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Redemocratização deu pouca importância ao discurso nacionalista de Brizola

Processo avançou mais sob influência do liberalismo do que como conquista das lutas populares
Paulo Timm
Diálogos do Sul Global
Mampituba

Tradução:

A Zé Maria Rabello, in memoriam

Os mais velhos, octogenários — ou quase, como eu — que viveram os tensos anos do pós-guerra até o golpe de 1964, se ressentem, hoje, da ausência de debates e correntes políticas em defesa da soberania nacional.

Não obstante, naqueles idos, como se depreende da Carta Testamento de Vargas e do discurso de despedida do então presidente João Goulart, ainda em território nacional, no dia 01 de abril de 1964, o nacionalismo era uma das fortes tendências no espectro das forças progressistas do país. Leonel Brizola preservou este sentimento profundo de defesa dos interesses nacionais, mas acabou ironizado diante de sua persistente denúncia das “perdas internacionais.”

Mesmo aqueles que se sensibilizavam – e ainda se sensibilizam – com a leitura do livro Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, ou equivalentes para outros países e continentes do Terceiro Mundo, expressão que também desapareceu, como de Frantz Fanon, parece que não atinavam na importância do discurso brizolista. Mas ele insistia e fui testemunha de sua tentativa, feita no primeiro encontro dele com seus seguidores, no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, em 1980, logo após o dia que ele chorou a perda da sigla PTB, de incluir o “Nacionalismo” na nova sigla a ser criada, que seria o PDT.

Processo avançou mais sob influência do liberalismo do que como conquista das lutas populares

Senado Federal/ Flickr
Tancredo Neves, Brizola e Pedro Simon em São Borja, durante campanha Diretas Já, 1984 (Alfonso Abraham).

Naquela ocasião, ao discutirmos – eu fazia parte deste núcleo desde a assinatura da Carta de Lisboa, em 1979 – o nome do futuro partido, Brizola insistia nesta denominação: PARTIDO DO NACIONALISMO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PTND). Ele tinha não apenas convicções nacionalistas, próprias do seu tempo, antes que o pensamento único globalizante tomasse conta do mundo ocidental – mas sensibilidade política para compreender a importância desta defesa como um dos elementos do que denominava Fio da História, do qual o trabalhismo era o principal suporte.

Travou-se, então, em plenário, uma intensa discussão sobre estes pontos. Há que se considerar que vivíamos, ainda, o momento da redemocratização, que se consumaria com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral de 1985 e posterior promulgação da Constituição de 1988. Os mais jovens estavam muito imbuídos da importância estratégica da questão democrática.

Lembremo-nos que até os comunistas se distanciavam crescentemente da fórmula do salto revolucionário e da fase da ditadura do proletariado, fosse na esteira dos recém lidos escritos de Antônio Gramsci, que nos chegaram pelas mãos de Carlos Nelson Coutinho na década de 1970, a favor da construção da hegemonia, fosse no rastro do eurocomunismo francamente em voga na França, Espanha e alguns outros países europeus. (Eu mesmo, oriundo destas profundezas, antes de aderir ao Brizola, havia passado um tempo em Paris escrevendo um livro – O Eurocomunismo hoje – que se perdeu nas minhas andanças).

Até os anos 1970, era comum o debate nos círculos de esquerda, no Brasil sobre qual o caráter da Revolução Brasileira: “Anti-imperialista” com ênfase na contradição Nação-Imperialista, que contemplava um arco de alianças de classes, ou “Democrática”, com ênfase na contradição interna de classes, que recaía na capacidade de organização popular para a realização de tarefas para as quais as classes dominantes davam claras demonstrações de fraqueza.

Resumindo, a ideia “democrática” parecia mais avançada e compatível com as experiências vividas no Brasil desde 1964, quando, na verdade, não percebíamos que o próprio avanço da redemocratização era mais o resultado do arco de alianças em torno do possível – o MDB – sob a égide liberal, do que uma conquista sobre o terreno, exclusiva das lutas populares. Começávamos, também, a esquecer a forte dominância da defesa nacional em experiências revolucionárias em Cuba, no Vietnã, na Nicarágua, talvez na China, fator que aproximava o PCdoB da questão nacional.

