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De Bolsonaro a Bukele: como algoritmo do Twitter beneficiou a direita na América Latina?

Especialista analisa líderes latino-americanos que se beneficiaram do viés, mas destaca que a esquerda não deve abandonar a batalha pelas redes sociais
Redação Sputnik Brasil
Sputnik Brasil
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

A preferência do algoritmo do Twitter por mensagens políticas vinculadas com a direita é uma das descobertas de um recente estudo elaborado pelos próprios responsáveis da rede social. E embora o estudo, que abrangeu sete países, não tenha abordado a situação de nenhum país da América Latina, a conclusão não parece estar afastada do que identificam os analistas da comunicação política na região.

Em conversa com a Sputnik, o especialista argentino em Comunicação Política e integrante do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica Yair Cybel considerou que o viés político identificado na plataforma “não surpreende”, mas a divulgação do relatório serve para “ter uma caraterística mais clara do que são as redes sociais: plataformas privadas onde se determina certa parte do discurso público”.

Cybel enfatizou que não se deve perder de vista que o Twitter e outras redes sociais são de propriedade privada, por isso estão “motorizadas por interesses econômicos” e têm “como fim último a geração de dinheiro”. Por sua vez, se trata de ferramentas nas quais “se determina a opinião pública ou parte dos discursos que circulam na opinião pública”.

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“O interessante do relatório é que visibiliza algo que muitas vezes aparece opaco à leitura pública: o funcionamento do algoritmo, como se move essa lógica de programação, segundo a qual diferentes redes sociais oferecem a você um determinado conteúdo”, apontou o especialista.

Nesse sentido, Cybel avaliou que os próprios responsáveis do Twitter divulgam um estudo que coloca “claramente que as redes sociais jogam em um dos polos da contradição política e seu jogo tende a ser para a direita”.

Para o especialista, a confirmação acaba de deitar por terra “um pensamento embrionário de quando surgiu a Internet” que se mostrava otimista sobre a capacidade das redes de “alterar certa ordem estabelecida” em uma direção mais democratizadora.

Pelo contrário, Cybel sublinhou que “o esquema de concentração e convergência dos meios de comunicação de massa se replica da mesma forma nas redes sociais”. Como exemplo disso, o argentino recordou a queda maciça dos serviços do Facebook, Instagram e WhatsApp durante várias horas registrada em outubro de 2021.

“O que acaba acontecendo é que estas companhias jogam em favor de manter discursos conservadores”, advertiu.

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Que líderes da direita latino-americana se beneficiaram do Twitter?

Cybel considerou que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, é um dos exemplos claros de líderes da direita latino-americana que soube utilizar as redes sociais a seu favor para chegar ao poder. No caso do brasileiro, ele também se aproveitou de outro preconceito do algoritmo identificado pelo Twitter em uma análise anterior: as fake news se tornam virais seis vezes mais rápido do que as notícias reais.

O analista atribuiu este fenômeno ao poder das redes sociais para “criar bolhas de opinião”, devido ao que os usuários tendem a consumir mais as informações que consideram “verídicas” ou que os faz sentir “interpelados”.

Cybel apontou que Bolsonaro se beneficiou eleitoralmente da difusão de notícias falsas acerca de projetos de educação sexual que resultavam escandalosos para setores conservadores do eleitorado brasileiro, mas que não correspondiam à realidade.

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Palácio do Planalto
Jair Bolsonaro teve um uso contundente das redes sociais nas eleições de 2018

Outro caso de estudo deve ser, segundo o especialista, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que se apresenta “como um presidente muito millennial, muito ligado às redes sociais e ao uso do Twitter”. Nesse sentido, ele definiu o mandatário centro-americano como “um tuitador que se move muito bem” na rede social e que “conseguiu bastante posicionamento público a partir do manejo de suas redes”.
Presidente de El Salvador, Nayib Bukelele.

O caso do atual chefe do governo do Equador, Guillermo Lasso, também merece um destaque, segundo Cybel. O analista relembrou que durante a campanha eleitoral de 2020, Lasso não teve um bom desempenho no debate frente a seu rival Andrés Arauz, mas conseguiu reverter a percepção do eleitorado com uma forte campanha nas redes sob o lema “Andrés não minta outra vez”. “Lasso claramente perdeu no debate, mas pôde instalar que tinha ganho”, resumiu.

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Além dos preconceitos nas mensagens, para Cybel também tem influência o poder econômico dos setores políticos, algo muito desigual em regiões como América Latina. “Hoje em dia, quem tem acesso ao uso de centros de bots ou trolls tem a capacidade de marcar agenda, o que vimos na Argentina com Marcos Peña, o chefe do gabinete de Mauricio Macri”, relembrou.

Para o analista, algo similar ocorreu recentemente com protestos de oposição registrados em 2021 em Cuba, encorajados no Twitter a partir de contas e hashtags “que vieram de Miami”.

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Redes, um desafio para a esquerda da América Latina

Para Cybel, o relatório do Twitter deixa claro que disputar a atenção dos usuários nas redes sociais pode dificultar projetos políticos de esquerda ou progressistas. Porém, a solução não deve ser que esses movimentos políticos tendam a abandonar esse espaço discursivo, apesar das dificuldades.

Presidente do Equador, Guilherme Lasso.

Pelo contrário, sublinhou que “segue existindo um espaço para a profissionalização” da comunicação dos partidos de esquerda, mesmo dentro dos “limites propostos pelo próprio algoritmo”.

Pelo contrário, sublinhou que “segue existindo um espaço para a profissionalização” da comunicação dos partidos de esquerda, mesmo dentro dos “limites propostos pelo próprio algoritmo”.

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“Hoje a aprendizagem é que jogamos contra um algoritmo que condiciona a difusão de conteúdo, mas não é por isso que temos de nos afastar daquela plataforma. Pelo contrário, há que tentar entender como os conteúdos são difundidos, como os materiais viralizam, como funciona o algoritmo e quais são as variáveis que se privilegiam”, propôs Cybel.

Em paralelo, o especialista considerou necessário que os Estados latino-americanos “comecem a regular o que passa na Internet e nas plataformas” com o objetivo de estabelecer “quadros de ação sobre o que as plataformas podem e o que não podem fazer, quem são os organismos que asseguram o respeito das normas e quem audita que não se cometam crimes na Internet”.

De qualquer forma, o analista pediu para “não sobredimensionar o que acontece nas redes sociais” em um continente onde grande parte da população ainda não tem acesso à Internet.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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