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Cannabrava | Decisão de Fachin que anulou processos contra Lula acaba com Lava Jato?

Por covardia ou cumplicidade o Supremo manteve Lula fora do pleito. É o que ficará na história. Não cabe nenhuma outra versão
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

No dia internacional da mulher (8), o ministro Edson Fachin, em decisão monocrática, anulou as sentenças da Corte de Curitiba contra Lula. É uma boa tentativa de recuperar a dignidade e credibilidade da mais alta corte de justiça do país.

São onze os ministros do STF. A ver se o ato solitário do ministro Fachin influencia os demais a cumprir com seu papel. A ação que envolve o julgamento de suspeição de Moro é outro processo e teve julgamento iniciado nesta terça-feira no plenário da 2ª turma. Esse, a meu ver, é o mais importante.

Leia também: Supremo Tribunal Federal decide agora sobre suspeição do ex-juiz Sergio Moro; assista:

Levou três anos para ser julgado esse habeas corpus. O juiz concedeu exatamente o que os advogados pediram: a incompetência da Corte de Curitiba de julgar um caso que caberia à justiça de São Paulo ou de Brasília. Argumento do advogado José Roberto Batoquio ao denunciar Moro no primeiro momento, quando também irresponsavelmente mandou levar Lula sob vara (coercitivamente) a julgamento.

Levou três anos também para Fachin manifestar que a pressão dos militares sobre o Poder Judiciário é Intolerável e inaceitável. 

Recordemos que, recentemente, o general Villas Bôas, em livro autobiográfico, relata como as forças armadas, através de seu estado-maior, pressionou a Suprema Corte para não conceder o habeas corpus a Lula. Por covardia ou cumplicidade, o Supremo manteve Lula fora do pleito de 2018. É o que ficará na história. Não cabe nenhuma outra versão.

Lula agora terá oportunidade de um julgamento justo. É o que se espera, já que os processos foram encaminhados para a Justiça Federal de Brasília. Os novos juízes partem do zero? Pelo que parece a nova corte recebe de herança tudo o que foi acumulado na outra.

Há quem questione se seria esse o momento adequado para tomar essa decisão, tomando em conta que desvia a atenção da população para um fato político quando o momento exige concentração total no combate à pandemia, enfrentar o colapso da saúde pública. Acho que nada tem a ver uma coisa com a outra. Ao contrário, os políticos têm um motivo a mais para se comunicar com o povo e pedir que se protejam para evitar o mau maior.

Mas, com relação ao processo contra Lula, é todo o sistema judiciário que ficou comprometido ao atuar como um ente político e impor à nação sua vontade. 

José Dirceu reagiu no ato da notícia tranquilo: 

“vamos saborear essa grande vitoria politica com todos os senões jurídicos que possa conter. Vitória, em primeiro lugar do Lula, que não se dobrou, da militância que não se rendeu e resistiu bravamente, do Lula Livre e dos advogados que lutaram sem tréguas contra as violências e ilegalidades da Lava Jato, o impacto da decisão não pode ser apagada por nenhum manobra jurídica, é uma espetacular vitória nossa”.

O Partido da Causa Operária (PCO) também foi rápido e lançou um manifesto chamando “o PT e toda a esquerda deve lançar já a candidatura de Lula à Presidência da República”. Argumenta que se ele for candidato desde agora ajudará a cimentar a vitória e começaremos imediatamente a campanha para pôr fim ao golpe, a ditadura de Bolsonaro e dos golpistas, e a todas as arbitrariedades que viemos sofrendo desde 2016, de uma vez e por todas.

Leia também: Manifesto assinado por Chico Buarque e Boff pede fim à política genocida de Bolsonaro

Apela a todos os partidos de esquerda que lançaram ou pretendem lançar candidato formar agora uma frente popular junto a Lula.

Precisa mesmo muita tranquilidade, para encarar esses fatos. 

