é destacado quadro da oligarquia nordestina e brasileira governante: empresário, filho de rico empresário e político influente (Carlos Jereissati, também senador; líder getulista). Foi um dos fundadores do PSDB, ao lado de Mário Covas e Franco Montoro; dentre os atuais dirigentes, se destaca por sua lucidez, que, infelizmente, não contagiou seus correligionários.
Trago à balha essas características do político cearense para pôr em relevo a autoridade de sua crítica ao que corriqueiramente a imprensa denomina de “elite” econômica brasileira, o outro nome da casa-grande, atrasada e burra, inculta e tosca, herdeira do escravismo colonial, sem compromissos com o país ou sua agente. Inquirido pelo Estadão (29/08/2021), se os donos do poder (o repórter usou a expressão “elite empresarial e financeira”) haviam demorado a compreender o real significado do atual regime, para finalmente decidir-se pela oposição, declarou:
“Desde as eleições, essa chamada elite, com honrosas exceções, dentro de um clima anti-Lula, fez qualquer coisa que fosse contra o PT. E essa qualquer coisa foi sem nenhum tipo de qualificação ou mérito. Quem tinha um pouco de noção previu que isso ia acontecer. Até hoje há movimentos que, em nome do antipetismo, levam o país ao caos em um terreno de ameaça às eleições”.
As declarações do senador são oportunas, principalmente quando consideramos que é estampada nas páginas do jornalão paulistano, conhecido pela sua dependência ao sistema bancário. Nada a retirar da análise de Jereissati, mas há muito o que acrescentar, porque a irresponsável opção dessa “chamada elite”, alienada, vem de longe, e comprometeu partidos e candidaturas que se diziam de centro e que terminaram na vala comum do bolsonarismo.
Dessa inclinação não está ausente o PSDB que, caminhando mais para a direita, notadamente a partir de 2014, ficou sem bandeira, sem projeto e afinal perdeu o rumo. Indicador disso foi o pífio desempenho nas eleições de 2014, quando seu candidato foi cristianizado pelas suas bases, em prol da aventura bolsonarista.
A crise de identidade de hoje é mera consequência da traição de seus dirigentes e candidatos. Perdido em campo minado, o partido intenta sobreviver num cenário galvanizado por uma disputa política que cobra definições claras e radicais, pois o jogo diz respeito aos destinos imediatos do país.
Essas questões passam ao largo da entrevista do senador.
Ricardo Stuckert
O fato complicador, para a direta, é que a alternativa ao capitão, hoje, é o ex-presidente Lula.
Antes de mais nada, lembremos, as raízes da tragédia que vivemos – para a qual os bons profetas não anteveem alternativa no médio prazo – não brotam diretamente do desastre eleitoral de 2018.
Podendo ser antevista desde as jornadas de 2013, a traição da chamada elite empresarial apresenta-se, clara como a luz do dia, quando o candidato tucano à presidência da república, o hoje deputado Aécio Neves, se recusa a reconhecer os resultados das eleições de 2014 e o partido dele, e do senador Jereissati, ingressa no TSE com pedido de recontagem de votos, uma extremada leviandade que tinha por único objetivo, confessado pelo candidato derrotado, criar problemas ao novo governo.
No que, lamentavelmente para a democracia brasileira, logrou êxito, uma vitória de Pirro, que se repetiria em 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff, para o qual contribuíram os votos do PSDB, na Câmara e no Senado. O mesmo PSDB que em 2018 engrossou o eleitorado do capitão sociopata, o PSDB que tem votado fielmente com o governo na Câmara dos Deputados, como quando, dias atrás, compareceu com 14 votos a favor da provocação da cédula impressa.
O PSDB, em face do governo, não é situação mas também não é oposição: seus parlamentares continuam no muro da indefinição, o termo polido da pusilanimidade; quando descem, votam com a maioria.
A entrevista do prócer tucano, sendo uma crítica aos colegas empresários, deve ser lida, também, como autocrítica do político e dirigente partidário, que se dá na prática, quero crer, mediante seu recente diálogo com o ex-presidente Lula.
