De repente, reportar sobre o mundo político dos Estados Unidos é reportar de dentro de um manicômio. Pior, porque em um manicômio, supõe-se que pelo menos a maioria dos residentes sabe que não está sã, enquanto aqui estão certos de que são os enviados divinos para salvar este país.
A nova diretora do Escritório da Fé da Casa Branca, a pastora Paula White, declarou que “dizer não ao presidente Trump seria dizer não a Deus”. O secretário da Defesa acredita que estamos nas cruzadas cristãs do século 12 (tem tatuada a Cruz de Jerusalém no torso). Trump aparentemente se recusa a deixar seu trabalho anterior e declara que sua proposta para ocupar Gaza é “uma transação imobiliária” para criar a “Riviera do Oriente Médio”.
Enquanto isso, uma equipe de assaltantes enviada pelo homem mais rico do planeta invade primeiro os escritórios da Usaid e depois o Departamento do Tesouro e o Departamento de Educação, tomando momentaneamente o controle das folhas de pagamento federais e dos programas de assistência federal. Segue-se o assalto a outras agências-chave, como a NOAA, que oferece serviços federais essenciais de monitoramento climático. Portais de informação federal foram fechados e serviços sociais interrompidos – ou pelo menos é o que parece, embora ninguém tenha certeza. Há violações e mudanças sem precedentes nas normas governamentais, e ninguém sabe exatamente se algo é legal ou não.
Os ataques contra antigos aliados, agora dissidentes que ousaram criticar seu chefe, fazem com que sejam incluídos em uma lista proibida para investigação e perseguição. A mídia não alinhada continua sendo “o inimigo do povo” – o estrategista político do movimento liderado por Trump, Steve Bannon, qualifica a mídia como “a oposição” neste país e sugere sufocá-la com ações e declarações espetaculares, e isso está funcionando.
O jornalista e crítico Chris Hedges escreve que “os multimilionários fascistas-cristãos, estelionatários, sicofantas, imbecis, narcisistas e degenerados que tomaram o controle do Congresso, da Casa Branca e dos tribunais estão canibalizando a máquina do Estado. Essas feridas autoinfligidas, características de todo império em sua fase final, mutilarão e destruirão os tentáculos do poder. E então, como um castelo de cartas, o império desmoronará”. Ele acrescenta que “os governantes de todos os impérios em suas últimas fases, incluindo os imperadores Calígula e Nero e Carlos I, o último monarca da Casa de Habsburgo, eram tão incoerentes quanto o Chapeleiro Louco [de Lewis Carroll]”.
“A terra dos livres, o lar dos valentes, o sonho americano, todos são iguais, a justiça é cega, a imprensa é livre, seu voto conta, os negócios são honestos, os bons vencem, a polícia está do seu lado, Deus está te vigiando, seu nível de vida nunca cairá e tudo estará bem. A história oficial de bullshit”, dizia o grande comediante George Carlin. E essa é, em parte, a origem do problema: depois de décadas de neoliberalismo, milhões de estadunidenses despertaram para descobrir que tudo o que lhes foi prometido pelas elites políticas era um engano.
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Diante disso, houve várias expressões de rebeldia e dissidência em movimentos sociais que sacudiram o país – altermundistas, pró-imigrantes, anti-guerra, defensores dos direitos civis e dos 99%, parte dos quais se expressou no âmbito eleitoral com Bernie Sanders, mas foi reprimida pelas elites. A outra vertente foi o convite da ultradireita com todas as suas correntes, incluindo o cristianismo nacionalista e sua espantosa aliança com o sionismo, o populismo ultradireitista com as milícias e tudo culminando, por ora, com o enviado divino chamado Trump. Com sua vitória, abriram-se as portas de um manicômio para os criminosamente loucos.
Mas essa loucura tem sua lógica: a concentração de poder por parte de Trump e seus aliados – ou o que Paul Krugman qualifica como “um autogolpe”, quando “um líder legitimamente eleito usa o cargo para assumir controle total, eliminando as restrições legais e constitucionais sobre seu poder”.
Por ora, é preciso localizar as saídas de emergência deste manicômio.
Jimi Hendrix – All along the watchtower
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