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Cannabrava | Carta de empresários e líderes da sociedade civil foi para endereço errado

Deveria ter sido enviada a Brasília, não a Washington; causas da degradação do meio ambiente no Brasil estão aqui e têm endereço certo
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Um grupo de pessoas enviou uma carta ao presidente dos Estados Unidos. Provoca-me um misto de vergonha e horror. Pedir misericórdia ao mandatário de uma potência imperial que nos subjuga. Acham o que? Que Washington mudaria de planos para atender a uns bobocas brasileiros?

Empresas e organizações da sociedade civil enviaram carta aberta ao presidente e congressistas dos Estados Unidos pedindo aprovação do AMAZON 21 Act, um fundo de US$ 9 bilhões para combater o desmatamento na Amazônia.

Lá as cartas já foram dadas. O problema é aqui.

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Carta como essa é para ser enviada aos 15 generais que conformam o alto comando do Exército, a quem se pode exigir que cumpra com seus deveres constitucionais. 

Carta como essa é para ser enviada para os comandantes da Marinha e da Aeronáutica, exigindo que parem de ser coniventes com a destruição da Amazônia. 

Carta ao Estado Maior das Forças Armadas inquirindo: como é que podem pactuar com a entrega da soberania?

“O Brasil concentra dois terços da floresta amazônica, a maior floresta tropical do mundo. Mais de 75% da floresta perdeu a resiliência desde o início do século XXI”, dizem os signatários, para logo acrescentarem que entre agosto de 2020 e julho de 2021, o bioma perdeu mais de 13,2 mil km², segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Prodes/Inpe), um avanço de 22%. Mencionam também que cerca de “17% das florestas amazônicas foram convertidas para outros usos e pelo menos outros 17% foram degradadas. Esta perda pode comprometer o papel do bioma nos ciclos globais de água…” e por aí segue…

Gente. As causas dessa degradação estão aqui e têm endereço certo. Essa carta foi enviada para o endereço errado. Deveria ter sido enviada ao presidente e aos congressistas sediados em Brasília, não em Washington.

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Carta como essa deveria ser enviada para as empresas, para os advogados, para os executivos dos grandes bancos e financeiras, aos dirigentes partidários.

Humilhar-se pedindo 9 bilhões de dólares, algo em torno 45 bilhões de reais. Um nada. Quantia igual ao que foi o lucro da Petrobras em mãos espúrias no 1º trimestre deste ano (R$ 44,5 bilhões). O lucro líquido dos 4 maiores bancos em 2021, de R$ 81,62 bilhões, se taxado em 50% daria com sobra para financiar esse fundo.

Deveria ter sido enviada a Brasília, não a Washington; causas da degradação do meio ambiente no Brasil estão aqui e têm endereço certo

Gage Skidmore – Flickr

Segurança? Justiça? Emprego? É o que deveria ser cobrado às autoridades imperialistas dos Estados Unidos e aos dirigentes servis de Brasília

Muita gente importante firmando essa carta que não serve para nada.

O mais correto seria fazer um abaixo assinado de gente poderosa pedindo a manutenção e reequipamento do Inpe e um “fora Elon Musk”, que quer se assenhorear do sistema de comunicação sobre a Amazônia. Exatamente sobre a Amazônia que os preocupa, estão tirando o Inpe para colocar uma empresa estrangeira interessada em explorar as riquezas minerais da região.

Quem é Musk, tratado como herói? Musk é a própria varejeira, ávida de desovar no nosso território.

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Façam carta aos congressistas em Brasília exigindo que se cumpram as leis de proteção ao meio ambiente. Mas, se os congressistas são os próprios predadores… Cabe a sociedade civil não mais financiá-los, não mais votar neles.

Carta aos generais e demais oficiais que controlam o Poder Executivo exigindo a manutenção do ensino público gratuito e de qualidade. Esses caras, desde a adolescência, estudaram em colégios militares públicos, se formaram na Academia Militar de Agulhas Negras, Aman, em Resende, no Rio de Janeiro, tendo casa e comida, assistência à saúde e ainda ganhando um soldo. Tudo às custas do povo brasileiro. É muita sem-vergonhice esses caras, que vivem sustentados com dinheiro público, pretenderem cobrar o ensino do povo que o sustenta. É demais de acintoso. 

