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Bolsodoria: Governo de SP quer legalizar grilagem de terras e vender áreas de assentamento, denuncia MST

Projeto de Lei do Executivo paulista concede titulação às famílias assentadas, mas permite venda de lotes à iniciativa privada, inclusive estrangeira. Para o MST, é uma ameaça à reforma agrária
Cida de Oliveira
Rede Brasil Atual
São Paulo (SP)

Tradução:

São Paulo – Está para ser votado na Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei (PL) 410/2021, de autoria do governador João Doria (PSDB). A proposta, que tramita em regime de urgência, altera dispositivos de duas leis que tratam de planos públicos de valorização e aproveitamento dos recursos fundiários.

O projeto fala em prazos e critérios para a titulação de lotes da reforma agrária, o que interessa a muitas famílias assentadas, que esperam por segurança jurídica. E também em medidas para evitar a concentração de terras no estado. Mas em suas entrelinhas aponta que estão sendo abertas lacunas que podem levar justamente ao contrário. Segundo a proposta, o “Estado fica autorizado a doar áreas remanescentes de assentamentos aos municípios ou entidades da administração pública, para a utilização em suas atividades ou obras reconhecidas como de interesse público ou social”.

Projeto de Lei do Executivo paulista concede titulação às famílias assentadas, mas permite venda de lotes à iniciativa privada, inclusive estrangeira. Para o MST, é uma ameaça à reforma agrária

@olivia_godoy
O projeto de Doria é uma grande enganação para as famílias assentadas.

E também que “poderá outorgar título provisório ou definitivo, oneroso ou gratuito, de áreas de assentamento para a implantação de infraestrutura reconhecida como de interesse público, social ou econômico, a associações ou a outras entidades legalmente constituídas ou integradas por assentados”.

Doria e a reforma agrária

À primeira vista, fica parecendo que Doria está preocupado apenas com a melhoria da vida dos assentados da reforma agrária em São Paulo. Mas não é bem assim, segundo o militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pontal do Paranapanema Diógenes Rabello. Doutorando em Geografia na Unesp de Presidente Prudente, ele diz que uma leitura mais atenta do PL mostra que o governador pretende legalizar a grilagem de terras e permitir a venda de áreas de assentamentos. 

“Na verdade, é uma grande enganação para as famílias assentadas. O governador está atuando diretamente em algo que é simbólico para as famílias assentadas, que o título de domínio das terras. Só que o que está por trás desse PL é a especulação imobiliária, entregar essas terras públicas de assentamentos da reforma agrária para o agronegócio, para o capital agroindustrial”, disse à RBA

Para Rabello, o projeto de Doria cria possibilidades e mecanismos dentro da legislação estadual para o agronegócio cumprir seu objetivo ideológico de entrar nas terras de assentamentos.

Ao permitir que as famílias vendam seus lotes após 10 anos da titulação, disse o militante, o PL dá à burguesia agrária, aos latifundiários e empresários do setor agrícola a chance de comprá-los. “Essa burguesia vai adquirir um, dois lotes. Como a legislação não impede que usem nomes de laranja, pode aumentar a compra dessas terras, o que é um grande risco para a questão fundiária no estado.”

Alimentos saudáveis

Na prática, segundo ele, será a reconcentração fundiária que o texto afirma combater. “Na verdade, é isso que esse projeto representa. É um grande retrocesso para a política de reforma agraria  no nosso estado, que nas últimas décadas tínhamos conquistados mais de 100 assentamentos  de reforma agrária, fruto de uma longa trajetória de lutas, de pressão, que o movimento social sem terra fez durante anos”, lembrou.

Outros aspectos preocupantes serão os riscos socioambientais e para a soberania alimentar. São os pequenos agricultores, agricultores familiares e trabalhadores sem terra os grandes responsáveis pela produção de alimentos saudáveis.

“Esses agricultores respeitam a dinâmica da natureza, o meio ambiente, usando técnicas ambientalmente mais equilibradas, sem agrotóxicos. Do outro lado, o agronegócio se baseia na destruição ambiental. Então, com a possibilidade de o agronegócio entrar nos assentamento, a gente tem riscos para a preservação ambiental e para a produção de alimentos saudáveis. É a insegurança alimentar e nutricional no estado.” 

Terras griladas

Há também um risco adicional: o endividamento das famílias. Segundo o PL, as famílias pagarão 10% do valor da terra nua para adquirir o título de domínio. “As famílias não têm condições de arcar com esses custos, são desassistidas de políticas públicas. O Estado não chega até elas com possibilidade de fomento, de investimentos.”

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O projeto, que já era prejudicial, foi piorado por um “jabuti” do relator, deputado Mauro Bragato (PSDB). Trata-se do artigo 4º, assegurando que terras a partir de 500 hectares, griladas ou não, poderiam ser legalizadas e tituladas. Em sua maioria são terras públicas griladas que têm sido reivindicadas para fins de reforma agrária no estado. “A nosso ver, este é o principal item a ser derrubado. Isso porque é problemático para a reforma agraria e a atuação dos movimentos sociais do campo.”

Jabuti é o nome dado a emendas que nada têm a ver com a proposta original. Em compensação, nenhuma das emendas apresentadas por deputados da oposição, movimentos sociais do campo e representantes da sociedade civil foi aceita pelo relator.

De interesse de Doria e seus aliados, a análise do PL entrou na agenda da Assembleia e o governo manobrou junto com sua bancada para que a votação aconteça na próxima semana. A estratégia dos movimentos é conscientizar famílias agricultoras e sensibilizar deputados a votar contra a proposta.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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