Gleise Hoffman, deputada e presidenta do PT, reagiu com os pés no chão, à espera da análise jurídica sobre a decisão do ministro. A avaliação também veio rápida e a deputada comunicou no plenário da Câmara: 

Durante mais de 5 anos percorremos todas as instâncias do Poder Judiciário para que fosse reconhecida a incompetência da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba para decidir sobre investigações ou sobre denúncias ofertadas pela “força tarefa” de Curitiba. … Por isso, a decisão que hoje afirma a incompetência da Justiça Federal de Curitiba é o reconhecimento de que sempre estivemos corretos. Cristiano Zanin Martins/Valeska Teixeira Zanin Martins

A decisão de Fachin não pode significar o abandono de julgar e condenar o juiz Sérgio Moro. Suspeição é uma coisa, incompetência é outra, esta que foi julgada por Fachin é técnica. A outra é moral. A suspeição acaba com a Lava Jato.

São vários os crimes que Moro e Delagnol praticaram, mas um só é que deveria estar na pauta e não está: o crime de traição à pátria, conluio com potência estrangeira na montagem de processos, que resultaram na desmontagem de grandes empresas, provocando perdas inestimáveis ao país. Não se esqueçam de que para os agentes da lava jato “o Fachin é nosso”.

Segundo o Dieese os R$ 4,3 bilhões recuperados pela operação lava-jato, que eles se gabam, é uma merreca diante dos R$ 172,2 bilhões que país perdeu em investimentos e 4.4 milhões de empregos. São 40 vezes mais. Segundo a jornalista Mônica Bergamo, com isso o Estado deixou de arrecadar R$ 47,4 bilhões em impostos, sendo R$ 20,3 bi em contribuições sobre a folha de salários.

Esse julgamento coincide com publicação de pesquisa que revela que Lula tem a preferência espontânea de 50% dos eleitores, contra pouco mais de 30% do Bolsonaro.

Leia também: Operação Fiasco: Brasil mais colheu prejuízo do que benefícios financeiros com Lava Jato

O tal do mercado já deu sinal de que sentiu o impacto da sentença. Dólar disparou, chegando a quase R$ 5,80 e a bolsa desabou. Entram em pânico com a possibilidade de um candidato não comprometido com as reformas (Consenso de Washington) e com o ajuste fiscal (teto de gastos).

Bolsonaro reagiu à sua moda, desqualificando tudo e mentindo. Para ele a decisão de Fachin é monocrática e poderá ser modificada pelo pleno da Corte. Não pode um homem só ser senhor do destino de um julgamento. Diz que refinarias não foram construídas e Pasadena deu um prejuízo de R$ 230 bilhões à Petrobras. Mentira.

A Procuradoria Geral da União diz que prepara recurso contra a decisão qualificada de absurda pelo governo de ocupação. 

Em alguns bairros houve panelaço contra o Lula, provocado pela notícia. 

Miguel Reali Jr., o advogado que ficou na história por ser um dos autores do pedido de impeachment a Dilma, considera que já não há mais como condenar Lula. Ele quer que o centro livre o país de ter de escolher entre Lula e Bolsonaro.

Nos jornalões tem muita gente dizendo que ao inocentar Lula estão favorecendo Bolsonaro, que só teria uma ficha para apostar, que é o antilulismo, o antipetismo. E, claro, Bolsonaro conta também com o que chama de meu exército. 

Ou seja, de novo, como em 2018, está ameaçando que o exército e o povo não aceitariam outra hipótese que a vitória dele na eleição. Teria sido um blefe? Em 2018 o STF e os partidos ditos de oposição botaram o rabo entre as pernas e correram da raia. E agora, vão pagar pra ver? 

O que é que me preocupa.

Esse habeas corpus não foi julgado antes das eleições. Por quê? Porque havia uma conspiração envolvendo as forças armadas, a direita empresarial, Legislativo e o próprio Judiciário para tirar Lula do pleito.

Havia também a vontade e o dinheiro do Império. Fachin, na época, ficou calado e só agora reagiu à confissão do general de que as forças armadas disseram ao STF que não queriam Lula no páreo.

De repente desfizeram o pacto de 18? Não creio. 

Há alguma coisa movendo por trás dos bastidores que é o que devemos concentrar pra descobrir. 

A polarização Lula-Bolsonaro é o que eles não queriam. Por isso impugnaram a candidatura e fraudaram a eleição.

Sabiam que era risco. vão aceitar agora? Não há mais risco? 