O senador persegue uma terceira via, o Estadão também. Mas só nesse ponto há convergência.
O quadro de hoje, nos diz que está quebrado — ou, pelo menos, fissurado – o pacto que elegeu e sustenta o ainda presidente da república. Se, de um lado, os quatro estrelas de todos os naipes permanecem insensíveis aos reclamos da nação, se o Congresso Nacional e particularmente a Câmara dos Deputados se conservam, na sela do Centrão, a serviço de um governante em litígio com as instituições, de outro, setores empresariais começam a se deslocar do pacto hegemônico, o que é visível nos editoriais e artigos de opinião da grande imprensa.
Mas, há graus distintos de oposição e variados são os projetos. Há os que simplesmente entendem que o capitão é inepto (e, assim, termina por atrapalhar os interesses para cuja defesa foi posto no planalto), como há os que se convenceram de que o “Posto Ipiranga” é mais uma fraude e, entre uns e outros, há, majoritariamente, os que estão convencidos de que, para preservar o país, é fundamental sustar a continuidade do desarranjo, impedindo a reeleição do delinquente.
O amálgama de razões as mais distintas é, no momento, a preservação do processo eleitoral. É a tese que unifica os movimentos populares, a esquerda, os autoproclamados liberais, que participaram de toda a saga golpista, e o que restou do “centro”.
O fato complicador, para a direta, é que a alternativa ao capitão, hoje, é o ex-presidente Lula.
O Estadão, como o senador, não quer mais o capitão, que ajudou a eleger, mas rejeita, arguindo-se um direito de veto, o candidato Lula. Em nome de um antipetismo hepático, bilioso, o jornal, que foi, ao lado de Adhemar de Barros, um dos principais arrecadadores de fundos para o golpe de 1964 (CAMARGO, Aspásia & GÓES, Walder.
Diálogo com Cordeiro de Farias. Ed. Nova Fronteira, 1981, p. 553), não tergiversa mesmo ao risco de levar o país ao caos ou ilidir a democracia sem a qual será fechado, quando não mais lhe valerá o socorro da Faria Lima. Não se trata de tentar a construção de uma terceira candidatura, que mesmo Lula admite como legítima, mas de simplesmente dizer, como dizem setores insubordinados dentre os fardados engalanados, que o PT não pode retornar ao governo, nada obstante o ex-presidente ser hoje a opção majoritária das grandes massas, e, dentre as grandes lideranças nacionais, aquela mais apta ao diálogo e à conciliação.
O anti lulismo desvairado é a posição da direita xucra, de setores atrasados do empresariado, em conluio com uma oficialidade despreparada para o convívio com a democracia. A direita que venceu em 1964 e saiu pelos fundos do palácio do planalto em 1985. Aquela que retornou com Bolsonaro e forceja para permanecer no governo, pendurada nas muitas tetas da Viúva.
Diferente, registre-se, a postura do senador cearense, que, na citada entrevista, vocalizou o pensamento de uma direita, por assim dizer, civilizada. O senador postula uma terceira via (em princípio é pré-candidato de sua sigla), e, sem indicar qual é a linha de seu partido, defende o diálogo: “Se nós [PSDB] ganharmos as eleições, vamos precisar ter um diálogo com o PT. Não é bom para o Brasil viver em um clima de confronto. Pelo que conversamos, o presidente Lula está consciente disso”.
O outro lado do confronto, que a esquerda não pleiteia, não pode ser, porém, mesmo com a fiança do PT e de Lula, mais uma solução prussiana, o entendimento de cima para baixo, da elite sobre os interesses da massa trabalhadora, em prejuízo do real processo democrático, da promoção dos interesses dos excluídos de sempre, da defesa da economia nacional e a apuração dos crimes que se vem cometendo (o capitão à frente da súcia) contra as instituições, contra a soberania nacional, contra os direitos dos trabalhadores e a federação.
* Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia
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