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Shehbaz Sharif, primeiro-ministro do Paquistão, discursa a oficiais e soldados da Operação Bunyan al Marsos, que no início de maio realizou ataques contra alvos militares da Índia (Foto: Reprodução / X)

Caxemira: uma peça do tabuleiro imperialista para sabotar o Sul Global

A tensão na Caxemira joga luz às manobras dos EUA para comprometer a integração do Sul Global; o Brics, porém, aposta no diálogo e na cooperação

Antonio C. R. Tupinambá
Diálogos do Sul Global
Fortaleza

Tradução:

O desfecho da Partição se deu à meia-noite, entre 14 e 15 de agosto de 1947, quando os britânicos dividiram o subcontinente indiano em duas nações soberanas, a Índia e o Paquistão. Na época, o Paquistão ficou formado pelo Paquistão Ocidental e Oriental em dois extremos do território que antes pertencia ao Estado indiano.

Hoje, a tensão continua elevada entre os dois países, mesmo já tendo se passado quase 78 anos da divisão. Logo após esses acontecimentos, Índia e Paquistão entraram em guerra pelas províncias de Jamu e Caxemira e, desde então, o conflito escalou para confrontos em múltiplas frentes, com implicações mundiais. Trata-se de um grande conflito entre duas nações com poderio atômico. A Índia acredita ser a autoridade sobre a região disputada, a Caxemira, assunto interno, enquanto o Paquistão quer internacionalizar a questão.

A recente escalada entre os dois países leva-nos a crer em mais uma intervenção do “império” para fins políticos. Não pode ser descartada uma estratégia para desestabilizar o denominado “Sul Global”. Segundo o jornalista Pepe Escobar, “as cruas táticas refletem o clássico ‘dividir para conquistar’. Duplo golpe: um novo uso da Índia como arma e a desestabilização de uma frente-chave da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) da China: o Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC). Um trunfo para o hegêmona: dividir o Brics por dentro” [1]. Tem-se, assim, mais uma guerra híbrida travada pelas superpotências ocidentais.

“Dividir para conquistar”: tensão Índia x Paquistão mira Brics e Nova Rota da Seda

Um Brics forte significa um confronto a uma ordem unipolar orquestrada pelos Estados Unidos da América e seus colaboradores. Mais uma vez, apenas a Rússia, que transita entre as duas nações, amigavelmente, seria capaz de impedir uma confrontação catastrófica entre as duas potências atômicas. “A terminologia russa é essencial: não apenas foi feito um apelo para que ambas as partes ‘entabulem um diálogo construtivo’. Moscou enfatizou: ‘Estamos prontos para enfrentar juntos a ameaça terrorista global’. A palavra-chave é ‘global’. Entretanto, Délhi e Islamabad ainda não parecem estar captando a mensagem” [2], acrescenta Escobar em sua análise.

Ao portal Brasil 247, o especialista afirmou ainda que a disputa se passa em um ninho de vespas, extremamente complicado, herança da partição colonial de 1947 desenhada, arbitrariamente, pelo império britânico. Com razão, mostra suas suspeitas sobre o ataque ao ônibus de turistas hindus e muçulmanos no lado indiano da Caxemira, ação atribuída a uma facção ligada ao grupo Lashkar-e-Taiba: o ataque ocorre em um momento curioso e bastante suspeito.

Não seria essa uma guerra contra o Brics? Uma confrontação entre os dois países conflitantes resultaria em um prejuízo nas relações entre a Índia e a China, dois importantes membros do bloco. Escobar vê nessas operações o dedo podre da CIA, afinal, conforme destaca, é isso o que a CIA faz de melhor: “atentados de falsa bandeira, operações sujas financiadas por fundos ilegais, como nos tempos do contrabando de ópio no Afeganistão”. Acrescentaria que, no período pós-partição, o órgão investiu na criação de grupos religiosos extremistas para conseguir dominar a região.

Apesar de a Rússia já ter começado a agir em busca de uma saída diplomática, levando os dois rivais a um diálogo para encerrar os ataques, sua eficácia é desejada, mas incerta. Sabe-se do orgulho nacionalista e do apego fundamentalista de ambos, Índia e Paquistão, que têm de um lado o hinduísmo e do outro o islamismo, respectivamente, o que dificulta o trato, com racionalidade, das questões binacionais. A via diplomática costuma ser a melhor alternativa e o único recurso para evitar um mal maior. No entanto, é sempre com apelo bélico que se dá qualquer negociação que implique a disputa pela Caxemira, isso, muito devido à postura extremista dos dois lados: na Índia, um Modi racista e anti-muçulmano, e no Paquistão, uma elite que preferiu construir um estado fundamentalista desde seu despertar e sempre se submeter ao Império.

Os EUA, crê-se, em abril de 2022 levaram à destituição do primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, que foi condenado a 10 anos de prisão sob falsas acusações de corrupção e espionagem. O que se viu foi uma ameaça direta dos EUA sobre o exército paquistanês, que por sua vez exerceu seu controle sobre o parlamento para cumprir o ultimato ianque. EUA e também a União Europeia queriam obrigar líderes estrangeiros, incluindo Khan, a se alinharem contra Putin e apoiarem as sanções ocidentais contra a Rússia, mas Khan resistiu [3].

Como um dos membros fundadores do Brics, o Brasil não poderia deixar de se manifestar em face dos últimos acontecimentos. Sempre reafirmando seu firme compromisso com a promoção da paz, da estabilidade e do diálogo como único meio de resolução de controvérsias, o governo brasileiro se posicionou, oficialmente, encorajando “as partes a prosseguirem com os esforços diplomáticos com vistas à paz duradoura e ao bem-estar de suas populações, da região do Sul da Ásia e do mundo” [4]. Já o presidente Lula manifestou, por meio de um telefonema com o primeiro-ministro indiano, a solidariedade do Brasil às vítimas do atentado terrorista ocorrido em 22 de abril. Lula reiterou o convite para que Modi participe da Cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, entre 6 e 7 de junho, bem como para que, durante o período, faça uma visita de Estado ao Brasil. Posteriormente, o Itamaraty saudou o acordo de cessar-fogo pactuado entre a Índia e o Paquistão, trégua anunciada em 10 de maio.

Notas

[1] “Dividir para conquistar”: tensão Índia x Paquistão mira Brics e Nova Rota da Seda

[2] idem.

[3] Paquistão: assim os EUA derrubaram Imran Khan.

[4] Governo Lula se manifesta sobre cessar-fogo entre Paquistão e Índia


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Antonio C. R. Tupinambá Professor titular da Universidade Federal do Ceará, doutor em Psicologia pela Universidade de Giessen (Alemanha) e coordenador do Blog Polis — UFC: Estudos em Psicologia Política: (http://projetopolisufc.blogspot.com.br), escreveu os livros "Timor do Sol Nascente e outras Crônicas" (Editora Omni - Fortaleza CE) e "Sobre Pessoas e Lugares Distantes" (Plebeu Gabinete de Leitura — Fortaleza CE).

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