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Finalmente, mas não menos importante, os grandes nomes, neste momento – 1980 – que se destacavam nacionalmente como defensores do nacionalismo, tal como, por exemplo, o físico José Walter Bautista Vidal e Marco Antonio Campos Martins, meus colegas de “sala-aquário” no IPEA e comigo demitidos no início daquele ano pelo então Ministro do Planejamento Delfim Netto, além do Embaixador Benayon. Todos PhDs com elevada qualificação acadêmica, eram figuras vistas de soslaio pelas esquerdas como quixotescas, sem vínculos com o universo popular e com fortes vínculos com a área militar defenestrada pelo Presidente Figueiredo, como o General Andrada Serpa.

Isso posto, avançavam os debates nos bastidores da referida reunião no Palácio Tiradentes com a enfática defesa de Brizola da sigla PTND, contemplando o nacionalismo. Muitos oradores se revezaram na tribuna contestando Brizola. Eu fui um deles e, como as discussões não acabavam, depois da minha, que hoje considero malfadada intervenção, Brizola colocou, certo de que venceria, o tema em votação. Uma balbúrdia de braços e mãos levantadas e não raros xingamentos dos que seguiam Brizola mas, no final, ele perdeu.

Acreditem: Brizola perdeu em plenário a denominação do futuro partido! Venceu e pasmem: respeitou. A sigla aprovada, aliás, e que foi para a Ata do evento, lavrada pelo então deputado Lidovino Fanton, que se transformaria no instrumento de fundação do PDT, assim a consagrou para a posteridade. Com um detalhe que poucos perceberam. O nome aprovado foi PARTIDO TRABALHISTA DEMOCRATICO (PTD), sem a referência ao nacionalismo, que pareceu ao Fanton, homófona ao PTB de Ivete Vargas e que por isso poderia ser novamente impugnada atrasando mais ainda a legalização do partido, pelo qual Brizola seria candidato ao Governo do Rio em 1982.

Conversou ele comigo nos dias seguintes, na sede do partido, no Setor Comercial Sul, em Brasília, onde eu tinha também a sede do Centro Latino de Altos Estudos (CLAE), falou com os Deputados da bancada – Getúlio Dias, Alceu Collares, Magnus Guimarães, algum outro cujo nome já não lembro – e levou o assunto ao Brizola, que imediatamente concordou. Assim, ficou para a história esse pequeno deslize que, certamente, contribuiu para evitar maiores confusões com o Tribunal Superior Eleitoral. O nome do partido seria PDT.

O que importa de tudo isso, porém, é que, com isso, e sobretudo depois da morte do Brizola, em 2004, a questão nacional não só desapareceu da dicção no novo partido, como, por ter sido o trabalhismo o porta voz desta corrente, historicamente, perdeu-se a defesa do nacionalismo no cenário político-ideológico nacional.

Por que conto isso?

Primeiro, porque sou velho e cabe aos velhos a tradição oral. Lidovino Fanton ou Getúlio Dias poderiam também contá-la, mas morreram há muitos anos. Talvez o bravo Alceu Collares ainda se lembre, mas não é chegado à escrita, apesar de ter sido o maior orador que conheci em minha vida, digno das mais caras tradições gaúchas.

Mas deixo o registro, também, como uma página pouco lembrada no PDT de hoje. Mais importante, porém, é o significado desta passagem no eclipse do nacionalismo no Brasil. Ficamos, pretensiosamente, cosmopolitas e como tais, presas fáceis do pensamento único neoliberal, coveiro, tanto da Nação como da Democracia. Brizola viu isso.

E eu só tenho a me penitenciar por não ter compreendido isso naquele dia em que ajudei a derrotá-lo na questão da sigla do novo partido que, sim, deveria ter se chamado, como ele queria PARTIDO DO NACIONALISMO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA. Quem sabe ainda corrigimos isso de forma a retomar o lugar que nos cabe no cenário das forças progressistas do Brasil…?

Paulo Timm, Signatário da Carta de Lisboa, 1979
Vale Sagrado do Mampituba, 15 de janeiro de 2022,
Ano do II Centenário da Independência do Brasil.


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