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Os cofres da família Trump enchem enquanto continua a queda financeira, afirma o New York Times (Foto: Manuel Quimbayo)

Chantagem, censura, corrupção: a “maior democracia do mundo” derrete sob Trump

Crescem nos EUA críticas e acusações contra a equipe de Trump por favorecer aliados e atacar universidades e a mídia; paralelo a isso, aumentam também os atos de resistência

David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

As amplas tarifas estadunidenses à maioria dos países do mundo, e sua errática implementação, sacodem os mercados financeiros e reverteram os prognósticos sobre o crescimento econômico global. Porém, vários dos doadores financeiros mais ricos de Donald Trump asseguraram a si um lugar privilegiado na lista de mais de mil exceções de bens e serviços afetados por essas tarifas.

“Poderia ser corrupção, mas também poderia ser incompetência”, comentou um lobista à agência independente de notícias ProPublica. Mas a senadora democrata Elizabeth Warren está certa de que isso é simplesmente resultado de um governo à venda. “Ele (Trump) anuncia uma política de tarifas, afirma que não há exceções, e depois diz: ‘eu falei com (o executivo-chefe da Apple) Tim Cook’. Não me diga… Depois acrescenta: ‘há um grande acordo disponível para Tim Cook’”, declarou Warren à MSNBC. O alto executivo visitou Trump em seu clube e residência na Flórida pouco antes de sua posse e, a título pessoal, doou um milhão de dólares para as festividades em torno da cerimônia de posse do novo presidente.

O deputado democrata Greg Casar denunciou o acordo com Cook para isentar sua empresa das tarifas. “Então, enquanto as famílias trabalhadoras pagam mais, a Apple recebe tratamento especial. Trump recebe subornos. Os multimilionários recebem tratamento privilegiado. A classe trabalhadora se ferra.”

Trump não escondeu que suas ações beneficiaram os que o apoiam. Em uma reunião na Casa Branca transmitida ao vivo, durante o sobe e desce dos mercados acionários por causa das mudanças na aplicação das tarifas anunciadas pelo presidente, ele se dirigiu ao financista Charles Schwab e declarou, entre risadas: “ele ganhou 2,5 bilhões hoje. Nada mal.”

Muitos críticos denunciaram que essa cena foi nada menos que a confissão de um delito grave, no qual especuladores obtêm informação não pública sobre mudanças no manejo de políticas ou negócios que impactam as bolsas de valores.

Durante sua campanha eleitoral, Trump deixou claro que esperava que as empresas e os ricos que se beneficiassem de suas decisões contribuíssem para sua candidatura — e essa prática continua agora em seu governo. “Os cofres da família Trump enchem enquanto continua a queda financeira”, reportou o New York Times antes de descrever como o Fundo Soberano Saudita tem canalizado cada vez mais dinheiro para os negócios da família Trump.

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Um dos primeiros atos do republicano ao chegar à presidência foi suspender a aplicação da Lei sobre Práticas Corruptas no Exterior, que sanciona empresas por subornar funcionários estrangeiros. A Casa Branca argumentou literalmente que essa lei colocava as empresas estadunidenses em desvantagem injusta em seus negócios internacionais. Mas os pagamentos em dinheiro por favores políticos poderiam estar ocorrendo não apenas fora do país.

Exceções negociadas

Uma investigação da ProPublica detectou que muitos executivos de empresas estadunidenses têm se reunido em particular com altos funcionários da Casa Branca em busca de isenções das tarifas para seus negócios. Entre as exceções descobertas está uma para um tipo de resina usada na fabricação de garrafas plásticas para a Coca-Cola e outras bebidas. A Reyes Holdings, maior empresa que utiliza essa resina, é uma grande doadora da campanha de Trump e recentemente contratou um lobista para buscar a isenção para esse produto — apesar de não poder alegar que se trata de um item estratégico ou de interesse para a segurança nacional.

Outras isenções descobertas pela ProPublica incluem uma para o asbesto – mineral que causa câncer – utilizado para elaborar cloro, assim como vários outros ingredientes de pesticidas e fertilizantes. Embora a ProPublica não tenha conseguido confirmar que pagamentos em dinheiro resultaram em isenções das tarifas, acusa que a maneira secreta como essas isenções são concedidas levanta dúvidas sobre como a Casa Branca determina quem as merece.

Mas a senadora Warren não tem dúvidas de que tudo isso é corrupção. “O caos das tarifas de Donald Trump abre completamente a porta para a corrupção”, declarou antes de propor uma investigação sobre o assunto. “Estamos buscando respostas para garantir que esse sistema de tarifas de luz vermelha, luz verde, não esteja enchendo os bolsos de Trump e seus aliados enquanto prejudica as famílias estadunidenses.”

