Ao que parece, estamos retrocedendo nos EUA e, mais uma vez, precisamos recordar estas palavras tristemente vigentes (em suas várias versões): “Primeiro vieram levar os comunistas, guardei silêncio, já que eu não era comunista. Quando vieram pelos sindicalistas, não disse nada, porque eu não era sindicalista. Quando vieram levar os judeus, não disse nada, porque eu não era judeu. Depois vieram por mim, e já não restava ninguém para falar por mim”. Martin Niemöller, pastor luterano alemão, 1946.
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Uma defensora dos direitos dos imigrantes na Flórida, alguns professores em Nova York e pais de família em várias partes do país contam como agora precisam encontrar uma maneira de explicar às crianças sobre as rondas de busca a imigrantes, o que fazer se levarem seus pais e também como evitar delatar seus amigos caso algum agente ou policial pergunte se seus colegas falam outros idiomas. As coisas estão assim: nos Estados Unidos, é preciso ensinar as crianças a não falar se as autoridades aparecerem.
Ao mesmo tempo, com aparente gosto, vários personagens que se consideram parte da direita triunfante decidiram brincar com a saudação hitlerista. Primeiro, Elon Musk, que seria uma versão medíocre e estereotipada de um vilão de filme de James Bond, decidiu oferecer uma expressão de amor (segundo ele) ao levantar seu braço de tal maneira que muitos insistiram se tratar de um heil Hitler no dia da inauguração. Seu rival Steve Bannon fez o mesmo na semana passada, com um sorriso demasiado consciente – de repente, todos estão no filme Doutor Fantástico. É curioso, já que durante décadas a história oficial incluía o autoelogio de que os Estados Unidos derrotaram Hitler (sempre tentando não mencionar o papel da União Soviética) na “guerra boa”.
Mas a Segunda Guerra Mundial e os acontecimentos políticos que a desencadearam na Europa tornaram-se, de repente, referências para analisar a conjuntura estadunidense – Hannah Arendt e acadêmicos especialistas em totalitarismo na Alemanha, Itália e França são cada vez mais requisitados. Uma dessas especialistas, a historiadora Ruth Ben-Ghiat, que estuda figuras autoritárias desde Mussolini até os dias atuais, comentou que “parece que estamos vivendo um novo tipo de golpe” de Estado como parte de “uma contrarrevolução ao estilo fascista”, cujo objetivo é reorganizar o governo em torno de “um projeto ideológico de nacionalismo cristão e supremacia branca, além de impor desregulação neoliberal e medidas de privatização para ‘libertar’ a América”. Ela adverte que “quanto mais corrupto e criminoso for o autocrata, mais ele estará obcecado em punir inimigos e garantir sua própria segurança”. Conclui que, com tantas semelhanças em relação a outras ditaduras de direita ao longo do último século, parece que “agora chegou a vez de os Estados Unidos se tornarem um laboratório para a inovação autocrática”.
Para isso, afirmam especialistas, é necessário criar uma “realidade alternativa” com a repetição ad infinitum de mentiras e distorções. Muitos, incluindo Ben-Ghiat, opinam que Trump é um dos melhores propagandistas dos tempos recentes e está conseguindo impor sua versão dos fatos, ou ao menos anular a credibilidade de todos, começando por seus ataques incessantes contra os meios de comunicação não alinhados.
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Enquanto o Partido Democrata se destaca mais por sua falta de firmeza e aparente covardia, a oposição a esse projeto ainda está emergindo. Há uma série de manifestações contra “reis” por todo o país, marchas de imigrantes em várias cidades desafiando e repudiando medidas anti-imigrantes, a admirável cruzada de Bernie Sanders contra “a oligarquia” em assembleias populares com milhares de pessoas em diversos pontos do país, e a governadora democrata do Maine enfrentando publicamente Trump e desafiando suas ameaças (https://www.bbc.com/news/videos/c201nnjq9zro). Mas todos sabem que é preciso muito, muito mais, sobretudo maior solidariedade entre todos os diretamente afetados, especialmente os mais vulneráveis, que são os imigrantes.
Embora as crianças precisem ser ensinadas a ficar em silêncio, dos adultos se exige exatamente o contrário.