Há mais risco agora do que antes, em 2018. Um jogo perigoso, sem saber as cartas com que esses caras contam para jogar. E tampouco se sabe o que estará na cabeça dos estrategistas da Casa Branca. Não se esqueçam de que isto aqui é uma colônia, e o que estiver nos planos do império também conta.

Essas coisas me fazem refletir. Num 17 de março de 1871, o proletariado francês de sublevou e com o povo ocupou Belle Ville, um bairro, e logo a rebelião se estendeu por toda Paris apavorando a corte e a burguesia. Veja que isso ocorreu numa conjuntura da França ocupada pela Alemanha. O povo sublevado queria livrar-se da ocupação e de um governo repressor. Era hora da nação se unir contra o invasor. No entanto, prevaleceu a questão de classe, a burguesia e a realeza preferiu pedir socorro ao invasor para derrotar o povo sublevado.

Leia também: “Lula já tem contra Moro o que Moro nunca teve contra Lula: provas”, diz jornalista

Lembro desse fato histórico, para deixar claro que a questão de classe está acima do amor à pátria. Amor ao povo nunca houve, só ódio de classe. E para lembrar também às esquerdas que de luta de classe se trata, ontem, hoje e sempre.

Fato parecido vivemos no Brasil de 1964. 

Impotente diante do avanço das reformas do governo trabalhista e do apoio popular, sabendo que seria derrotada num processo eleitoral legítimo, pediu socorro ao Tio San para derrotar o trabalhismo. Não houve desembarque, não foi preciso porque não houve resistência. Mas, os fatos são esses. Está nos livros de história.

Lula candidato

A única reparação ao que fizeram com Lula é o voto popular. Não há outra possível.

Não foi Lula quem colocou a campanha para 2022 na rua. Bolsonaro está em campanha desde o primeiro dia em que ocupou o Palácio do Planalto. É difícil não aceitar a polarização. 

Já defendemos aqui que tendo sido a eleição de 2018 roubada de Lula, tem todo o direito de ser candidato, disputar em igualdade de direitos o voto popular.

No domingo (7/03), em artigo na página editorial do Estadão, FHC escreveu, com todas as letras, que é isso que precisamos, de alguém que indique o caminho. Claro que não estava se referindo ao Lula. Estava, honestamente (pasmem!), reconhecendo o vazio no espectro político partidário do qual faz parte. Se a solução for Lula, que venha, deixou implícito.

O Estadão, no mesmo dia, diz que é hora de industrializar. Caramba! Caramba! duas vezes, uma por ter sido o jornal cúmplice no processo de implantação  da ditadura do capital financeiro e da consequente desindustrialização; duas por ser propriedade de banqueiros. Será que os próprios banqueiros  se deram conta de que sem produção não haverá país e que sem país não há razão para existirem os banqueiros?

Leia também: “Material de Moro é ótimo”, disse Dallagnol sobre ação contra Lula sem elo com Petrobras

Algo está acontecendo. 

Não há recessão que possa durar 100 anos, e esta em que estamos submergidos já dura 40 anos.

Há que buscar alternativas para salvar o capitalismo. 

A direita e a ultradireita neoliberal estão desmoralizadas como projeto. Não deu certo em lugar nenhum do mundo. O chamado centro, não tem projeto nem candidato sustentável; o famoso centrão nem conta, são lumpens. 

Já são poucos os que têm dúvida da farsa jurídica que foi a Lava Jato. Moro, desmoralizado, é carta fora do baralho. Recebeu o prêmio pelos serviços prestados e não vai arriscar perder a boquinha, o baita emprego em Nova York.

Luciano Huck? por mais empenho que a Globo faça, não cola. Não tem discurso nem tino político, será tragado pelas raposas. 

Ciro Gomes? Perdeu a chance de se unir com a esquerda e levará um pé na bunda da direita. Mas, como ainda falta bastante para a eleição tem tempo pra criar juízo. 

Pesquisa, que virou manchete em todos os jornais, diz que o potencial de voto de Lula é bem maior que o de Bolsonaro. Isso não é novidade. Todos sabíamos, por isso fraudaram a eleição de 2018. Novidade é os jornais abordarem o tema com naturalidade.

