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Por que o ato ilegal, antidemocrático e violento, que pede a intervenção das Forças Armadas para impedir a posse do candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva, segue intacto, há oito dias na cidade de Jundiaí, interior de São Paulo, diante do quartel do Exército, quando em muitos locais ele já foi dissolvido?
Essa é a pergunta que muitos, na cidade onde Jair Bolsonaro (PL) obteve 63,67% dos votos, se fazem. Cabe destacar, como forma de esclarecimento, que o prefeito da cidade, Luiz Fernando Machado (PSDB), apoiou o candidato derrotado nas eleições.
O silêncio do prefeito diante do que tem acontecido no município, aliás, é ensurdecedor. Nem mesmo a repercussão nacional e internacional da agressão sofrida por estudantes por parte de vândalos bolsonaristas o fez se pronunciar. Em seu Instagram, ele apenas desejou “êxito” aos eleitos.
Caso você não saiba o que aconteceu, entenda aqui.
Na sexta-feira (4), quando um grupo de pais, estudantes e representantes da sociedade civil e de partidos políticos estiveram na Prefeitura para cobrar uma posição da gestão PSDBista quanto à violência dos manifestantes e do risco de vida — inclusive — a resposta foi de que a questão não era da alçada municipal e ponto.
Mães e pais ficaram indignados com o fato de que os jovens da ETEC Vasco Antônio Venchiarutti teriam que seguir lidando com eventuais agressões dos cidadãos “patriotas” que, segundo uma das jovens que estava no ônibus, ouvida pela reportagem, os ameaçou de morte.
O prefeito não estava na cidade, segundo foi informado. O senhor secretário da Casa Civil, Gustavo Leopoldo Caserta Maryssael de Campos, na ocasião, impediu a entrada da imprensa na reunião com pais e vítimas. Porém, a reportagem obteve vazamento do áudio da conversa.
O gestor inicia a reunião repudiando a agressão dos baderneiros e justifica o silêncio do prefeito — ao argumentar que não é de sua responsabilidade o que está acontecendo.
“O que está acontecendo na rua não é fruto da ação dele [prefeito] ou da omissão dele. O comando não é dele. E há um respaldo, uma preocupação, digamos assim, de não apagar o incêndio com gasolina. A questão transcende e muito e não tem nada a ver com Jundiaí”.
Veja vídeo exclusivo com depoimento dos alunos logo após encontro com Maryssael:
E segue: “estamos vivendo um momento atípico e nós temos que ter cautela, inclusive. As forças vivas e democráticas de Jundiaí têm que estar atentas ao que está acontecendo porque pode piorar”.
A impressão é de que tudo é muito maior, de que há uma força operante, mas que a prefeitura está de mãos atadas. Que força seria essa? Ninguém responde.
Alunos denunciam risco de morte
Contextualizando um pouco mais, um dos estudantes, dirigente do grêmio da escola, tenta argumentar com Maryssael que a direção e a coordenação da escola sabiam do perigo de ter estudantes circulando em meio aos golpistas, já que a mobilização ainda não havia sido totalmente dispersa, após o feriado de Finados na quarta-feira (2).
Ele, que não foi à escola naquele dia, observa que os representantes estudantis avisaram o coordenador pedagógico e a direção de que não havia segurança para ir para a escola, mas “ninguém deu ouvidos pra gente”, afirma e diz ter as mensagens salvas no celular.
Após praticamente todos falarem, é a vez da jovem, que estava no ônibus no momento da agressão e conta que “eles [bolsonaristas] ameaçaram ir atrás da gente e ameaçaram a gente de morte. Não é apenas ‘vamos bater em vocês’, é literalmente ‘vamos atrás de vocês na escola’”. Após uma bela explanação sobre as responsabilidades de cada ente da federação, ela conclui:
“Eu entendo que não dá para apagar fogo com gasolina, mas você tem que apagar o fogo, porque a gente não pode ficar em constante risco de morte.”
“É o meu filho”
No momento mais tenso da conversa, a representante das mães traz o exato questionamento que estamos nos fazendo aqui: se a Prefeitura sabia que vários ônibus escolares passariam por ali naquele dia, por que não tomou providências, por que se omitiu quanto à garantia da segurança dos seus cidadãos?
A conversa, após vários minutos em que o secretário diz não ser da alçada da Prefeitura tomar providências quanto à dispersão da mobilização e que disponibilizaria escolta para os estudantes, é mais ou menos a seguinte (há trechos inaudíveis no áudio enviado à reportagem):
— Mãe: Vocês foram omissos por não cuidar de tudo aquilo ali porque eles [bolsonaristas] falaram que iriam perseguir as crianças até a porta da escola. Vocês têm que colocar uma polícia ali — sei lá qual seja, pode até ser você pessoalmente — durante uma semana, dez dias, direto, para proteger…
— Secretário: Eu peço que a senhora se controle…
— Mãe: Eu não me controlo porque eu sou mãe!
