Pesquisar
Pesquisar

Frei Betto | CPI contra MST: só reforma agrária pode erradicar fome e insegurança alimentar

Buscam criminalizar os sem-terra por exercerem o sagrado direito de ocupar terras improdutivas num país de dimensões continentais
Frei Betto
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Este é o terceiro texto de uma série de publicações de Frei Betto sobre a CPI contra o MST. Leia também:
1. CPI do MST serve para trazer à tona violência no campo e crimes do agronegócio
2. Mesmo agro que financiou golpismo em Brasília quer CPI contra MST
4. Na Roma Antiga ou no Brasil de 2023, luta pela terra é alvo da fúria das elites
5. Trabalho escravo no Brasil é problema crônico do agro jamais visto no MST

A militância do MST repete, com razão, que o Brasil tem muita gente sem-terra e muita terra sem gente. Os fatos comprovam que o aumento da concentração fundiária favorece o desmatamento e a violência no campo.

Dados do Censo Agropecuário de 2017 apontam que o Brasil possuía, naquele ano, 5.072.152 propriedades rurais. Metade com área de 10 hectares ou menos. São pequenas propriedades. Todas juntas ocupam apenas 2,28% das terras utilizadas no Brasil para a agropecuária.

Frei Betto | Ocupação não é invasão. Por que MST e luta por reforma agrária assuntam tanto?

No entanto, 50.865 propriedades rurais, que correspondem a apenas 1% do total de imóveis do campo, ocupam 47,5% das terras agrícolas. É o pessoal que insiste em manter, ao longo de mais de 500 anos, o único modelo de “reforma agrária” ocorrida em nosso país: a divisão de grandes extensões de terra em Capitanias Hereditárias

A média de conflitos por terra e água entre 2019 e 2022 (governo Bolsonaro) superou a média entre os anos de 2013 e 2018. E eles ocorrem predominantemente nas áreas de expansão das fronteiras agrícola e mineral – as regiões Norte e Nordeste. 

Continua após o banner

Segundo dados do Inpe, o desmatamento é maior sobretudo na região de cerrado conhecida como MATOPIBA – acrônimo formado pelas primeiras sílabas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Considerada a última fronteira agrícola do Brasil, é a área mais cobiçada pelo agronegócio para implantar agropecuária em larga escala – gado, soja e eucalipto. 

Buscam criminalizar os sem-terra por exercerem o sagrado direito de ocupar terras improdutivas num país de dimensões continentais

Bárbara Lima/Flickr
Entre 2019 e 2022, o número de famílias de pequenos agricultores que tiveram suas terras invadidas foi de 326.684




Aumento nos conflitos

Entre 2018 e 2022 aumentaram em 26,7% os conflitos por terra. As principais vítimas de invasões realizadas por agentes do agronegócio são povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pescadores. Dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra) mostram que, em 2022, ocorreram 47 assassinatos no campo e 117.600 conflitos por água.

A maioria das empresas produtoras de commodities não demonstra nenhum interesse na preservação ambiental, desrespeita a legislação trabalhista, e algumas são frequentemente flagradas com trabalhadores submetidos a condições análoga à escravidão. 

Frei Betto | CPI do MST serve para trazer à tona violência no campo e crimes do agronegócio

O retrocesso no campo se agravou desde o governo Temer, sobretudo devido a projetos de lei e emendas constitucionais como as que resultaram na reforma da Previdência (103/2019). 

Segundo dados do Cedoc (Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno), entre 2013 e 2022 houve aumento dos territórios em conflito por terra. Em 2013 foram registrados 810 territórios em conflito; em 2022, 1.050 territórios. Aumento de quase 30%.


Governo Bolsonaro

No governo Bolsonaro, invasões promovidas por agentes do capital (latifundiários, mineradoras, grileiros etc.) em territórios ocupados por pequenos agricultores e posseiros cresceu 146,55%.

Entre 2019 e 2022, o número de famílias de pequenos agricultores que tiveram suas terras invadidas foi de 326.684. Isso se deveu a quatro fatores: 1) iniciativa governamental no programa Titula Brasil; 2) mineração em terras indígenas; 3) extração de madeira em terras indígenas; e 4) decretos e projetos de lei encaminhados ao Congresso.

Continua após o banner

Tudo isso somado e facilitado pela redução dos recursos a Funai; recusa de fiscalização; e milícias armadas em apoio a garimpeiros, madeireiros e desmatadores.

E ainda querem criminalizar os sem-terra que exercem o sagrado direito de ocupar terras improdutivas num país de dimensões continentais. Haja matas e haja mortes! A fome e a insegurança alimentar jamais serão erradicadas no Brasil enquanto não houver reforma agrária.

Frei Betto | escritor, autor de “O marxismo ainda é útil?” (Cortez), entre outros 72 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org. Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Frei Betto Escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras); “Batismo de sangue” (Rocco); e “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros 74 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org. Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.

LEIA tAMBÉM

Política externa em cima do muro pode abreviar Governo Lula e reflete esquerda brasileira
Política externa em cima do muro é reflexo da esquerda brasileira e pode abreviar Governo Lula
Brics, imperialismo e América Latina Brasil, te enxerga!
Brics, imperialismo e América Latina: Brasil, te enxerga!
Conferência no RJ celebra 50 anos da Revista Cadernos do Terceiro Mundo
Conferência no RJ celebra 50 anos da Revista Cadernos do Terceiro Mundo
Veto do Brasil no Brics não atinge apenas Venezuela, mas todo o Sul Global
Veto do Brasil no Brics não atinge apenas Venezuela, mas todo o Sul Global