Um Instituto de Pesquisa, conduzido por uma veterana do Ibope, Márcia Cavallari, mostra que 

  • 50% votariam emLula; 
  • 38% votariam no Bolsonaro
  • 44% de jeito nenhum votariam no Lula; 
  • 56% de jeito nenhum votariam no Bolsonaro. 

É grande a rejeição a Bolsonaro e, por conta da incompetência no trato da pandemia, isso vai se agravar ainda mais.

Esse é o cenário pré eleitoral.

Lula tem dois caminhos:

  • Aceitar liderar uma frente de esquerda neoliberal para salvar o país do caos (pandemia e recessão) e salvar junto o capitalismo; ou
  • Aceitar romper com o neoliberalismo e compor uma frente de esquerda en torno de um projeto alternativo, que recolha a bandeira do trabalhismo como via ao socialismo.

Na primeira hipótese ele ganha a eleição, facilmente. 

Na segunda, são vários os riscos: pode perder, mas, ganha em dignidade e se fortalece como líder para consolidar a frente e acumular forças para ganhar mais na frente ou, romper com a institucionalidade no meio do caminho.

Leia também: Moro e Dallagnol protagonizam “o maior escândalo da história do Poder Judiciário”

Brasil novo epicentro da Covid-19

São muitos os fatos políticos que conseguiram se impor sobre as bravatas e mentiras dos ocupantes do Palácio e sobre a escalada das mortes pela Covid 19. 

Com 266 mil mortos, estamos chegando rapidamente a 3 mil mortos por dia. E o pior, sem que o governo tome as medidas pertinentes. Governo omisso e a sociedade civil também se não omissa, perplexa, impotente diante do colapso da saúde pública.

Brasil tornou-se epicentro mundial com a agravante de variantes mais mortais do vírus. Estados Unidos, que era o epicentro até há pouco, conseguiu reverter, com uma mobilização de guerra, e está vacinando 3 milhões de cidadãos por dia. Para não deixar a economia parar, Biden conta com quase 2 trilhões de dólares.

Enquanto em todo o mundo o combate está obtendo resultado e provando diminuição das mortes, o Brasil acelera.

Caramba! Demorou, mas aos poucos parece que vão caindo as fichas. 

Quatro ex-ministros de Saúde clamam por um Gabinete de Crise e por um Governo de Salvação Nacional. As Universidades começam a se manifestar. Começam quando a meu ver deveriam estar na vanguarda. Ficaram na defensiva, como toda a esquerda nacional, agora sofrem censura.

É proibido pensar!

O calvinista que ocupa o Ministério da Educação, emulando a Inquisição, decidiu que é proibido se manifestar politicamente. É isso mesmo. O ministro qualifica de crime de indisciplina professores que criticarem o governo. 

Paralelamente, a Controladoria Geral da União (CGU) resolveu assumir o papel de polícia da Inquisição e punir professores por terem se manifestado sobre o óbvio, ou seja, o que tudo mundo sabe: que a proliferação da pandemia se deve ao descaso do governo, à negação da ciência.

O que é que a CGU tem com isso? Aconteceu em Pelotas, Rio Grande do Sul. Os professores Pedro Hellal, ex reitor da UFPe e Eraldo dos Santo Pinheiro, pro-reitor de extensão e Cultura, foram obrigados a assinar um termo de Ajustamento de Conduta, para pôr fim a um processo administrativo contra eles  que poderia culminar com a expulsão. Tudo isso porque os professores mostraram indignação diante da mortandade provocada pela pandemia e a incompetência do governo em enfrentá-la.

A CGU não tem nada a ver com isso, não tem que meter o bedelho onde não foi chamada. Um duplo crime: fere a autonomia universitária e fere a Constituição que garante liberdade de expressão. 

É de uma mediocridade que lembra os tempos do Gama e Silva, reitor da USP posto pela ditadura, que promoveu uma caça às bruxas que custou à Universidade a perda de seus melhores quadros e alunos. O mediocre dedura o sábio para ocupar o seu lugar.

Agora, o calvinista lançou ofício que diz que manifestação política será condenada como imoralidade administrativa. É um absurdo tão grande que o Ministério Público teve que pedir explicações, o que é impossível, foi retirado. Mas ficou comprovada a índole do ministério e o que se pode esperar.


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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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