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Warren também pediu uma investigação por parte da comissão encarregada de supervisionar e regular os mercados financeiros, a Securities and Exchange Commission (SEC), para determinar se Trump, seus familiares, doadores e amigos tiveram acesso prévio a informações confidenciais sobre sua política tarifária com as quais poderiam ter lucrado.

“Instamos a SEC a investigar se os anúncios de tarifas, que causaram um colapso no mercado seguido por uma recuperação parcial, beneficiaram pessoas dentro do governo e seus amigos às custas do público estadunidense, e se alguns… incluindo a família do presidente, tinham conhecimento prévio da suspensão das tarifas e abusaram disso na compra e venda de ações”, escreveu Warren em uma carta assinada por vários legisladores democratas.

Uma investigação do Financial Times levantou dúvidas sobre se algum dos filhos de Trump manipulou ações de uma empresa que fabrica drones, bem como de outra empresa financeira na qual depois foram nomeados como assessores.

Compra de favores

Vários legisladores e observadores denunciaram que a corrupção está à vista de todos. O senador democrata Adam Schiff, há algumas semanas, declarou no plenário do Senado que “a corrupção é aberta”, ao explicar que Trump anunciou pouco antes de assumir a presidência o lançamento de sua própria criptomoeda – chamada $TRUMP. “A questão com essa ‘nova moeda’ é que ela representa uma mensagem para qualquer um que deseje se aproximar do presidente – sejam governos estrangeiros, oligarcas ou multimilionários de Wall Street – dando-lhes a oportunidade de, literalmente, comprar o favor de Donald Trump. Direta, corrupta e claramente.”

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Entre as ações iniciais deste governo esteve um grande esforço para enfraquecer agências e medidas oficiais dedicadas a combater a corrupção oficial, reduzindo pessoal, demitindo mais de 12 inspetores gerais e enfraquecendo as capacidades de investigar atos corruptos dentro e fora do país. Um exemplo é a seção de Integridade Pública dentro do Departamento de Justiça, entidade criada em parte como resposta ao escândalo de Watergate e responsável por investigar funcionários públicos acusados de corrupção.

Um comentário do Brookings Institution alerta que, desde a chegada do governo Trump, os Estados Unidos passaram de ser um dos principais líderes mundiais na luta contra a corrupção. Agora, a organização adverte que o país corre o risco de ser o oposto e a democracia estadunidense está em risco com o crescimento da ameaça de corrupção no governo.

Resistência nas universidades e na mídia

Em 22 de abril, os reitores de mais de 200 universidades assinaram uma carta coletiva condenando as tentativas do governo de Donald Trump de interferir em suas instituições, enquanto o produtor executivo do lendário programa jornalístico 60 Minutos anunciou sua renúncia após a rendição de sua empresa, a CBS News, diante das pressões da Casa Branca. Tudo isso acontece em meio a novos surtos de resistência de alto perfil contra o novo regime estadunidense.

Os reitores das universidades, incluindo os de algumas das mais prestigiadas, como Harvard, Princeton e Brown, denunciaram publicamente a “interferência política sem precedentes do governo” contra instituições de ensino superior. A declaração publicada pela Associação Americana de Faculdades e Universidades é a expressão mais ampla e contundente até agora, desde que o governo Trump emitiu uma série de ameaças de retirar centenas de milhões de dólares em fundos federais e exigiu mudanças no currículo, medidas contra o que qualifica, de forma enganosa, como antissemitismo e até a instalação de supervisores externos para monitorar as mudanças exigidas.

Vozes do alto escalão dos Estados Unidos — sejam universidades, meios de comunicação ou outras instituições de elite — agora se veem obrigadas a se manifestar publicamente contra o governo (Foto: Manuel Quimbayo / Flickr)

Columbia foi a primeira universidade a negociar e se render às exigências de Trump, e outras indicaram que estão em processo de negociação, mas Harvard surpreendeu ao rejeitar as ameaças de retirada de cerca de 2 bilhões de dólares em fundos federais. Mais do que isso, Harvard se tornou a primeira universidade a processar legalmente o governo por essas ameaças.

Os ataques de Trump contra os meios de comunicação também começaram a provocar maior repúdio. Bill Owens, produtor executivo da que talvez seja a revista noticiosa dominical de televisão mais famosa e antiga dos Estados Unidos (com 57 anos), anunciou sua renúncia alegando que haviam perdido sua independência jornalística. “Não poderei tomar decisões independentes”, informou à sua equipe, segundo o New York Times.