— Secretário: Eu também sou… (interrompido)
— Terceira pessoa: o filho dela poderia ter morrido dentro daquele ônibus.
— Secretário: Eu não sou o responsável por isso!
— Mãe: O senhor é responsável pelos cidadãos…
— Secretário: Nós estamos conversando civilizadamente…
“Não provoquem”
Os alunos perderam um dia de aula, muitos ficaram com medo de retornar à escola, como disseram durante o ato realizado no Paço Municipal e a resposta que a diretora Rosmari Antonia Colcerniani deu à comunidade escolar foi:
“Constitucionalmente todos têm direito à manifestação de pensamento, porém precisamos pensar na aceitação do outro para não sofrer ação truculenta que afete a nossa integridade física e emocional.”
Lendo atentamente, ela praticamente culpa os estudantes por terem sido agredidos. Confira a íntegra:
A solução da escolta não era desejada por estudantes e pais porque alguns alunos vão a pé para a escola, outros com transporte particular ou mesmo veículos pessoais. Nesta segunda-feira (7), a reportagem verificou a presença de uma viatura da Guarda Municipal na rotatória de acesso à ETECVAV.
Crime de responsabilidade?
Diante do comportamento das autoridades em relação aos atos golpistas, a reportagem consultou alguns advogados sobre um possível crime de responsabilidade por omissão por parte da Prefeitura.
De acordo com o artigo 23 da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público.
Se os atos são contra o Estado democrático de direito, questionam o processo eleitoral democrático e defendem uma ação inconstitucional do Exército, é fácil inferir que o município não está garantindo o artigo 23.
Além disso, diz o Artigo 359-L do Código penal que é CRIME contra as instituições democráticas, com pena de até oito anos:
Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Exatamente o que estão fazendo os “patriotas” ao pedir fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal), e desconhecendo o resultado das urnas, só para citar dois pontos.
Cortesia
Apesar de esvaziados, atos golpistas seguem diante do Exército, em Jundiaí, São Paulo
Seguimos com o Artigo 359-M, que diz ser crime punível com até 12 anos de reclusão:
Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Pedir intervenção das Forças Armadas, golpe de Estado e etc. é exatamente o que essas pessoas estão fazendo.
Questionada quanto a esse possível crime de responsabilidade, bem como a eventual conivência com atos antidemocráticos, a prefeitura disse apenas o seguinte:
“o Executivo municipal tem sua ação pautada pelo princípio da legalidade e está cumprindo suas funções constitucionais no caso em tela [as ações contra os estudantes], encaminhando todos os atos e infrações à lei para a devida apuração da Polícia Judiciária, que está investigando a ocorrência.”
Enviei novo e-mail por entender que minhas perguntas não haviam sido respondidas e a assessora Luciana Müller disse que “o posicionamento da Prefeitura de Jundiaí foi encaminhado via nota. Em caso de dúvidas relativas ao conteúdo, a unidade permanece à disposição”.
Segurança dos alunos
De fato, os agressores dos alunos já foram devidamente reconhecidos e o caso está sendo apurado na Justiça. De acordo com a assessoria da deputada estadual Márcia Lia (PT), o Ministério Público de Jundiaí já acatou a investigação.
A Polícia Civil indiciou quatro manifestantes. O caso será avaliado pelo juiz da 2ª Vara Criminal de Jundiaí, Clóvis Elias Thamê, conforme informações da Folhapress. Em 2017, o magistrado absolveu um padrasto acusado de abusar sexualmente do enteado por entender que não havia provas.
Quanto ao temor de alunos e pais quanto à segurança para chegar à escola, vale destacar que o transporte de alunos é dever do Estado, como diz o artigo 208, item VII da Constituição,
é dever do Estado o atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
No que se refere ao caso específico da agressão aos estudantes, será investigada, pelo MP, a culpa da Prefeitura e da empresa de ônibus que permitiu que o garoto fosse atingido, uma vez que Prefeitura, motorista e Polícia Militar deveriam ter agido para proteger o jovem, o que não foi feito.
Conforme apuração da reportagem, o Procurador do município pediu a desobstrução do local onde estão os “patriotas” com base na Lei de Segurança Nacional. Porém, na noite desta terça-feira (8), os baderneiros seguiam em frente ao quartel.
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