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ToggleA experiência da luta pela democracia travada pela oposição à ditadura militar instalada em 1964 tem muito a dizer às esquerdas que receiam as imensas inconveniências que resultariam de uma ampla aliança em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a fim de resgatar a democracia brasileira. Uma ampla aliança formada, inclusive, por setores que participaram ativamente do golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff (PT).
As diferenças são muitas. Mas as lições a serem tomadas do passado são incontáveis.
Na época, o PT era um anteprojeto de partido institucional: a sigla havia sido recém-criada a partir de um movimento sindical renascido das cinzas sob a liderança de um líder excepcional, Lula; tivera a adesão esmagadora do chamado “novo sindicalismo”, que sacudiu um país dominado pelos militares por meio de greves poderosas; e atraíra massivamente a esquerda egressa da luta armada, atingida dura e cruelmente pelo regime militar.
Além disso, o PT contava, ainda, com a adesão da igreja católica progressista — era uma força das mais importantes, aliás, por ser a instituição com maior capilaridade no país.
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Nenhuma organização resistiria a ofensiva feita contra o PT por tanto tempo, considera Maria Inês Nassif
Partido de massas
Com todos os problemas de gestão das diferenças que a convivência entre organizações com realidades tão díspares trazia, o produto da organização partidária — entendida pelas partes envolvidas como uma necessária organização de convergências e, portanto, de organicidade — acabou, por vias tortas, resultando num partido de massas; e a forma de lidar com as divergências, um instrumento de construção de identidade.
O PT da origem certamente não existe mais — por decisão própria, por estratégia para chegar ao poder para conquistar o voto da classe média brasileira e pelo enfraquecimento da Igreja Progressista no reinado do papa Paulo II, entre outras razões. Após a ascensão à Presidência, também pela necessidade de garantir a governabilidade de seus eleitos.
O que ficou de sua organização de base deteriorou-se nos anos que se seguiram a 2005, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), sob a liderança do então ministro Joaquim Barbosa, iniciou uma perseguição judicial sem tréguas ao partido. Se somados os períodos do chamado “Mensalão” e a perseguição seguinte, de um juiz de primeira instância do Paraná, Sérgio Moro, contra a organização política (o PT) e seu principal representante (Lula), e a sistemática prisão de seus dirigentes e as penas pecuniárias, somam-se 17 anos de ataques incansáveis. Nenhuma organização resistiria a essa ofensiva. O PT está de pé, mas longe de ser o partido de massas que um dia foi.
Mobilização popular
Do passado de luta contra a ditadura, contudo, a construção de organicidade a partir das divergências é uma lição escrita na história. Guardadas as proporções, é uma experiência que se adaptaria perfeitamente a uma federação de partidos de esquerda, se isso for feito visando não apenas à fundamental eleição de uma bancada forte para o Congresso, mas à construção de bases que sustentem, nas ruas, conquistas sociais e democráticas. Não fosse a mobilização popular trazida das lutas sindicais e da campanha das diretas, dificilmente a Constituinte de 1988 poderia ter sido chamada Cidadã.
Os movimentos sociais organizados que se mobilizaram nacionalmente pelas eleições direitas e maciçamente representados pelo PT, que ainda engatinhava, queriam manter a campanha pelo voto direito para presidente nas ruas, mesmo depois da derrota da emenda Dante de Oliveira, em abril de 1984. Divergiam da articulação que acontecia “pelo alto”, entre as lideranças políticas tradicionais, de eleger indiretamente, pelo Colégio Eleitoral, com os votos dissidentes do partido do governo, um candidato moderado de oposição – Tancredo Neves, que morreria antes de assumir o cargo, deixando-o para seu vice, José Sarney, egresso do partido da ditadura. A decisão do PT de não participar do Colégio Eleitoral ficou longe de colocar em risco a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral: a representação parlamentar do partido era pequena, e o candidato de consenso contra o governo obteve uma maioria esmagadora.
Pressão popular pela Assembleia Constituinte
A decisão sempre foi apontada por opositores como prova dos equívocos “esquerdistas” que o PT cometeria desde então. Todavia, ela desempenhou um papel formidável na história que se segue ao Colégio Eleitoral. Foi a mobilização da base popular que levou Tancredo, ainda candidato, a assumir o compromisso pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Esta era uma bandeira das esquerdas, não apenas motivada pela necessidade de uma reordenação jurídica de um país devastado pela ditadura. A bandeira era um chamado ao selamento de um novo pacto social. A arena dessa ampla negociação foi o Congresso Nacional, convocado pelo sucessor de Tancredo, José Sarney, como Congresso Constituinte.
Institucionalmente, os partidos de esquerda tinham uma pequena representação, mas contavam ainda com a ajuda de uma bancada progressista do PMDB e do apoio do líder do partido, Mário Covas.
O que definiu o poder das esquerdas, todavia, foi um estado permanente de mobilização da sociedade civil. No seu discurso de encerramento, o presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães (PMDB), calculou que entraram pelas 11 portas de acesso ao Congresso diariamente, em todo o processo constituinte, 10 mil pessoas – trabalhadores urbanos e rurais, índios, posseiros, estudantes, aposentados, servidores públicos, entre outros, além dos habitués: empresários, produtores rurais e representantes dos bancos. Foram das bases sociais que saíram as 122 emendas populares apresentadas, que somavam, no total, mais de um milhão de assinaturas.
Eleições 2022
As eleições de 2022 ocorrem 34 anos depois da Assembleia Constituinte de 1988, 18 anos de governos legitimamente eleitos, dois anos de Presidência ocupada por um usurpador e quatro anos de total desastre bolsonarista. A democracia não sobreviveu aos últimos seis anos de ataques e não há aliança viável, a não ser a que possa acontecer em torno do único líder popular deste país, Luiz Inácio Lula da Silva. Os recursos que um presidente eleito nessas circunstâncias vai dispor para, no mínimo, levar o país à situação política e social de seis anos atrás serão proporcionais ao apoio das ruas. Esta é uma tarefa das esquerdas. A parcela das elites que comporá essa aliança não tem o mínimo interesse nisso.
*Maria Inês Nassif é jornalista e cientista política.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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