Esse mesmo congresso, em Washington, a quem foi dirigida a carta, acaba de aprovar a liberação de US$ 40 bilhões (R$ 200 bilhões) para a guerra que está a massacrar o povo ucraniano e a arrasar com a economia dos países europeus. Merecem nosso desprezo.

Esse mesmo presidente destinatário da carta é quem quer realizar uma reunião de cúpula das Américas só com seus áulicos. Deveriam pedir a ele que respeite o Direito Internacional e os sagrados princípios da não intervenção e da solução pacífica das controvérsias. Desta vez o tiro de Biden está pela culatra. Dos 35 países das Américas e Caribe, até agora parece que só 5 confirmaram e 10 estão em cima do muro. 

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Escrevam rechaçando não a OEA, mas todo o Sistema Interamericano que só serve aos interesses dos Estados Unidos. Agora nos toca fortalecer a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o Mercosul e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), juntar essa força de Nossa América aos Brics e acabar de vez com as hegemonias imperiais, com o Norte rico às custas do Sul pobre explorado. 

Chega de colonialismo, chega de servidão intelectual.

É incrível, mas ainda há muita gente que pretende emular aqui o que veem como sociedade ideal estadunidense. Que sociedade é essa? Já foi o tempo em que todo mundo queria ser classe média consumista como o ianque. É o reino da desigualdade, do apartheid, do McCarthyism, dos senhores das guerras.

Uma sociedade em que a cada cinco dias ocorre uma chacina em escolas de crianças. Foram 27 só neste ano, com esta em que um menino de 18 anos matou 19 crianças e dois adultos, sendo uma professora. Foi no Texas. O que é o Texas? Texas era México, usurpado por meio da ocupação por colonos.

Não é só o Texas. Na realidade, os EUA tomaram mais da metade do território mexicano, o que é hoje Califórnia, Nevada, Utah, Arizona, Novo México e Texas. Quando os texanos se rebelaram, foram massacrados. Ser mexicano é guardar uma grande magoa com relação ao sofrimento imposto pela potencia do Norte. 

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O Brasileiro não percebeu ainda que o seu sofrimento, como o do mexicano, tem a mesma origem e causa. Sem dar um tiro, os Estados Unidos tomaram conta dos centros de decisão e transformaram as Forças Armadas em tropas pretorianas a proteger seus interesses. E estamos forjando uma sociedade muito semelhante, insensível, inculta, preconceituosa, predadora, genocida.

Disputando manchetes com o massacre no Texas, temos mais um massacre no Rio de Janeiro: 26 mortos na Vila Cruzeiro, Complexo da Penha, Zona Norte, por um batalhão da PM, Bope. Nenhum preso, nenhum policial ferido. A ação visava prender chefes do Comando Vermelho ali reunidos. Era para prender? Entraram matando. Nada diferente da chacina em Jacarezinho, em que foram mortas 28 pessoas em 2021; ou daquela da Vila Operária, em 1998, em que foram mortas 23 pessoas. 34.654 roubos perpetrados na capital de São Paulo nos últimos 90 dias. Mata Atlântica devastada, não é só a Amazônia, é também o Cerrado, o Pantanal, nossos rios e mares.

Segurança? Justiça? Emprego? É o que deveria estar sendo cobrado pelos signatários da carta às autoridades imperialistas dos Estados Unidos e aos dirigentes servis de Brasília.

Deveriam escrever para os assassinos econômicos que ocupam o Ministério da Economia, mostrando que o rumo adotado, longe de mover a economia, só vai aprofundar a crise. Deveriam protestar contra o absurdo de uma taxa básica de juros em 13,25%. 

Segundo o especialista Gabriel Leal de Barros, em entrevista ao Poder 360, com a Selic nesse nível, o custo da dívida sobe R$ 580,1 bilhões, ou seja, a cada 1 ponto percentual, aumenta em R$ 387,3 bilhões a dívida pública, que supera R$ 7 trilhões, girando em torno de 80% do PIB.

A sociedade civil tem poder para exigir o câmbio de rumo na política econômica, retorno a um ciclo virtuoso de desenvolvimento, com investimento público em infraestrutura e financiamento barato para produção agrícola e industrial.

Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul.


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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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