O programa esteve sob intensa pressão do presidente Trump, que acusou a produção de comportamento “ilegal” por editar de forma enganosa uma entrevista com sua adversária eleitoral democrata Kamala Harris, em outubro de 2024. O presidente moveu uma ação judicial contra a CBS no valor de 10 milhões de dólares e exigiu um pedido de desculpas do programa. Os donos da CBS, a Paramount, precisam da aprovação do governo para vender sua empresa, e por isso desejam negociar uma solução para a demanda de Trump.

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Outros grandes meios de comunicação, incluindo a agência AP, a rádio pública nacional NPR e a televisão pública nacional PBS, também foram alvo de punições e ameaças por parte da Casa Branca desde a chegada de Trump em janeiro.

É notável que vozes do alto escalão dos Estados Unidos — sejam universidades, meios de comunicação ou outras instituições de elite — agora se vejam obrigadas a se manifestar publicamente contra o governo. Por exemplo, Lawrence Summers, ex-presidente do Banco Mundial e ex-reitor de Harvard, comentou na semana passada que as ameaças de Trump a diversas instituições fazem parte de “um esforço amplo e massivo para suprimir instituições que desafiam o governo presidencial”. Acrescentou: “Se uma instituição como Harvard não pode resistir à tirania quando ela se impõe – com seus bens de 50 bilhões, suas redes e seu prestígio – então, quem poderá?”

Trump, retrato do Terceiro Reich

O ex-vice-presidente, candidato presidencial e ambientalista Al Gore comparou alguns aspectos do governo de Trump ao Terceiro Reich, por seu ataque ao “centro da distinção entre a verdade e a mentira”, e disse, em um discurso em San Francisco em 21 de abril, que há algumas lições da história dessa “maldade emergente” da Alemanha Nazista que podem ser aplicadas ao seu país agora, reportou o Politico.

Vários prefeitos, como os de Boston, Los Angeles e outras cidades, assim como algumas governadoras, como as do Maine, de Michigan e o governador do Kentucky, também se unem a um coro de resistência diante das ameaças de Trump de retirar assistência federal caso não cedam às exigências de deixar de ser santuários para imigrantes e descontinuar medidas antidiscriminatórias. O prefeito de Chicago, Brandon Johnson, declarou recentemente que não tem por que se reunir com representantes do governo de Trump, afirmando: “não vou negociar com terroristas”.

Difundem-se vídeos de vizinhos e amigos enfrentando agentes de migração, cercando casas ou carros de imigrantes e exigindo que se identifiquem e apresentem ordens judiciais para entrar nas residências. Multiplicam-se os esforços para defender comunidades imigrantes com informações sobre seus direitos e ações para frear tentativas de prisão, além de protestos contra as detenções de imigrantes indocumentados.

Caça de Trump a imigrantes reforça urgência de articulação internacional

Continuam os protestos contra a política de apoio a Israel em várias universidades, incluindo estudantes e ex-alunos de Columbia que, acorrentados às grades de uma das entradas, entoaram: “matam 400 mil em Gaza – e prendem a nós?”, apesar dos múltiplos incidentes de detenção de ativistas, sobretudo estudantes e outros acadêmicos imigrantes.

O governo de Trump continua cancelando vistos de estudantes internacionais que se atreveram a expressar sua oposição às políticas estadunidenses, em particular ao seu apoio ao que acusam ser um genocídio contra palestinos em Gaza, sob o pretexto de combater o antissemitismo. Há algumas semanas, o secretário de Estado, Marco Rubio, enfatizou: “cada vez que encontrar um desses lunáticos, tirarei seus vistos”. Mas cada vez mais políticos e acadêmicos – professores e administradores – expressam seu repúdio a isso. O senador Chris Van Hollen repetiu sua denúncia de que “o verdadeiro lunático é Marco Rubio”, já que essas ações “pisoteiam os direitos constitucionais” da liberdade de expressão.

Uma coalizão nacional de organizações judaicas estadunidenses (representando aproximadamente um terço da comunidade judaica organizada) declarou em um comunicado, há poucos dias, que condenam as ações do governo federal de empregar o pretexto de “lutar contra o antissemitismo” para justificar a anulação dos direitos ao devido processo de estudantes quando enfrentam prisões e/ou deportações, bem como ameaças a bilhões de dólares em financiamento de pesquisas acadêmicas e educação… “Essas ações não tornam os judeus – ou qualquer outra comunidade – mais seguros. Apenas nos tornam menos seguros.”

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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